Logomarca do portal

Logomarca do portal
Prezado leitor, o Portal do Servidor Publico do Brasil é um BLOG que seleciona e divulga notícias que são publicadas nos jornais e na internet, e que são de interesse dos servidores públicos de todo o Brasil. Todos os artigos e notícias publicados têm caráter meramente informativo e são de responsabilidade de seus autores e fontes, conforme citados nos links ao final de cada texto, não refletindo necessariamente a opinião deste site.

OS DESTEMIDOS GUARDAS DA EX. SUCAM / FUNASA / MS, CLAMA SOCORRO POR INTOXICAÇÃO

OS DESTEMIDOS  GUARDAS DA EX. SUCAM / FUNASA / MS, CLAMA SOCORRO POR INTOXICAÇÃO
A situação é grave de todos os servidores da ex. Sucam dos Estados de Rondônia,Pará e Acre, que realizaram o exame toxicologicos, foram constatada a presença de compostos nocivos à saúde em níveis alarmantes. VEJA A NOSSA HISTÓRIA CONTEM FOTO E VÍDEO

SINDSEF RO

SINDSEF RO
SINDICATO DOS SERVIDORES PUBLICO DE RONDÔNIA

NOTÌCIAS DA CONDSEF

NOTÌCIAS DA CONDSEF
CONDSEF BRASIL

GRUPO DE VENDAS DE IMÓVEL

GRUPO DE VENDAS DE IMÓVEL
QUER COMPRAR OU VENDER É AQUI!!

CAPESAUDE/CAPESESP

CAPESAUDE/CAPESESP
FOMULÁRIOS

Fale com a CAPESESP

Fale com a CAPESESP
ATEDIAMENTO VIRTUAR

SELECIONE SEU IDIOMA AQUI.

sábado, 24 de outubro de 2009

Inquérito Civil Público nº. 1.10.000.000556/2008-60, Por fim, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL:

PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DA ___VARA FEDERAL DA SEÇÃO
JUDICIÁRIA DO ESTADO DO ACRE.
1 – FATOS.
1.1 BREVE RESENHA HISTÓRICA DO USO DO DICLORO-DIFENILTRICLOROETANO
(DDT) – fls. 02/05
1.2 MALEFÍCIOS CAUSADOS PELO DDT – fls. 05/08
1.3 DOENÇAS APRESENTADAS PELAS VÍTIMAS (FUNCIONÁRIOS E
FAMILIARES) – fls. 09/10
1.4 ENFRENTAMENTO DADO POR OUTROS ÓRGÃOS ACERCA DO TEMA – fls.
11/12
1.5 RESUMOS DAS PROVIDÊNCIAS EXTRAJUDICIAIS ADOTADAS PELO
MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A SOLUÇÃO DO PROBLEMA – fls. 12/17
1.6 DO DESCUMPRIMENTO DA RECOMENDAÇÃO – fls. 17/20
2 – DO DIREITO.
2.1 – DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL – fls. 20/21
2.2 – DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO – fls. 21/24
2.3 DO DIREITO À SAÚDE – fls. 24/27
2.4 DA INSALUBRIDADE NO TRABALHO PRESTADO NA INICIATIVA PRIVADA E
NO ESTADO – fls. 27/32
2.5 DA RELAÇÃO DE CAUSALIDADE – fls. 32/36
2.6 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – fls. 36/41
3. DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA – fls. 41/46
4. DO PEDIDO – fls. 47/48
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da
República signatário, no exercício de suas funções institucionais e com supedâneo nos arts.
127, caput, e 129, III e IX, da Constituição Federal, no artigo 6º, VII, “a” e “d”, da Lei
Complementar nº 75, de 20/05/1993, e nos arts. 1º, inc. IV, e 5º da Lei nº 7.347/85, vem,
perante Vossa Excelência, ajuizar a presente
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 1
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
em face da UNIÃO – MINISTÉRIO DA SAÚDE, na pessoa do Procurador-Chefe da
Advocacia-Geral da União no Estado do Acre, com endereço na Advocacia-Geral da União,
sito à Rua Rui Barbosa, nº 415, Bairro Centro, Rio Branco/AC; FUNDAÇÃO NACIONAL
DE SAÚDE NO ACRE – FUNASA, fundação pública vinculada ao Ministério da Saúde,
podendo ser citada na pessoa de seu Coordenador Regional, José Carlos Pereira Lira, com
endereço na Avenida Antônio da Rocha Viana, nº 1586 - Vila Ivonete, nesta Capital e do
ESTADO DO ACRE, pessoa jurídica de direito público interno, podendo ser citado na pessoa
do Procurador-Geral do Estado, com endereço na Avenida Getúlio Vargas, n. 2.852, Bairro
Bosque, nesta Capital, nos termos do art. 119, da Constituição Estadual, e do artigo 12, inciso
I, do Código de Processo Civil, em razão dos fundamentos de fato e de direito a seguir
expostos:
1. FATOS
No dia 3 de julho de 2008, foi instaurado no âmbito desta Procuradoria
da República o Inquérito Civil Público nº 1.10.00.000556/2008-60, destinado a averiguar os
possíveis danos ocasionados aos funcionários da FUNASA no Acre, em virtude da exposição
ao Dicloro-Difenil-Tricloroetano (DDT), tendo em vista uma série de notícias veiculadas em
jornais, apontando, em suma, que a morte de 114 funcionários da FUNASA/AC, de 1994 até
os dias atuais, poderia estar diretamente relacionada com a contaminação por aquele
inseticida, em decorrência da manipulação e do uso do produto sem as devidas cautelas.
1.1. BREVE RESENHA HISTÓRICA DO USO DO DICLORO-DIFENILTRICLOROETANO
(DDT)
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 2
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
Para melhor contextualizar a utilização – inclusive histórica – do DDT,
menciona-se que o emprego deste inseticida se efetivou em decorrência da disseminação
progressiva de diversas doenças parasitárias, como a malária, que atingiram, praticamente,
toda a extensão do território nacional ao longo do século XX, em virtude do processo de
desenvolvimento econômico e social e da intensificação de correntes de migrações internas
que ocorriam no país naquela época.
A malária, considerada pela Organização Mundial de Saúde como a
doença tropical e parasitária que mais causa problemas sociais e econômicos no mundo,
causada pelo protozoário do gênero Plasmodium, transmitido ao homem através do sangue,
atualmente concentrada na área definida como Amazônia legal, representou um grave
problema de saúde pública enfrentado pelo Brasil.
A utilização do DDT mostrou-se mais econômica e eficiente do que as
medidas de combate à malária até então conhecidas, tendo sido, portanto, considerado
prioritário no combate às epidemias. Tal substância era usada em larga escala na agricultura,
em culturas florestais e como inseticida doméstico.
Nessa esteira, a antiga Superintendência de Combate à Malária -
SUCAM, hoje denominada FUNASA – Fundação Nacional de Saúde, utilizou-se do DDT ao
longo dos anos como o meio mais eficaz de eliminar mosquitos transmissores de doenças e
outros insetos, com aplicação intradomiciliar do inseticida.
Na linha de frente estavam os milhares de guarda da SUCAM
espalhados por todo o Brasil, principalmente na Amazônia, nas campanhas de erradicação dos
mosquitos vetores da malária.
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 3
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
O resultado de todo o trabalho desempenhado por parte dos matamosquitos,
como eram popularmente conhecidos os guardas da SUCAM, foi, do ponto de
vista da Saúde Pública, de grande relevância. Entretanto, para a saúde de quem desenvolvia as
atividades de borrifação, utilizando-se do DDT no combate aos mosquitos transmissores de
doenças, era um sério problema.
Em pesquisa para controle global de malária, um grupo de estudo da
Organização Mundial de Saúde promoveu debate sobre a proibição ou não de DDT, com base
na possível associação entre DDT e câncer humano, bem como pela presença de DDT no leite
materno.
Com isso, e diante de preocupações ambientais, constatou-se, através de
uma série de estudos realizados, que o DDT, que é uma espécie de organoclorado componente
da lista dos Contaminantes Orgânicos Persistentes – COP (substâncias químicas com alto
poder de causar danos aos seres vivos e ao meio ambiente) era altamente venenoso para o ser
humano, e que deveria ser manuseado com todo o cuidado, evitando o contato corporal.
Em razão dos efeitos deletérios à saúde humana e ao meio ambiente, o
agente químico teve, gradativamente, restringida sua utilização, a nível mundial.
Com a realização da Convenção de Estocolmo, em 22/05/2001, da qual
o Brasil é signatário, deu-se um passo decisivo para eliminação dos diversos pesticidas
organoclorados persistentes, entre eles o DDT, ficando a partir de então proibida a sua
produção, utilização, importação e exportação.
No Brasil, o DDT, que já havia, em 1985, sido abolido da agricultura
por meio da Portaria nº 329 do Ministério da Agricultura, teve seu uso proibido no ano de
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 4
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
1998, por força da Portaria nº 11, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da
Saúde, sendo atualmente substituído por inseticidas piretróides (em especial, a cypermetrina)
na execução de políticas públicas de combate à malária.
Observa-se que tais providências foram tomadas pelo surgimento de
problemas de saúde pública, em decorrência principalmente das consequências maléficas
originadas pelo contato direto com o DDT, que foi utilizado para o controle da malária no
Brasil de 1945 até 1997.
É válido salientar que mesmo após a proibição do uso do inseticida
DDT no Brasil, que por sinal ocorreu aproximadamente dez anos após a proibição pela
maioria dos outros países, como os Estados Unidos, a FUNASA optou por continuar
utilizando todo o produto até o final do estoque.
1.2. MALEFÍCIOS CAUSADOS PELO DDT
Estudos realizados pelo Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da
Universidade Federal do Rio de Janeiro - Centro de Ciências da Saúde apontam que o ser
humano pode ser contaminado por exposição direta (inalação) ou por alimentos contaminados
com DDT e outros pesticidas organoclorados. Afirmam os estudiosos que, sendo lipossolúvel,
o DDT possui apreciável absorção tecidual. É facilmente absorvido pelas vias digestiva e
respiratória e, devido à grande lipossolubilidade e à lenta metabolização, os organoclorados
acumulam-se na cadeia alimentar e no tecido adiposo.
O DDT demora, em média, cerca de 4 a 30 anos para se degradar, sendo
o seu principal problema a sua ação indiscriminada, que atinge tanto as pragas quanto o resto
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 5
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
da fauna e flora da área afetada, além de se infiltrar na água contaminando os mananciais. O
DDT interrompe o equilíbrio natural no meio ambiente.
Os pesticidas organoclorados, entre os quais inclui-se o DDT, após a sua
absorvição pelo organismo humano, atuam sobre o sistema nervoso central, resultando em
alterações de comportamento, distúrbios sensoriais, alterações de equilíbrio, atividade
involuntária da musculatura e depressão dos centros vitais, particularmente da respiração.
Os efeitos do DDT no organismo ocorrem depois de atuarem sobre o
equilíbrio de sódio/potássio nas membranas dos axônios, provocando impulsos nervosos
constantes, que levam à contração muscular, convulsões, paralisia e morte. A intoxicação
aguda nos seres humanos caracteriza-se por cloracnes na pele, e por sintomas inespecíficos,
como dor de cabeça, tonturas, convulsões, insuficiência respiratória e até morte, dependendo
da dose e do tempo de exposição.
Em casos de intoxicação aguda, após aproximadamente 2 horas surgem
os sintomas neurológicos de hiperexcitabilidade, parestesia na língua, lábios e membros
inferiores, desconforto, desorientação, fotofobia, cefaleias persistentes, fraqueza, vertigem,
alterações de equilíbrio, tremores, ataxia, convulsões tônico-clônicas, depressão central
severa, coma e morte.
Os sintomas específicos podem ocorrer em caso de inalação ou
absorção respiratória, como tosse, rouquidão, edema pulmonar, irritação laringotraqueal,
rinorreia, bradipneia, hipertensão e broncopneumonia.
Alguns estudos sugeriram, ainda, que o DDT, além de provocar partos
prematuros, causar danos neurológicos, respiratórios e cardiovasculares, é cancerígeno.
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 6
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
Somente a título de maior esclarecimento, destaca-se aqui alguns
trechos do estudo acerca das consequências trazidas por esse inseticida, realizado por José
Santamarta, Diretor de World Watch e editor da Revista World Watch em espanhol, traduzido
pelo Engenheiro Agrônomo Valdir Secchi, da EMATER/RS, e publicado na Revista
Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Porto Alegre, v.2, n.1, jan/mar2001:
“Os Contaminantes Orgânicos Persistentes (COP), POPs em inglês,
são substâncias químicas extraordinariamente tóxicas e duradouras.
As emissões atuais causarão câncer e alterações hormonais nos
próximos mil anos.”
(...)
“Segundo a OMS, a cada ano ocorrem de 30 mil a 40 mil mortes por
intoxicação por agrotóxicos organoclorados e organofosforados em
grande parte, e meio milhão de pessoas sofrem envenenamento por
ingestão ou inalação.”
(...)
“Os organoclorados são substâncias tóxicas, persistentes e
biocumulativas e constituem um grave risco para as pessoas e para o
meio ambiente. Os organoclorados permanecem no meio ambiente
dezenas de anos, alguns durante séculos e, como são muito estáveis e
não se dissolvem em água, acabam por entrar na cadeia trófica,
depositando-se nos tecidos graxos dos seres vivos.”
Nesse passo, mister destacar também o item 3.1.2 do Manual de
Vigilância da Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos, elaborado pelo Ministério da
Saúde e pela Organização Pan-Americana da Saúde (1997) que registra os seguintes efeitos
provocados pelos inseticidas organoclorados:
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 7
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
“Atuam sobre o sistema nervoso central, de que resultam alterações do
comportamento, distúrbios sensoriais, do equilíbrio, da atividade da
musculatura involuntária e depressão dos centros vitais,
particularmente da respiração.”
No livro Silent Spring (A Primavera Silenciosa), lançado em 1962,
Rachel Carson mostrou como o DDT penetrava na cadeia alimentar e acumulava-se nos
tecidos gordurosos dos animais, inclusive do homem (chegou a ser detectada a presença de
DDT até no leite humano), com o risco de causar câncer e dano genético.
A ideia da escritora de escrever sobre os perigos do DDT, teve um novo
alento quando ela soube da grande mortandade de pássaros em Cape Cod, causada pelas
pulverizações de DDT. Nessa esteira, atribuiu a responsabilidade da morte de peixes e de
animais silvestres, principalmente, dos pássaros, aos inseticidas, devido ao fato dos resíduos
dos inseticidas organoclorados se acumularem nos tecidos gordurosos dos animais, inclusive
do homem, provocando câncer e dano genético.
Aduziu, ainda, a bióloga, que o acúmulo de DDT no organismo humano
relaciona-se diretamente com doenças do fígado, como a cirrose, e o câncer.
O livro é um alerta sobre a má utilização dos pesticidas e inseticidas e
seus impactos sobre o meio ambiente e sobre o próprio homem, já que tais produtos químicos
foram utilizados com pouca ou nenhuma pesquisa prévia sobre seu efeito no solo, na água,
animais selvagens e sobre o próprio homem.
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 8
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
1.3. DOENÇAS APRESENTADAS PELAS VÍTIMAS (FUNCIONÁRIOS E
FAMILIARES)
É importante registrar que, através de uma grande diversidade de
depoimentos de ex-funcionários da SUCAM e familiares, colhidos e reunidos num Relatório
sobre o DDT, elaborado pela Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia
Legislativa do Estado do Acre, após várias visitas feitas às residências daquelas pessoas, não
só na capital do Acre, como também na maioria dos municípios, foram detectadas uma série
de doenças apresentadas por trabalhadores que foram expostos ao DDT.
Dentre todas essas pessoas, algumas já estão com o seu estado de saúde
bastante debilitado, sem esperanças de conseguir uma assistência médica para um tratamento
digno e adequado, conforme veremos a seguir:
- MÁRIO WILSON DE OLIVEIRA: durante oito anos trabalhou doente, chegando a contrair
malária num total de dez vezes, até que começou a sentir dores constantes nas articulações,
tonturas e náuseas. Só parou de trabalhar por ter sido acometido por um Acidente Cardio
Vascular – AVC, além de outras enfermidades tais como: trombose no estômago, hipertensão e
gangrena em uma das pernas, o que ocasionou uma amputação, mantendo-o de cama por 9
anos.
- FRANCISCO RODRIGUES DO NASCIMENTO: diabético, sente dores fortes e constantes,
sente coceira por todo o corpo.
- SEBASTIÃO BEZERRA: seus braços e pernas tremem sem parar, tem muita depressão e
sente muita fraqueza no corpo.
- JOSÉ PEREIRA DOS SANTOS: sente dores e uma quentura nas pernas e nos ossos.
- ROBERVAL GOMES BARBOSA: sente forte e constante coceira por todo o corpo e fortes
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 9
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
dores de cabeça.
- JUCELINO MEDEIROS DA SILVA: sente dores no corpo, cansaço e tremedeira.
- GILMAR BONFIM: contraiu, durante o período de trabalho, duas hepatites, febre tifóide e
gastrite.
- ABEL CORREIA LIMA: sente tontura, ânsia de vômito e fortes dores no corpo.
- JURACÉLIO GUEDES DA COSTA: sente hipertensão, dores de cabeça, dor no corpo,
dormência nas pernas, cansaço e problema no coração.
- ELIZALDO MENDES: faleceu por falência múltipla dos órgãos.
- SEBASTIÃO NONATO SIQUEIRA: dormência nas pernas, dores na coluna e na cabeça e
tontura.
- JOÃO OLIVEIRA DE SOUZA: apresenta problemas dermatológicos.
- MANOEL NONATO SIQUEIRA: sofreu acidente de trabalho o que ocasionou várias
sequelas entre elas a perda do olho direito.
Nota-se, portanto, através de uma singela análise do quadro de saúde
exposto acima, que as doenças apresentadas pelos trabalhadores, como contração muscular,
dores de cabeça, tonturas, tremores, hipertensão, doenças cardiovasculares, etc, são
compatíveis com os sintomas apontados pelos especialistas, em decorrência da exposição
direta do homem ao DDT.
Além disso, é importante frisar aqui que as pesquisas mostram que nos
últimos seis meses já morreram aproximadamente cerca de 49 funcionários da FUNASA com
suspeita de intoxicação pelo DDT, sendo que mais de 75 já entraram na fase conclusiva da
contaminação pelo inseticida. Os números da contaminação no Acre são pauta frequente no
noticiário da TV Câmara.
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 10
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
1.4. ENFRENTAMENTO DADO POR OUTROS ÓRGÃOS ACERCA DO TEMA
Como é sabido, há mais de dez anos os guardas da extinta SUCAM de
vários Estados (Acre, Rondônia, Amazonas, Mato Grosso, etc.) vem lutando para provar que
são vítimas da intoxicação pelo DDT. Nessas circunstâncias os trabalhadores pleiteiam o
reconhecimento do dano por parte do Governo Federal, indenização e aposentadoria especial
acidentária, visto que muitos deles não têm condições de continuar no desempenho de suas
atividades laborais.
Nesse passo, apesar da FUNASA manter-se inerte perante a situação
deplorável desses trabalhadores, determinando, ainda, a continuidade do trabalho, sob pena
de reconhecer o abandono de emprego por parte dos funcionários, determinação esta que vem
da FUNASA em Brasília, há de se ressaltar o desempenho de diversos órgãos do Acre, no
sentido de contribuir para a solução do problema enfrentado por esses trabalhadores.
A iniciativa da Assembleia Legislativa do Acre foi uma importante
contribuição para a solução do tema em questão. Tal iniciativa resultou num Projeto de Lei,
que tramita atualmente no Congresso Nacional, visando, dentre outros direitos, uma
aposentadoria especial para os funcionários vítimas do DDT que já se encontram
impossibilitados de exercer as suas funções.
A Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia
Legislativa do Estado do Acre elaborou um minucioso relatório contendo diversos
depoimentos dados pelas vítimas do DDT e seus familiares, colhidos através de reuniões
realizadas pela Comissão na capital e no interior do Estado, com o objetivo de debater sobre a
possível contaminação causada pelo inseticida em servidores da extinta SUCAM, composto,
inclusive, com material fotográfico.
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 11
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
Após finalizado o relatório, contendo as oitivas e demais diligências
realizadas no interior do Estado, o mesmo, por determinação do Presidente da Comissão, foi
encaminhado ao Ministério Público Federal, à Comissão da Amazônia, aos parlamentares
estaduais e federais, à Secretaria Estadual de Saúde, ao Senado, à Câmara Federal e à Mesa
Diretora da ALEAC.
Além disso, é importante registrar que, diante da grande preocupação
com os males provocados aos trabalhadores pela contaminação por DDT, especialistas da
Universidade de São Paulo – USP também aderiram à causa e decidiram estudar o drama
vivido pelos profissionais, que hoje sofrem com a saúde fragilizada, conforme notícia
veiculada no Jornal “A Gazeta”, no dia 19/05/2009.
As pesquisas produzidas pela USP têm como objetivo principal o estudo
científico, por meio de entrevistas com os próprios contaminados, dos impactos sociais e
econômicos que a contaminação provocou na vida daquelas pessoas e de suas famílias, para
servir de ferramenta na luta pela busca de melhores condições de vida.
Ressalta-se, por fim, que o grande responsável pela busca de soluções
para o caso foi o movimento “DDT e a Luta pela Vida” que, através da imprensa, chamou a
atenção de diversas instituições para intervir no caso em tela.
1.5. RESUMOS DAS PROVIDÊNCIAS EXTRAJUDICIAIS ADOTADAS PELO
MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A SOLUÇÃO DO PROBLEMA
Como já dito anteriormente, foi diante de todo esse episódio que o
Ministério Público Federal decidiu instaurar o Inquérito Civil Público nº
1.10.00.000556/2008-60, que teve como objetivo averiguar os possíveis danos ocasionados
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 12
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
aos funcionários da FUNASA no Acre, em virtude da exposição ao DDT.
A partir daí, o Parquet Federal oficiou à FUNASA requerendo
informações acerca dos fatos relatados nas matérias jornalísticas ora veiculadas, bem como
qual seria o número total de óbitos de funcionários e aposentados, acompanhado de lista com
nome, cargo, local de trabalho e data de óbito, ocorridos após 1994.
Em resposta, a FUNASA/AC, por meio do “Ofício nº 70/Core/AC”, fls.
54/55, encaminhou a relação nominal de 37 (trinta e sete) ex-servidores falecidos após 1994,
sendo 14 (quatorze) deles aposentados e 23 (vinte e três) ainda na ativa, e informou que os
fatos repassados pela imprensa local, baseavam-se em casos isolados, motivados por
servidores que recorreram ao Judiciário, pleiteando amparo legal por estarem apresentando
certos problemas inerentes ao seu estado de saúde, que poderiam estar ligados ao uso do DDT
no Programa de Erradicação e Controle da Malária no Brasil, nas atividades de borrifação
intradomiciliar.
Dando continuidade às investigações, o Ministério Público Federal
solicitou à Secretaria de Saúde do Estado um relatório constando os anos em que o DDT havia
sido utilizado no Estado do Acre, bem como a sua finalidade, incluindo o seu uso na
agricultura, no controle de doenças (malária, dengue, etc) e demais atividades.
Na sequencia, a SESACRE se manifestou por meio do Ofício/Gab/Nº
551, disponibilizando a este Órgão Ministerial uma série de estudos, documentos procedentes
do Departamento de Vigilância em Saúde da SESACRE, materiais bibliográficos e notas
técnicas do Ministério da Saúde, as quais descreviam o trabalho realizado com a utilização do
DDT no combate à malária, dengue e outros tipos de vetores.
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 13
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
Tais documentos relatavam os possíveis males causados pelo DDT, bem
como apontavam a presença, em sua composição, de substâncias tóxicas extremamente
nocivas ao meio ambiente e à saúde humana, devido à capacidade daquele inseticida
permanecer no ambiente durante dezenas de anos sem se degradar.
Mediante o Ofício/Gab/Nº 551, foi solicitado ao Deputado Sérgio
Petecão o encaminhamento do dossiê, incluindo material audiovisual, a respeito do presente
tema, o qual havia sido endereçado ao Ministério da Saúde.
O referido dossiê apresenta, dentre outras informações, registros e
testemunhos de trabalhadores que sofrem, atualmente, as graves consequências ocasionadas
pela exposição ao DDT, quando do exercício de suas atividades de borrifação.
O registro documental das imagens, constante às fls. 255/259, expõe de
maneira mais clara o sofrimento e a angústia dos trabalhadores e de suas famílias, devido ao
grave estado de saúde em que se encontram os ex-funcionários da FUNASA, ao longo dos
anos.
Vale registrar que, no decorrer das investigações, foi realizada, no dia
16 de julho de 2008, uma reunião nesta Procuradoria da República, conforme Relatório
constante à fl. 56, com os representantes dos funcionários da FUNASA/AC, os quais
relataram, em suma, que aproximadamente 24 ex-funcionários da FUNASA teriam falecido
em decorrência da intoxicação ocasionada pelo DDT, e que as famílias estavam desassistidas.
Ficou acordado, portanto, que os representantes encaminhariam ao Ministério Público Federal
os atestados de óbitos das 24 pessoas que haviam falecido, bem como uma lista de pessoas
que trabalharam com o DDT e que estariam hoje doentes, com sequelas decorrentes daquela
atividade específica, para se submeterem à realização de exame toxicológico.
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 14
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
Posteriormente, os atestados de óbito e a lista contendo os nomes das
pessoas que trabalharam com o DDT, e que estariam hoje doentes (fls. 64/65, 67/69 e 70/73)
foram devidamente encaminhados a este Órgão Ministerial.
Mais adiante, foram oficiados diversos estabelecimentos especializados
no estudo da Toxicologia, com o fito de obter informações científicas para servirem de base à
determinação de quais exames médicos e laboratoriais os agentes de endemias deveriam ser
submetidos, a fim de precisar o grau de intoxicação ocasionado pelo DDT, bem como as
principais doenças decorrentes do contato prolongado com o agente químico. Sendo, na
sequência, informado pela Universidade Estadual Paulistana “Júlio de Mesquita Filho” (fls.
424/425) que a análise quali-quantitativa para o DDT poderia ser realizada por meio de
cromatografia em fase gasosa utilizando o sangue total.
A Secretaria de Saúde do Estado do Acre, por conseguinte, a partir de
pleito desta Procuradoria da República, com o escopo de solucionar as mazelas mais urgentes
nas vidas das possíveis vítimas do DDT, disponibilizou exame laboratorial aos supostos
intoxicados por DDT em seu Laboratório Central de Saúde Pública – LACEN (fl. 427),
indicando, porém, como exame adequado, o de colinesterase, que, diferentemente do exame
de cromatografia, indicado pelos especialistas no assunto, é mais adequado para a percepção
dos inseticidas inibidores de colinesterases, quais sejam os organofosforados e os carbamatos
(fl. 80).
É importante frisar que, até aquele momento, já havia sido detectada a
presença do organoclorado DDT, por meio do exame toxicológico de cromatografia, no
organismo de vários ex-funcionários da FUNASA/SUCAM, conforme laudos dos exames
acostados às fls. 89/92, 132/136, 167/168 e 184/185.
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 15
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
Diante de todo esse quadro, após a análise das informações prestadas
pelos especialistas, o Ministério Público Federal expediu a Recomendação nº 07/2008 PRAC/
PRDC/AHCL levando em consideração os princípios fundamentais da República, como a
dignidade da pessoa humana, o direito à vida e a saúde, do ponto de vista da prevenção,
promoção, proteção e recuperação, focando em algumas providências a serem tomadas para a
solução do problema em questão, sendo estas:
1) à FUNASA que:
1.1) disponibilizasse o exame toxicológico de cromatografia em fase
gasosa, para a medição do nível de DDT presente no meio sanguíneo a
todos os funcionários e ex-funcionários do Acre que tiveram exposição
ao aludido inseticida;
1.2) promovesse o ressarcimento de todos os gastos com exames e
tratamentos de saúde realizados por funcionários e ex-funcionários
daquela Fundação, desde que tais despesas, ainda que indiretamente,
estivessem relacionadas à exposição do DDT;
1.3) elaborasse a constituição de duas comissões estaduais, sendo uma
composta de especialistas na área médica (toxicologista, oncologista,
neurologista e médico do trabalho), para efetuar o planejamento,
tratamento e acompanhamento médico dos funcionários e exfuncionários
da FUNASA/AC, e a outra composta de especialistas para
a análise de pedidos de aposentadoria por funcionários da FUNASA no
Acre, que começaram a trabalhar para o ente antes de 1998;
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 16
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
2) Ao Ministério da Saúde que: constituísse comissão nacional de
especialistas na área médica (toxicologista, oncologista, neurologista e
médico do trabalho), para estudarem os efeitos do DDT na saúde
humana, propondo padrões de exames e tratamentos aos trabalhadores
que estiveram expostos ao inseticida.
3) À Secretaria de Saúde do Estado do Acre que:
3.1) disponibilizasse, além do exame toxicológico de cromatografia em
fase gasosa, para a medição do nível de DDT presente no meio
sanguíneo, todos os demais exames, laboratoriais ou de imagem que se
mostrassem necessários a todos os funcionários e ex-funcionários do
Acre que tiveram exposição ao aludido inseticida; e
3.2) disponibilizasse, como órgão executor do Sistema Único de Saúde,
o tratamento médico adequado aos trabalhadores vítimas da intoxicação
pela substância, na forma determinada pela comissão estadual de
especialistas a ser criada pela FUNASA ou na forma solicitada por
médico conveniado ao SUS, responsável pelo tratamento do paciente.
Na aludida Recomendação, foi estabelecido o prazo de 10 (dez) dias
para que as entidades recomendadas efetuassem todas as providências indicadas pelo
Ministério Público Federal.
1.6. DO DESCUMPRIMENTO DA RECOMENDAÇÃO
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 17
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
Apesar da adoção de inúmeras medidas no sentido de, num primeiro
momento, assegurar às vítimas do enorme mal causado pelo DDT um tratamento adequado de
desintoxicação, verificou-se que, decorrido o período estabelecido na Recomendação ora
expedida por este Parquet Federal, houve descumprimento de alguns pontos, causando ainda
mais prejuízos aos funcionários e ex-funcionários da FUNASA e de suas famílias.
Em que pese anunciarem integral auxílio às vítimas do DDT, as
entidades demandadas deixaram de cumprir as providências recomendadas. Vejamos:
A FUNASA, após perceber que todos os servidores examinados
demonstravam concentração de DDT em seus organismos, adotou postura de total resistência
à recomendação, no que diz respeito ao ressarcimento de todos os gastos com exames e
tratamentos de saúde realizados por funcionários e ex-funcionários, empecendo a realização
dos exames e afirmando, de maneira muito conveniente, que o dever de prestar saúde aos seus
servidores incumbe ao Sistema Único de Saúde – SUS.
Ademais, no tocante à constituição de uma Comissão composta de
especialista para análise de pedidos de aposentadoria por funcionários, a FUNASA afirmou
que o procedimento ocorreria mediante avaliação pela Junta Médica Oficial, composta por
servidores daquela instituição, entendendo ser desnecessária a criação da Comissão ora
recomendada por este Órgão Ministerial.
O Estado do Acre, ao seu turno, não vem prestando efetiva atenção à
saúde dos servidores da FUNASA, no sentido de disponibilizar tratamento médico adequado
aos trabalhadores.
Nota-se o total descaso da FUNASA e do Estado do Acre quanto aos
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 18
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
problemas de saúde enfrentados pelas vítimas do DDT ao analisar as declarações prestadas
pelos trabalhadores, no âmbito desta Procuradoria da República, mesmo após a expedição da
Recomendação pelo Ministério Público Federal.
Conforme o Termo de Declarações de nº 28/09, o ex-servidor da
FUNASA Raimundo Nonato Martins da Silva, que trabalhava diretamente no manuseio do
inseticida, aduziu, em suma, que, ao procurar atendimento médico na Fundação Hospitalar do
Acre – FUNDHACRE, foi informado que não faria jus ao tratamento, pelo simples fato de
não ser mais servidor da FUNASA.
Além disso, os demais servidores que prestaram depoimento no
Ministério Público Federal afirmaram não estar recebendo o tratamento de desintoxicação
devido, bem como aduziram a ausência, na FUNASA, dos médicos responsáveis pela análise
dos exames realizados, consoante os Termos de Declarações nº 44/09 e nº 46/09, juntados aos
autos do procedimento investigatório.
Os fatos elencados acima se tornam ainda mais perceptíveis quando se
verifica a grande quantidade de funcionários que ainda não se submeteram aos exames, e que
aguardam incansavelmente na fila de espera, aliás, sem o tratamento de desintoxicação
recomendado.
No mais, sendo o tratamento imprescindível para as vítimas do DDT e
havendo obrigatoriedade legal dos Entes Públicos em supri-lo, em decorrência da
competência concorrente reconhecida pela Constituição Federal, tem-se, pois, que a questão
relacionada à saúde merece tratamento diferenciado, ainda mais quando está em jogo o direito
à vida, que, infelizmente, como a morte, segue seu curso e não espera a lenta mobilização dos
responsáveis pela adoção das medidas necessárias.
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 19
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
Nesse eito, portanto, pela urgência que requer o caso em questão, é que
o Ministério Público Federal vem ante esse MM. Juízo pugnar por provimento jurisdicional
para interromper a omissão do Poder Público.
2. DO DIREITO
2.1. DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL
A competência da Justiça Federal, no presente caso, é evidente e pode
ser tomada como competência em razão da pessoa. Ela é firmada não apenas pela presença do
Ministério Público Federal no polo ativo, mas também pela presença da União no polo
passivo da demanda, bem como da Fundação Nacional de Saúde - FUNASA.
A fonte formal de competência da Justiça Federal está representada no
art. 109, I, da Constituição da República, in verbis:
“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública
federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou
oponentes, exceto as de falência e as de acidentes de trabalho e as
sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.” (grifou-se)
Num primeiro momento, cumpre esclarecer que o termo "entidade
autárquica" é gênero e possui um amplo alcance, incluindo em seu conceito as fundações
públicas federais (chamadas por alguns doutrinadores de fundações autárquicas).
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 20
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
Nesse sentido, são os ensinamentos do professor Celso Antônio
Bandeira de Mello:
“Em rigor, as chamadas fundações públicas são puramente autarquias,
às quais foi dada a designação correspondente à base estrutural que
têm. [...] Uma vez que as fundações públicas são pessoas de Direito
Público de capacidade exclusivamente administrativa, resulta que são
autarquias e que, pois, todo o regime jurídico dantes exposto, como
concernente às entidades autárquicas, aplica-se-lhes integralmente.” 1
Desse modo, figurando no polo passivo da demanda a FUNASA,
fundação pública que recebe recursos financeiros da União, por intermédio do Ministério da
Saúde, resta inquestionavelmente comprovada a competência da Justiça Federal no feito.
2.2. DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Antes de partimos para a análise meritória, faz-se de suma importância
tecer algumas linhas sobre a legitimidade do Ministério Público Federal para a propositura
da presente ação.
Ao Ministério Público compete a guarda dos direitos fundamentais
positivados no Texto Constitucional. Compete-lhe também a defesa dos interesses sociais e
individuais indisponíveis. É o que determina o art. 127 da Constituição da República:
1 BANDEIRA DE MELO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 23ªed. São Paulo: Malheiros, 2007,
p. 181/182.
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 21
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
“Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à
função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis.”
Em consonância com suas finalidades, estabeleceu o constituinte
originário suas funções institucionais, no art. 129 da Lei Maior:
“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
[…]
II – zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de
relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição,
promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção
do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos.” (grifo nosso)
A Lei Complementar nº 75/1995, em seu art. 2º e art. 6º, VII, “a”, “c” e
“d”, também estabeleceu a atribuição do Ministério Público da União (em que se inclui o
Ministério Público Federal) para a defesa dos interesses difusos, bem como dos coletivos e
individuais homogêneos. Vejamos:
“Art. 2º Incumbem ao Ministério Público as medidas necessárias para
garantir o respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância
pública aos direitos assegurados pela Constituição Federal.”
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 22
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
“Art. 6º Compete ao Ministério Público da União:
[…]
VII – promover o inquérito civil e a ação civil pública para:
a) a proteção dos direitos constitucionais;
[...]
c) a proteção dos interesses individuais indisponíveis, difusos e
coletivos, relativos às comunidades indígenas, à família, à criança, ao
adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor;
d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais,
difusos e coletivos” (grifou-se).”
[…]
A Lei nº 7.374/85 (Lei da Ação Civil Pública) também atribui
legitimidade ao Ministério Público Federal para a ação civil na defesa de direitos difusos, e
determina que, na proteção dos direitos difusos, coletivos e individuais indisponíveis, sejam
aplicadas as normas do CDC. Vejamos:
“Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação
popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais
causados:
[...]
IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;”
[…]
“Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação
cautelar:
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 23
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
I – o Ministério Público;”
[…]
No presente caso, o Ministério Público Federal age em defesa de
direitos constitucionais titularizados por uma coletividade de pessoas que foram prejudicadas
pela exposição excessiva ao DDT, sem o adequado uso de equipamentos e falta de orientação
e treinamento por parte do Poder Público, debilitando, com isso, a saúde daqueles
trabalhadores e, consequentemente, de suas famílias.
Pelo exposto, é indiscutível a legitimidade ativa do Ministério Público
Federal na presente ação.
Ademais, da análise dos autos, verifica-se que várias foram as
recomendações dirigidas aos órgãos encarregados da realização do devido tratamento médico
às vítimas, objetivando minimizar o sofrimento e o transtorno causados pelo mau uso do
DDT, naquela época considerado “um mal necessário”. Não obstante, a condução meramente
orientadora deste Órgão Ministerial, não vem atingindo o objetivo esperado, donde conclui-se
que a via judicial se faz necessária.
2.3. DO DIREITO À SAÚDE
Primeiramente, é importante frisar que a questão relacionada à saúde
constitui-se num direito social derivado do direito à vida, previsto no caput do artigo 5º da
Constituição Federal, caracterizando-se como cláusula pétrea, in verbis:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 24
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]”
Além disso, é válido consignar, também, que a previsão do direito à
vida possui uma íntima relação com um dos fundamentos da República Federativa do Brasil,
qual seja o da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, inciso III, da Carta Maior,
cujo marco encontra-se estampado na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
É que, noutras palavras, qualquer conduta do Poder Público que
provoque como efeito o esgotamento do direito à vida trará, como consequência, o desrespeito
à dignidade da pessoa humana, pois são dois vetores considerados igualmente fundamentais
pela Constituição.
Nesse contexto, não se pode descuidar da necessidade de se
estabelecerem os parâmetros da atuação do Poder Público em relação ao serviço de saúde e a
possibilidade de sua responsabilização pelo descumprimento dos seus deveres constitucionais.
A Constituição da República colocou a saúde no rol dos direitos sociais,
em seu art. 6º, sendo considerada, sem dúvida alguma, corolária do princípio constitucional da
dignidade da pessoa humana, tendo em vista que, para se viver dignamente, faz-se
imprescindível o acesso a garantias mínimas de uma vida com qualidade, ou seja, com saúde.
A Carta Maior, portanto, reservou um artigo unicamente para a previsão
do direito à saúde:
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 25
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco
de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
Ora, em que pese ser comum afirmar que não há hierarquia entre
direitos fundamentais, estando todos eles no mesmo patamar, notamos que a vida é
pressuposto para o gozo de todos os demais direitos. Sem a vida não é possível falar em
saúde, em segurança, em propriedade, em honra, em igualdade e em dignidade.
Buscando a regulamentação dos ditames constitucionais, foram editadas
várias Leis Orgânicas da Saúde. A primeira e mais abrangente é a Lei nº 8.080/90, que, dentre
outros comandos, trata, em linhas gerais da regulação, em todo o território nacional, das ações
e os serviços de saúde. Vejamos:
“Art. 2º. A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o
Estado prover as
condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
§ 1º. O dever do Estado de garantir a saúde consiste na reformulação e
execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de
riscos de doenças e de outros agravos no estabelecimento de condições
que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços
para a sua promoção, proteção e recuperação.”
A Lei nº 8.080/90 também descreve os princípios e as diretrizes do
Sistema Único de Saúde, dispostos no artigo 7º, dentre os quais: universalidade, integralidade
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 26
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
de assistência, preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e
mental, igualdade, direito à informação, epidemiologia como instrumento indicativo para o
estabelecimento de prioridade, participação da comunidade, descentralização políticoadministrativa
(municipalização e estabelecimento de rede hierarquizada e regionalizada),
integração intersetorial e resolutividade.
Considerando que a exposição ao DDT colocou em risco a vida de
vários funcionários e ex-funcionários da FUNASA/AC, quando das atividades exercidas no
combate aos mosquitos propagadores de doenças, tem-se que essas pessoas tiverem seus
direitos fundamentais violados, padecendo por longos anos dos efeitos da intoxicação
provocada pelo inseticida, causando-lhes danos consubstanciados na dor, angústia,
preocupação, sofrimento mental, enfim, inquietações íntimas vivenciadas não só pelos
trabalhadores, mas como também por suas esposas que, indiretamente, acabavam sentindo os
efeitos do uso do DDT, quando mantinham contato com as roupas de seus companheiros.
2.4. DA INSALUBRIDADE NO TRABALHO PRESTADO NA INICIATIVA PRIVADA
E NO ESTADO
O trabalho é um dos elementos que mais interferem nas condições e
qualidade de vida do homem, portanto, na sua saúde.
Com efeito, o legislador constituinte originário, ao elaborar a vigente
Constituição Federal, inseriu, logo no início de seu texto, regra protetiva de direitos relativos à
saúde, higiene e segurança dos trabalhadores rurais e urbanos, conforme se percebe através da
dicção do artigo 7º, in verbis:
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 27
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
“Art. 7º- São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais além de
outros que visem à melhoria de sua condição social:
[...]
XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas
de saúde, higiene e segurança;
XXIII – adicional de remuneração para as atividades penosas,
insalubres ou perigosas, na forma da lei.”
Tal direito, apesar de reconhecido ao trabalhador regido pela
Consolidação das Leis do Trabalho, não encontra acolhida no regramento dirigido ao servidor
público.
Tal fato se torna evidente quando analisamos a condição do trabalhador
da iniciativa privada que, desde 1991, com a edição das leis 8.212/91 e 8213/91, foi
contemplado com a disciplina de sua aposentadoria decorrente de serviços prestados em
condições anormais, enquanto o servidor público, até hoje, prossegue laborando em ambientes
insalubres, exposto a agentes patogênicos de riscos excessivos à sua higidez, sem quaisquer
instrumentos de proteção de trabalho e fiscalização por parte do Poder Público, acabando,
muitas vezes, não resistindo às debilitações de seu organismo, aposentando-se por invalidez
para, em seguida, ocorrer seu passamento, em decorrência da exposição prolongada aos
agentes insalubres.
O uso da substância tóxica (DDT) necessitava de um controle rígido no
seu manuseio, com a utilização de equipamentos que garantissem a proteção necessária para o
contato com o agente químico, o que, na realidade, não acontecia.
A FUNASA, antes de enviar os servidores ao trabalho de campo, passavalhes
apenas um treinamento inicial, enviando-os logo em seguida à zona rural, sem as condições
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 28
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
mínimas de segurança no trabalho, sem provê-los do equipamento adequado para o manuseio da
substância tóxica, sem o necessário treinamento periódico de reciclagem, enfim, desrespeitando as
mais triviais normas de segurança que, acaso fossem observadas, impediriam ou minimizariam os
efeitos danosos do produto tóxico utilizado no serviço.
Nesse particular, nota-se, com evidência, a violação dos direitos dos
trabalhadores a uma atividade laboral segura e digna.
Ademais, verifica-se, através da análise dos diversos depoimentos
colhidos, que, de fato, eram os próprios trabalhadores que faziam todo o preparo da substância
tóxica, empregada em forma de pó, e borrifavam no interior das residências, o que era feito,
conforme dito alhures, sem a utilização dos devidos instrumentos de proteção, para quem lida
com substância altamente tóxica, a qual, aliás, foi considerada como cancerígena.
Não era dado, portanto, o devido esclarecimento aos trabalhadores a
respeito dos riscos ocupacionais e exposições ambientais relativas à atividade a ser exercida.
Neste raciocínio, oportuno dizer que a eliminação ou a neutralização da
insalubridade só pode ocorrer com a devida adoção de medidas que conservem o ambiente de
trabalho dentro dos limites de tolerância e com a utilização de equipamentos de proteção
individual ao trabalhador, que diminuam a intensidade do agente agressivo até os limites de
tolerância.
O fato preocupante aqui é que o servidor público não tem
complementado seu trabalho insalubre. Não tem cobertura, não tem uma proteção.
Entretanto, é válido lembrar que a Constituição Federal de 1988 adotou
o princípio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, ou seja, todos os
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 29
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios
albergados pelo ordenamento jurídico.
Ressalte-se ademais, que ambos os trabalhadores operam substâncias
químicas, agentes biológicos da mesma natureza, e, convenhamos, a estrutura orgânica dos
servidores públicos em nada diverge da dos demais trabalhadores. Assim, se um servidor
público está exposto aos reagentes químicos, não haverá diferença quanto aos malefícios que
esta substância causará a esse servidor, se comparado com as mesmas substâncias operadas
por trabalhador da iniciativa privada, que já ostenta direito a uma aposentadoria especial aos
25 anos de trabalho.
Diante do que acima foi exposto, há de se perceber que a situação
desumana por que passa o servidor público, que contribuiu e contribui diuturnamente com o
seu trabalho para o desenvolvimento deste país, perdendo sua higidez física, tendo, na maioria
das vezes, de, ao final da carreira, ser informalmente desviado de função, ou mesmo
readaptado, em razão das agressões que sofreu à saúde, no decorrer de trinta e cinco anos de
serviços prestados, momento em que os trabalhadores da iniciativa privada já estão, há muito,
retirados dos inóspitos ambientes de trabalho. Outrossim, ainda não são tratados com o
respeito a que têm direito.
Ora, se o Supremo Tribunal Federal entendeu que enquanto o
Congresso Nacional não aprovar um projeto de Lei Complementar disciplinando as greves do
setor público, o funcionalismo terá de se submeter (por analogia) aos mesmos limites
impostos aos trabalhadores da iniciativa privada. Também há de se entender, no presente caso,
que enquanto não for regulamentada a aposentadoria especial do servidor, os aplicadores do
direito devem utilizar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e o art. 4°
da LICC, para através da aplicação da analogia, reconhecer o direito à aposentadoria especial
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 30
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
dos agentes públicos que exerceram ou exercem suas atividades laborativas sob condições
prejudiciais à saúde. No mais, não é demais lembrar que, da dicção do art. 5º da Lei de
Introdução ao Código Civil, na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se
dirige e às exigências do bem comum.
Por derradeiro, para confirmar tal posição, destaca-se aqui a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
MANDADO DE INJUNÇÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL DO
SERVIDOR PÚBLICO. ARTIGO 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA. AUSÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR
DISCIPLINANDO A MATÉRIA. NECESSIDADE DE INTEGRAÇÃO
LEGISLATIVA. 1. Servidor público ocupante do cargo de tecnologista
da Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN. Alegado exercício
de atividade sob condições de insalubridade. 2. Reconhecida a omissão
legislativa em razão da ausência de lei complementar a definir as
condições para o implemento da aposentadoria especial. 3. Mandado
de injunção conhecido e concedido para comunicar a mora legislativa
à autoridade competente e determinar a aplicação, no que couber, do
art. 57 da Lei n. 8.213/91.
MANDADO DE INJUNÇÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL DO
SERVIDOR PÚBLICO. ARTIGO 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA. AUSÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR
DISCIPLINANDO A MATÉRIA. NECESSIDADE DE INTEGRAÇÃO
LEGISLATIVA. 1. Servidores públicos vinculados ao Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento e ao Ministério da Saúde.
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 31
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
Alegado exercício de atividade sob condições de insalubridade e
periculosidade. 2. Reconhecida a omissão legislativa em razão da
ausência de lei complementar a definir as condições para o implemento
da aposentadoria especial. 3. Mandado de injunção conhecido e
concedido, em parte, para comunicar a mora legislativa à autoridade
competente e determinar a aplicação, no que couber, do art. 57 da Lei
n. 8.213/91.
2.5. DA RELAÇÃO DE CAUSALIDADE
Como já dito alhures, os servidores da FUNASA, que trabalharam sem
proteção durante aproximadamente vinte anos borrifando casas pelo interior do Estado do
Acre, com a árdua missão de combater doenças endêmicas graves como a dengue, febre
amarela e malária, sofrem, atualmente, as consequências do envenenamento pelo inseticida
DDT.
A grande questão a ser enfrentada aqui é a comprovação de que as
doenças apresentadas pelos trabalhadores da FUNASA têm relação direta com a intoxicação
em virtude da atividade com o uso do DDT.
Ora, tal acontecimento não se pode negar, primeiramente em razão de
uma série de estudos existentes acerca do presente tema, já demonstrados anteriormente, os
quais, de forma unânime, confirmam a capacidade toxicológica do DDT, e atribuem a essa
substância os vários problemas de saúde apresentados pelos funcionários.
O fato é que existem trabalhadores que estão numa situação de
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 32
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
vulnerabilidade muito grave. Deve-se ter em mente, portanto, que existe uma condição social
atualmente que demonstra as consequências ocasionadas pelo trabalho insalubre em que
viveram. Ou seja, há uma questão que deve, antes de tudo, ser bastante clara: os trabalhadores
foram expostos, sem a devida proteção, a uma substância potencialmente tóxica, que se
acumula no ambiente e no corpo humano, que foi, inclusive, banida dos Estados Unidos,
banida da Comunidade Europeia e, posteriormente, banida do Brasil.
O DDT contamina o solo, a água, o ar e está relacionado com a extinção
de insetos, peixes, aves, mamíferos e outras espécies animais, podendo permanecer no
ambiente por dezenas de anos sem se degradar.
Isso já foi, inclusive, demonstrado no livro Silent Spring (A Primavera
Silenciosa), lançado em 1962, pela bióloga Rachel Carson, que concluiu que o DDT e outros
pesticidas prejudicavam irremediavelmente os pássaros e outros animais, e deixavam
contaminado todo o suprimento mundial de alimentos, devido ao fato dos resíduos dos
inseticidas organoclorados se acumularem nos tecidos gordurosos dos animais, inclusive do
homem, provocando câncer e dano genético.
Além da penetração do DDT na cadeia alimentar, Rachel mostrou que
uma única aplicação de DDT em uma lavoura matava insetos por semanas e meses e atingia
um número incontável de outras espécies, permanecendo tóxico no ambiente mesmo com sua
diluição pela chuva.
A referida obra teve repercussão mundial e constituiu um marco na
tomada de consciência, pelos cientistas e pela população em geral, e resultou, nos Estados
Unidos, em pressão por novas leis sobre os pesticidas.
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 33
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
Além disso, o fato dos efeitos colaterais decorrentes do uso em larga
escala do inseticida terem levado a maioria dos países a banir a fabricação e a utilização desse
agente químico de alto poder residual, é, sem sombra de dúvidas, a maior prova da toxicidade
do DDT e de suas consequências maléficas à saúde humana. É o que aduz a especialista em
neurologia e saúde do trabalhador da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Heloísa
Pacheco Ferreira, no Programa Expressão Nacional. Vejamos:
“O DDT é comprovadamente tóxico, não há mais dúvidas de sua
toxicidade. Portanto, a ingestão ou inalação traz efeitos tóxicos,
principalmente ao longo do tempo.”
Ora, se na hora da aplicação do DDT pelos trabalhadores, mais
precisamente no momento da borrifação intradomiciliar, eram retirados do local todas as
pessoas que ali residiam, tanto as crianças como os adultos, e até mesmo os animais, é de se
notar que já estavam atestando as consequências maléficas que poderiam ser trazidas à saúde
humana pelo contato com aquele inseticida.
Ademais, é importância registrar que o Projeto de Lei do Senado n°
416, de 1999, de autoria do ilustre Senador Tião Viana, com parecer favorável da Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) foi, só agora, mais de dez anos após a iniciativa do
Senador, sancionado. A Lei nº 11.936, sancionada e publicada no Diário Oficial em 14 de
maio de 2009, além de proibir a fabricação, importação, exportação, manutenção em estoque,
e comercialização do DDT, determina que “os estoques de produtos contendo DDT existentes
no Brasil devem ser incinerados no prazo de 30 dias, tomadas as devidas cautelas para
impedir a poluição do ambiente e riscos para a saúde humana e animal.”
E mais, a nova legislação determina, ainda, que “o Poder Executivo
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 34
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
realizará, no prazo de 2 (dois) anos, a contar da publicação da lei, estudo de impacto
ambiental e sanitário causado pelo uso de DDT para controle de vetores de doenças
humanas, na Amazônia.”
Como se vê, passaram-se mais de dez anos para a referida lei ser
sancionada, de forma que não se pode esquecer que, durante todo esse período, já ocorreram
milhares de mortes e de enfermidades graves devido ao chamado uso residual do DDT
O preparo do produto para borrifação ocorria sem qualquer cautela por
parte das vítimas, que o colocavam em um balde com água dissolvendo-o, utilizando, muitas
vezes, as mãos como se fossem pás misturadoras.
Além disso, as próprias esposas afirmam que, desde quando passaram a
lavar as fardas dos trabalhadores, que eram as roupas utilizadas por eles nos trabalhos de
borrifação intradomiciliar com uso do DDT, começaram a ter alergia e coceira nas mãos.
Ora, diante de toda essa realidade, não sobra a menor dúvida de que os
ex-guardas, funcionários da FUNASA, conhecidos popularmente como mata-mosquitos, na
luta incansável contra a malária e demais epidemias, sofreram, no decorrer do tempo,
múltiplas agressões em seus organismos, gerando graves distúrbios de natureza fisiológica e
psicológica, em decorrência do contato prolongado com o inseticida, cuja utilização no
trabalho de borrifação fazia parte de suas rotinas diárias.
É impossível negar que os sintomas apresentados pelos trabalhadores,
enquanto perdurou o trabalho de campo por eles realizado, guardam estreita relação com os
efeitos atribuídos pelos especialistas ao DDT e outros inseticidas, já que analisando os 114
(cento e quatorze) resultados de exames toxicológicos realizados em funcionários da
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 35
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
FUNASA pelo Instituto Evandro Chagas, situado em Belém/PA (Ofício nº 128/Core/AC),
verifica-se que o DDT ainda está presente no organismo daquelas pessoas.
A relação de causalidade é o vínculo entre o dano produzido e a atuação
do Estado. O dano, para ser reparável, precisa ser certo e ferir uma situação protegida pelo
sistema jurídico brasileiro, além de possuir um valor economicamente apreciável. Como
demonstrado no presente caso, o dano demonstra-se através das doenças apresentadas e a
presença do DDT no organismo dos trabalhadores. Já a atuação do Estado, que pode ser
entendida como a ação ou omissão ilícita do Poder Público, verifica-se no trabalho
desenvolvido pelos funcionários da FUNASA que, sem os instrumentos de proteção
adequados, tinham que manusear uma substância altamente tóxica (DDT) no combate à
mosquitos transmissores de doenças.
2.6) DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
Os agentes públicos responsáveis, dentre outras incumbências, pela
proteção da saúde estão sujeitos às normas da responsabilidade administrativa. Ou seja, toda
ação ou omissão de um agente público que contrarie o ordenamento jurídico sujeita-o às
sanções previstas em lei, porque a responsabilidade administrativa é a garantia da população
contra a atuação omissa, arbitrária ou arriscada de um agente público.
Trata-se, nesse caso específico, da responsabilidade objetiva do Estado,
cujo fundamento assenta-se no art. 37, § 6º da Constituição de 1988, que dispõe que “As
pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos
responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros,
assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 36
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
A discussão trava-se no campo da responsabilidade civil, que, se
reconhecida, gera o dever jurídico de reparar o dano causado, conforme previsto no art. 927,
do Código Civil de 2002, in verbis:
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando
a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por
sua natureza, riscos para o direito de outrem.”
Por se cuidar de responsabilidade objetiva, calcada na teoria do risco
administrativo, é bastante para originar a obrigação reparadora estatal a existência do fato
lesivo provocado ao terceiro, observado o nexo de causalidade entre o dano e a atividade
administrativa.
O fato é que, devido à utilização do DDT no processo de erradicação da
malária, centenas de servidores públicos da FUNASA, exercendo funções de agentes de
saúde, no desempenho de suas atividades, voltadas ao combate dos mosquitos transmissores
de doenças, tanto na zona rural, quanto na zona urbana e intradomiciliar, com a aplicação do
DDT nas paredes das casas, estavam constantemente expostos à ação das substâncias tóxicas
presentes na fórmula do DDT.
Tal fato se verifica ao analisarmos o grau de intoxicação contraído pelos
trabalhadores em níveis acima do padrão de normalidade fixado pela Portaria nº 12 de
06/06/83 da Secretaria de Segurança e Saúde no Trabalho (normal: 3 ug/dl). Eis o nível de
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 37
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
DDT apurado, apenas a título de exemplo:
1. MANOEL BARBOSA GOMES – DDT total: 7,98 ug/dl; V.N até 3ug/dl (fls. 89/90);
2. JOSÉ CARDOSO ROCHA – DDT total:11,77 ug/dl; V.N até 3ug/dl (fls. 91/92);
3. JOÃO OLIVEIRA DE SOUZA – DDT total: 8,75 ug/dl; V.N até 3ug/dl (fls. 132/333).
4. ANTONIO SOUZA DA CUNHA – DDT total: 10,71 ug/dl; V.N até 3ug/dl (fls.
167/168)
Como se vê, o resultado acima é compatível com a intoxicação, ou seja,
há a presença de Pesticidas grupo Orgâno-Clorado, no material cromatografado.
Assim, a atividade insalubre enseja responsabilidade civil objetiva. O
artigo 189 da CLT pode servir de instrumento para auxiliar na definição dessa atividade. O
citado artigo a define da seguinte forma:
“Art. 189 Serão consideradas atividades ou operações insalubres
aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho,
exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites
de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente
e do tempo de exposição aos seus efeitos.”
Com isso, há de ser reconhecida a responsabilidade objetiva do Estado
do Acre e da FUNASA pelos danos sofridos pelos seus funcionários ao longo desse tempo, já
que o comando constitucional impõe que o Poder Público, por meio do cumprimento de
políticas, fomente uma vida saudável dos seus cidadãos.
Aliás, não se pode deixar de registrar que já houve intervenção do
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 38
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
Judiciário na apreciação do problema em questão. É que já existe ação individual na 2ª Vara
Federal da Seção Judiciária do Estado do Acre, fazendo-se acompanhar com laudo
toxicológico, estudo neurológico e laudo médico do trabalho que comprovam o alto grau de
contaminação por DDT.
Nesse sentido é a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 1ª
Região, conforme ementa que se transcreve:
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AGENTES DE
SAÚDE CONTAMINADOS POR PRODUTOS TÓXICOS NO
EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES. CUSTEIO DO TRATAMENTO
MÉDICO PELA FUNASA. TUTELA ANTECIPADA. CABIMENTO.
1. Incensurável a decisão que deferiu a antecipação dos efeitos da
tutela, ao determinar à FUNASA que assumisse o custeio do
tratamento médico de seus funcionários, acometidos de intoxicação
por agentes químicos (DDT e mercúrio), no exercício de suas
atividades profissionais, tendo em vista a verossimilhança da alegação
e por estar comprovada a possibilidade da ocorrência de dano
irreparável ou de difícil reparação ao direito dos Autores.
2. Precedentes desta Corte. 3. Agravo de instrumento improvido. 4.
Agravo regimental prejudicado.
(AGA 2000.01.00.089466-4, TRF 1ª REGIÃO, FAGUNDES DE DEUS,
DJ 26/09/2003.)
CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS E
MORAIS. CUSTEIO DE TRATAMENTO MÉDICO. INTOXICAÇÃO
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 39
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
POR DDT. PERIGO DE GRAVE DANO EM CASO DE INTERUPÇÃO
DE TRATAMENTO. TUTELA ANTECIPADA. POSSIBILIDADE.
1. Sendo relevante o fundamento ao pedido - responsabilidade objetiva
do Estado por grave dano à saúde do servidor - e estando presente o
perigo de dano irreparável, pois o funcionário está comprovadamente
intoxicado por DDT no trabalho que desenvolveu, não pode aguardar
o julgamento definitivo da lide para iniciar o tratamento médico.
2. Agravo de instrumento improvido.
(AG 2000.01.00.126542-7/PA, TRF 1ª REGIÃO, SELENE MARIA DE
ALMEIDA, DJ 27/08/1999.)
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO.
SERVIDOR CONTAMINADO COM DDT. PRESENÇA DOS
REQUISITOS AUTORIZADORES DA CONCESSÃO DA TUTELA
ANTECIPADA.
1. Havendo risco de dano irreparável para o Agravado que,
contaminado com DDT no trabalho que desenvolvia junto à FUNASA,
não pode esperar o final do processo para iniciar o seu tratamento
médico, deve ser mantida a decisão que, antecipando os efeitos da
tutela, compele a FUNASA a assumir o custeio do referido tratamento.
2. Nega-se provimento ao agravo de instrumento.
(AG 2002.01.00.030296-2/PA, TRF 1ªREGIÃO, MARIA ISABEL
GALLOTTI RODRIGUES, DJ 10.12.2002.)
PROCESSUAL CIVIL. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA.
PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS.
1. Sendo relevante o fundamento da súplica - responsabilidade
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 40
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
objetiva do Estado - e estando presente o risco de dano irreparável,
pois os recorridos, comprovadamente intoxicados por agentes químicos
(mercúrio e DDT) no trabalho que desenvolvem, não podem esperar o
final do processo para iniciar o tratamento, é de ser mantida a decisão
que, antecipando os efeitos da tutela, compele a FNS a assumir o
custeio pelo respectivo tratamento.
2. Improvimento do agravo de instrumento.
(AG 1998.01.00.080024-0/PA, TRF 1ªREGIÃO, OLINDO MENEZES,
DJ 10.12.2002.)
Diante dos fatos aqui expostos, resta evidenciado que o direito à vida,
que engloba, dentre outros direitos, saúde e dignidade da pessoa humana, foi sendo
gradativamente sacrificado, merecendo pronta reparação.
3. DA TUTELA ANTECIPADA
Por tudo o que envolve o direito de ação, sobretudo em casos como o
demonstrado acima, no qual se postulam medidas que assegurem a dignidade da pessoa
humana e o pleno gozo do direito à saúde àqueles que, em defesa da vida de toda sociedade,
tiveram seus direitos fundamentais sacrificados, conclui-se que a solução judicial deva
oferecer célere tutela ao direito daqueles trabalhadores.
Como é sabido, o instituto da Tutela Antecipada foi criado pelo
legislador com o objetivo primordial de zelar pela efetividade dos bens em litígio.
Identifica-se, desse modo, na pretensão do litigante em ver seu direito
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 41
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
reconhecido e tutelado a tempo, com efetividade e presteza do processo, já que, na maioria
das vezes, as ações litigiosas instauradas contra o Poder Público submetem-se a um trâmite
processual moroso, inclusive pelas garantias constitucionais que a este último são atribuídas.
É de se ressaltar que a morosidade na prestação jurisdicional equivale a
uma situação de verdadeira injustiça, sendo que, muitas vezes, a demora na solução da lide
aniquila o próprio direito das partes. Problema este já apontado pelo Prof. Humberto
Theodoro Júnior:
“A demora na resposta jurisdicional muitas vezes invalida toda
eficácia prática da tutela e quase sempre representa uma grave
injustiça para quem depende da justiça estatal.” 2
O pleito, portanto, encontra amparo legal no artigo 273 do Código de
Processo Civil, pelo qual se diz que:
“Art. 273 O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou
parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde
que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da
alegação e:
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação;”
Do texto legal, depreende-se que os requisitos para a concessão da
tutela antecipada são a prova inequívoca dos fatos, a verossimilhança da alegação e o fundado
receio de dano irreparável ou de difícil reparação, requisitos presentes no caso, e que, uma vez
verificados pelo Juízo, devem conduzir ao deferimento da medida pleiteada.
2 JÚNIOR, Humberto Theodoro. O Processo Civil Brasileiro no Limiar do Novo Século. Ed. Forense. 1999.1a
Ed. P. 83
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 42
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
No caso em tela, encontram-se reunidos todos os requisitos exigidos
pela lei processual para o deferimento da tutela antecipada pleiteada.
Quanto à verossimilhança da alegação, não há o que se questionar sobre
a efetiva realidade dos fatos, pois que são incontroversos, como demonstram os documentos
juntados à inicial. Aliás, os próprios demandados oferecem a descrição da natureza da
contaminação pelo DDT, sua evolução e consequências deletérias para a saúde e qualidade de
vida dos trabalhadores e reconhecem a eficácia do tratamento pleiteado. Além disso, os
exames médicos e laboratoriais comprovam, com exatidão, a contaminação, indicando a
existência do inseticida ou de sequelas no organismo daqueles que já se submeteram à
avaliação médica.
O fumus boni iuris, no presente caso, está fundado no direito
fundamental social do homem à saúde, insculpido nos artigos 6º e 196 da Constituição da
República. Tal direito significa, como já dito anteriormente, o reconhecimento jurídico da
dignidade da pessoa humana, e envolve, consequentemente, a efetivação de políticas públicas
que visem a promoção, proteção e recuperação da saúde, além de uma série de valores
essenciais, cuja preservação possibilita ao homem o pleno desenvolvimento de suas aptidões
no meio social e capacidade laborativa para suprir as necessidades familiares.
Ora, a República Federativa do Brasil garante o direito à vida e é seu
dever diligenciar no sentido de proporcionar esse direito aos seus cidadãos. É por isso que é
indispensável a presença do Estado neste momento, para evitar um mal maior na vida
daqueles trabalhadores e de seus familiares, garantindo que eles possam usufruir de uma vida
saudável, através de um tratamento de saúde adequado, custeado pelo Estado, já que este foi o
responsável pelos danos causados.
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 43
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
O periculum in mora, por sua vez, encontra-se claramente caracterizado
no risco que a falta de tratamento e medicamentos adequados no combate às doenças
contraídas acarretará a sua saúde daquelas pessoas, eis que, como bem frisado, alguns dos
trabalhadores já estão com seu estado de saúde bastante debilitado, impossibilitados de
desempenhar atividades laborativas, conforme atestam os laudos médicos juntados aos autos
do Inquérito Civil, outros, inclusive já vieram a óbito. Além disso, vale salientar que as
Entidades acionadas através da Recomendação estão deixando de cumprir as obrigações a elas
instituídas, lesando os direitos das vítimas do mal causado pelo DDT, a partir do momento
em que deixam de disponibilizar o tratamento adequado aos trabalhadores.
Além do mais, muitos desses trabalhadores, até o presente momento,
sequer foram submetidos aos exames ou atendidos por médico, e, por conseguinte,
lamentavelmente, estão fora do alcance da atenção especializada que lhes é devida.
Dessa forma, torna-se evidente o "periculum in mora" pela urgência que
requer o caso em questão. O fundamento decorre do perigo de que, com a natural demora do
processo, não haja mais saúde a reparar. Desta forma, é imprescindível a medida antecipatória,
já que o perigo da demora pode ocasionar sérias consequências na vida de todos aqueles
funcionários e de seus familiares.
Além disso, salienta-se que, somente depois de o DDT ter sido
amplamente empregado ao redor do mundo é que foram divulgados os seus efeitos danosos à
saúde humana e aos ecossistemas, o que resultou na proibição do seu uso, na maioria dos
países. Portanto, o Poder Público não pode deixar de prestar a ampla assistência à saúde das
pessoas que sofreram exposição excessiva e habitual ao DDT durante o período em que
trabalharam com o produto, as quais merecem reparação dos danos ainda em vida.
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 44
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
Neste eito, o Ministério Público Federal pleiteia a concessão de
TUTELA ANTECIPADA para determinar:
1) que a UNIÃO-MINISTÉRIO DA SAÚDE e O ESTADO DO ACRE,
solidariamente, cumpram as seguintes obrigações de fazer:
1.1) disponibilizar tratamento de saúde imediato, efetivo, prioritário, por
especialistas (neurologistas, oncologistas e toxicologistas) para todos os
funcionários, ex-funcionários da FUNASA/AC, e seus familiares,
intoxicados pelo DDT;
1.2)formar equipe de saúde itinerante, à semelhança das equipes do
PSF, integrada por médicos, psicólogos, e assistentes sociais, todos com
dedicação exclusiva às vítimas do DDT, para atendimento domiciliar,
tanto na capital como no interior do estado, realizando visitas e fazendo
o devido acompanhamento da saúde das vítimas do DDT;
1.3) formar equipe administrativa, sediada no ACRE, com dedicação
exclusiva ao tema do DDT, coordenada por servidor encarregado de
prestar contas regularmente ao juízo, para, em perfeita interlocução com
a equipe itinerante e com os especialistas indicados no item 1.1,
agendar consultas, exames, providenciar transporte, ofertar assistência
logística e hospedagem aos pacientes e a um acompanhante por
paciente, elaborar relatório clínico das providências adotadas com
relação a cada vítima do DDT, bem como para adotar todas as medidas
administrativas que se fizerem necessárias para o fiel cumprimento da
decisão judicial, em virtude da magnitude do tema, da quantidade de
vítimas e do incomensurável conjunto de medidas práticas a serem
adotadas para o cumprimento da decisão, à semelhança das atribuições
do síndico ou do administrador judicial, nas ações de falência.
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 45
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
2) Que a FUNASA/AC cumpra obrigações de fazer, consistentes em:
2.1) fazer cessar, total e imediatamente, qualquer contato dos servidores
da FUNASA/ACRE com qualquer substância nociva à saúde;
2.2) retirar, no prazo de 15 dias, todos os produtos tóxicos inseticidas
existentes em suas instalações no Estado do Acre, dando-lhes a
destinação adequada, impedindo que outros entes federados ou outras
instituições utilizem de suas dependências para armazenar, manipular,
preparar tais substâncias, ou reparar borrifadores e outros aparelhos
similares;
2.3) proceder à avaliação da saúde de todos seus funcionários, para
verificar se estão em condições de continuar trabalhando, providência a
ser realizada por junta médica alheia à instituição, para tanto
constituída, haja vista a postura de resistência até então apresentada
pelo ente;
2.4) apresentar todas as certidões de óbito de seus servidores ativos e
aposentados, cujo passamento tenha ocorrido a partir de 1990.
Pleiteia, ainda, o Ministério Público Federal, em sede de antecipação de
tutela, com fulcro no art. 11, da Lei nº 7.347/85, a cominação de multa diária, em valor a ser
estipulado segundo o prudente arbítrio desse Juízo, de molde a desestimular a omissão dos
demandados em desatenção à eventual ordem judiciária concedendo a antecipação ora
pleiteada.
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 46
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
4. DO PEDIDO
Por fim, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL:
a) o deferimento da antecipação da tutela jurisdicional, com a
cominação de multa diária e a responsabilização pessoal dos agentes públicos;
b) a citação dos Réus, na forma da lei, para, querendo, contestar a
presente ação, com as advertências de praxe, inclusive quanto à confissão da matéria de fato,
em caso de revelia;
c) a confirmação, por sentença de mérito, de todos os pedidos
pleiteados como antecipação de tutela, com julgamento de procedência desses pedidos;
d) a condenação da demandada FUNASA à obrigação de pagar quantia,
consistente em indenizar os servidores e demais vítimas do DDT que tenham sofrido redução
de sua qualidade de vida, por força das doenças decorrentes do contato com o DDT, bem
assim indenizar os familiares daqueles servidores cujo óbito tenha relação com a intoxicação
pelo DDT;
e) a dispensa do pagamento das custas, emolumentos e outros encargos,
por força da isenção prevista no art. 4º, inciso III, da Lei 9.289/96;
f) a juntada da documentação que segue em anexo a esta petição, qual
seja o Inquérito Civil Público nº. 1.10.000.000556/2008-60, procedente desta Procuradoria da
República no Estado do Acre.
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 47
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ACRE
PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO
___________________________________________________________________________
Protesta, outrossim, pela produção de todos os meios de prova em
direito admitidos, principalmente documental, testemunhal, pericial e outras que se fizerem
necessárias ao pleno conhecimento dos fatos, inclusive no transcurso do contraditório que se
vier a formar com a apresentação de contestação.
Dá-se à causa o valor de alçada, considerando o caráter inestimável do
direito que se postula.
Termos em que pede deferimento.
Rio Branco/AC, 26 de maio de 2009.
RICARDO GRALHA MASSIA,
Procurador Regional dos Direitos do Cidadão.
Endereço: Av. Epaminondas Jacome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 3214-1100/Fax: (0xx68)3214-1118
Rio Branco - Acre. E-mail:: prdc@prac.mpf.gov.br 48

A malária é uma doença que acomete o homem desde a pré-história

malária é uma doença que acomete o homem desde a pré-história. Originada provavelmente no Continente Africano, acompanhou a migração do ser humano. A chegada da doença na América ainda hoje é discutida, já que não se dispõe de informações confiáveis. Há hipóteses como viagens transpacíficas em tempos remotos e viagens de colonizadores espanhóis e portugueses a partir do século XVI.Apesar de a associação com a malária ser incerta, existem referências a febres sazonais e intermitentes em textos religiosos e médicos bastante antigos, que relacionavam a doença à punição de deuses e presença de maus espíritos. No século V a.C., Hipócrates foi o primeiro médico a descartar a superstição e relacionar a doença às estações do ano ou aos locais freqüentados pelos doentes. Também foi o primeiro a descrever detalhadamente os sintomas da malária. No século II d.C., diversos médicos gregos e romanos deixaram várias referências sobre a doença, que ocorria em epidemias na Grécia, Itália e diversas partes da Europa, onde era conhecida como "Febre Romana".Durante quase 1500 anos pouco foi acrescentado ao conhecimento sobre a doença e seu tratamento. Finalmente no século XVII ocorreu a observação por padres jesuítas da utilização, por populações indígenas da América do Sul, da casca de uma árvore nativa para o tratamento de alguns tipos de febre. Seu uso se espalhou rapidamente pela Europa e passou a ser conhecido como "pó dos jesuítas". Seu princípio ativo, o quinino, foi isolado em 1820.No século XVIII a doença recebeu o nome italiano de "mal aire", que significa mau ar ou ar insalubre, já que na época acreditava-se que era causada pelas emanações provenientes dos pântanos.No final do século XIX, quando bacteriologistas e patologistas estavam descobrindo as causas de diversas doenças infecciosas, com a observação de alterações em órgãos e tecidos e notando o papel de insetos na transmissão de algumas doenças, é que o conhecimento sobre a malária passou por um período de importantes descobertas. Em 1880, o médico do exército francês Charles Alphonse Laveran, foi o primeiro a observar e descrever parasitas da malária no interior de glóbulos vermelhos humanos. Em 1897, o médico britânico Ronald Ross, encontrou formas do parasita da malária no interior de um mosquito o qual havia se alimentado com o sangue de um doente, descobrindo a forma de transmissão da malária. O quadro completo do ciclo de desenvolvimento do parasita da malária no homem e na fêmea do mosquito Anopheles foi obtido posteriormente pelos pesquisadores italianos Amico Bignami, Giuseppe Bastianelli e Batista Grassi, em estudos realizados entre 1898 e 1899.Durante a primeira metade do século XX muitas pesquisas eram dedicadas ao controle da malária, especialmente no sentido de reduzir ou eliminar a presença de criadouros do inseto transmissor, o que se mostrou bastante eficiente em algumas situações. Exemplo maior, foi a eliminação da infestação pelo Anopheles gambiae, mosquito de origem africana e talvez o melhor vetor da doença no mundo, que no final da década de 1930 invadiu a região nordeste do Brasil.Por outro lado, as dificuldades no fornecimento do quinino durante a Primeira Guerra Mundial estimularam pesquisadores alemães para a obtenção de antimaláricos sintéticos, culminando com o desenvolvimento da pamaquina (1924), mepacrina (1930) e cloroquina (1934).Paralelamente, eram desenvolvidos estudos para a síntese de substâncias com ação inseticida, que apresentaram seu ápice em 1942, com a obtenção por Paul Muller do composto dicloro-difenil-tricloroetano (D.D.T.), que apresentava grande atividade inseticida, grande poder residual e baixo custo.Com base nos conhecimentos adquiridos sobre o inseto transmissor, que apresentava atividade no interior dos domicílios, sendo que após absorver sangue repousava por horas nas paredes internas das casas, nas características do DDT, que poderia ser aplicado nas paredes, e na existência de drogas efetivas para o tratamento, muitos foram levados a crer na possibilidade de a doença ser erradicada, pela eliminação do parasita e não necessariamente do mosquito.Tendo sido este conceito adotado na Assembléia Mundial de Saúde em 1955, a Organização Mundial da Saúde lançou em 1957 as bases para a Campanha Mundial de Erradicação da Malária, que incluía uma fase preparatória, com a identificação de todas as áreas malarígenas, seguida de uma fase de ataque, com a borrifação semestral de DDT nos imóveis. A terceira fase, de consolidação, minimizava a possibilidade de reativação de focos de transmissão e por último a fase de manutençãoComo conseqüência, por volta de 1970, os programas de erradicação haviam livrado do risco da doença cerca de 53% da população residente em áreas malarígenas, evitando milhões de mortes e contribuindo para o desenvolvimento sócio-econômico de grandes áreas, especialmente na Ásia, sul e sudeste da Europa e nas Américas.Entretanto, devido à redução das atividades de controle, crises econômicas, aumento dos custos dos inseticidas, surgimento de resistência dos resistentes aos inseticidas e dos parasitas aos antimaláricos, a situação se deteriorou na década de 1980 e, exceção feita à Europa e América do Norte, ocorreu o aumento progressivo no número de casos na maioria dos países. Isto levou à revisão da estratégia global de erradicação e à decisão de adotar atividades de controle integradas a programas nacionais de longo termo, visando reduzir os níveis de transmissão, contando com a participação da comunidade, para alcançar êxito nas atividades que dela dependessem. Desta forma, aliando-se medidas de controle do vetor, acesso ao diagnóstico laboratorial e tratamento eficaz e imediato, tornou-se possível ao menos obter redução significativa da mortalidade por malária. Porém, ainda hoje a doença se faz presente em cerca de 100 países, especialmente na África, Ásia e Américas Central e do Sul.
Espero que vc tenham conseguido as informações necessarias! Logo mais haveram novas informações sobre a malaria e outras doenças.

Cambate a malaria

A Vez da Malária Mania

A nova onda entre celebridades engajadas, como Sharon Stone, Oprah, Ashton Kutcher e David Beckham, é comprar mosquiteiros para as vítimas da doença que mata uma criança a cada 30 segundos. A ação reduz o número de mortes, mas não acaba com o mal. E pode até prejudicar a economia local

Fausto Salvadori
Imagens: Gian La Barbera

A largada foi dada em janeiro de 2005, na gélida cidadezinha suíça de Davos. A atriz Sharon Stone, transformada em celebridade hollywoodiana por um cruzar de pernas sem calcinha no filme "Instinto Selvagem" (1993), nem precisou tirar a roupa para quebrar o gelo de uma das reuniões do Fórum Econômico Mundial. Ela assistia a uma fala de Bill Gates, que, na tentativa de trocar a imagem de empresário monopolista pela de filantropo, discursava sobre a malária , descrevendo como a doença que matava 1 milhão de pessoas por ano poderia ser detida com a distribuição de mosquiteiros impregnados de inseticida . Foi quando a atriz pediu a palavra. Ali mesmo, Sharon Stone anunciou a doação de US$ 10 mil para a causa e perguntou aos ricaços presentes quem mais estava disposto a contribuir. Os senhores engravatados não fizeram feio diante da loura e, em dez minutos, uma vaquinha improvisada entre os presentes arrecadou US$ 1 milhão para as vítimas da malária na Tanzânia.

A doença havia entrado para a agenda do showbiz humanitário. Comprar mosquiteiros para as famílias da África virou mania entre as celebridades engajadas, tanto quanto adotar crianças em orfanatos do Terceiro Mundo ou fazer shows beneficentes por um mundo melhor. Até Jack Bauer deu um tempo na guerra contra o terror para enfrentar os mosquitos: durante o lançamento do longa 24 Horas - Redenção, em novembro do ano passado, o protagonista Kiefer Sutherland aproveitou que o filme se passava na África e lançou a campanha "Enfrente a malária com Jack Bauer", com vídeos e leilões de ingressos.

Na Flórida, a luta contra o pequeno e letal inseto virou balada. Estudantes do ensino médio inventaram a festa "Staying alive", com entradas a US$ 10 - o custo calculado para comprar um mosquiteiro e enviá-lo até uma família africana.

TWITTER X MOSQUITO
O time de futebol Barcelona, da Espanha, participou de partidas beneficentes e vestiu a camisa da campanha "Mais do que um clube: um chute na malária". A inscrição "Malaria No More" apareceu nos carros de corrida da equipe Patrón Highcroft Racing, que doou US$ 10 para cada uma das 4.500 milhas da prova American Le Mans Series. Em abril, o jogador David Beckham e o campeão de tênis Andy Murray, entre outros, posaram para fotos após colocarem um mosquiteiro na porta do escritório do premiê britânico Gordon Brown.



E a malária virou hit também na web. Para se tornar o perfil mais popular do microblog Twitter, o ator Ashton Kutcher prometeu que compraria 10 mil mosquiteiros para a África caso atingisse a marca de um milhão de seguidores antes da rede de notícias CNN. Não deu outra. Kutcher bateu o recorde do site e fez a doação de US$ 100 mil em abril, gesto repetido pela CNN. A apresentadora Oprah Winfrey não quis ficar para trás e estreou no Twitter doando 20 mil mosquiteiros.

Nada mal para aquela que costumava ser vista como o patinho feio das enfermidades, considerada doença de pobre. "Por ser um mal que atinge as populações menos abastadas, a malária não desperta a mesma preocupação de outras doenças", afirma Claudio Ribeiro, chefe do Laboratório de Pesquisas em Malária da Fiocruz. Ele lembra que, nos anos 90, um estudo da Wellcome Trust Foundation apontou que os investimentos em pesquisas médicas com malária consumiam US$ 60 por paciente, enquanto os gastos com Aids chegavam a US$ 3.000, embora atingissem um número semelhante de pessoas. "Vejo com bons olhos que gente que ganha mais que o PIB de alguns países africanos esteja se interessando por esse problema."

Boas intenções à parte, a adoção de bandeiras humanitárias tornou-se uma necessidade da indústria de celebridades, segundo Paulo Nassar, coordenador do curso de relações públicas da Universidade de São Paulo (USP). Para o professor, os famosos tornaram-se empresas - "celebridades S/A" - que precisam se mostrar tão úteis como qualquer produto. Mais do que isso: elas devem ser vistas como transcendentes, capazes de fazer a diferença diante dos problemas sociais. "Para isso, essas superestrelas podem escolher uma 'causa bacana' entre as várias que o mercado oferece", diz.

Na gôndola dessas causas, a malária conseguiu se destacar por oferecer uma boa relação custo/benefício. "Eliminar a malária na África é o melhor investimento humanitário que podemos fazer no mundo hoje. Nada mais pode ter o mesmo impacto em tantas vidas de um modo tão rápido e barato", afirma, em tom propagandístico, o site da Malaria No More (www.malarianomore.org) - ONG com sede em Nova York responsável por boa parte das ações envolvendo celebridades e malária.
De fato, a mera distribuição de mosquiteiros já é suficiente para salvar milhares de vidas, principalmente de crianças. Relatório da Unicef apontou que o aumento no uso de mosquiteiros evitou a morte de 125 mil pessoas em dez países africanos entre 2001 e 2007. No mesmo período, a quantidade de crianças protegidas por mosquiteiros saltou de 2% para 20% em 19 países.

DOENTES POR ENGAJAMENTO
Fitinha contra Aids, camiseta contra o câncer de mama. Veja histórias de doenças que viraram moda entre as celebridades
AIDS
Nos anos 80, a Aids era considerada doença de homossexuais e viciados. Combatê-la, portanto, era uma bandeira multifuncional, pois significava enfrentar o preconceito e as drogas. E até hoje estrelas como Kate Perry aderem à luta.


CÂNCER DE MAMA
Essa luta virou fashion depois que Ralph Lauren lançou a campanha Fashion Targets Breast Cancer, em 1994. Supermodelos como Gisele Bündchen vestiram a camiseta com o alvo criada pelo estilista.

MORTALIDADE INFANTIL
Duas pitadas de sal, um punhado de açúcar. A dupla Sandy & Junior e a ex-estrela infantil Simony foram alguns dos ídolos que, nos anos 90, ensinaram a receita do soro caseiro para combater a diarreia infantil.


CÂNCER INFANTIL
Essa é uma realidade tão cruel que, para os ateus, é uma das provas da inexistência de Deus. De lanchonetes a celebridades, de McDonald's a Britney Spears, é difícil encontrar quem resista a posar ao lado de sorridentes crianças hospitalizadas.


E OS AFRICANOS COM ISSO?
Mas não espere para ver tão cedo na CNN imagens de Ashton Kutcher e David Beckham passeando de mãos dadas com crianças por uma África livre da doença. Os especialistas advertem que os mosquiteiros sozinhos não vão eliminar o mal. "Erradicar a malária passa por solucionar os problemas sociais que atingem a África negra. A malária está ligada à fome e à ausência de moradias adequadas e saneamento básico", afirma o infectologista Marcos Boulos, diretor da Faculdade de Medicina da USP. "Quando ocorre o desenvolvimento social de uma região, a solução da malária é um subproduto."

Curiosamente, uma das raras vozes dissonantes que se recusa a participar da festa pela malária pop vem justamente da África - uma novidade para a opinião pública mundial, acostumada a ver apenas celebridades de olhos azuis falarem pelo continente. Nascida na Zâmbia, a economista Dambisa Moyo, eleita uma das 100 pessoas mais influentes de 2009 pela revista Time, defende que as doações arregimentadas pelas celebridades só prejudicaram a economia africana e que o continente precisa não de esmolas, mas de investimentos que façam sua economia andar com as próprias pernas.

PARA ECONOMISTA AFRICANA, O CONTINENTE NÃO PRECISA DE ESMOLAS, MAS, SIM, DE INVESTIMENTOS PRODUTIVOS PARA QUE A ECONOMIA LOCAL PASSE A ANDAR COM AS PRÓPRIAS PERNAS

No seu livro Dead Aid, Dambisa ataca os estrangeiros que doam mosquiteiros fabricados no exterior em vez de estimular a indústria local comprando produtos africanos. "Há um fabricante de mosquiteiros na África. Ele produz 500 mosquiteiros por semana. Aí entram um monte de estrelas barulhentas de Hollywood que lideram as massas e levam os governos ocidentais a comprarem 100 mil mosquiteiros para a região afetada, a um custo de milhões de dólares. Com o mercado inundado por mosquiteiros estrangeiros, nosso fabricante está automaticamente fora do negócio", afirma.

Faz mais de duas décadas, em 1985, que Michael Jackson, Lionel Richie, Cindy Lauper e mais um grupo de celebridades se deu as mãos para cantar "We are the world" e tentar salvar a África da fome. A festa bombou, mas depois disso a luz se apagou e nada no continente mudou. Resta saber se a maláriamania seguirá pelo mesmo caminho ou se conseguirá um ponto de virada na triste história das "causas bacanas" africanas.

O MOSQUITO EM NÚMEROS
As crianças são as principais vítimas
• 85% dos mortos são crianças menores de 5 anos
• 250 milhões de pessoas pegam malária a cada ano
• 91% das mortes ocorrem na África
• 1 milhão de vítimas morre por ano
• Uma criança morre a cada 30 segundos vítima de malária
• 3,3 bilhões de pessoas em 109 países vivem em áreas com risco de infecção

NO BRASIL
2007 >>> 458.634 casos >>> 94 mortes
2008 >>> 306.347 casos >>> Número de mortes não disponível

Luta contra a malária décadas de 1940 e 1950

Apresentação

A conferência que aqui reproduzimos apresenta-nos uma impecável trajetória profissional, que condensa e revela vários aspectos e dimensões da saúde pública brasileira das décadas de 1940 e 1950, em particular no campo da luta contra a malária e das instituições nela envolvidas. Nascido e graduado na Hungria, o dr. Ernest Paulini emigrou para o Brasil em 1948. Fez toda sua carreira profissional em instituições federais de saúde e na universidade pública, alcançando o título de Professor Catedrático de Química Industrial na Universidade Federal de Minas Gerais. Como engenheiro químico trabalhou no Instituto de Malariologia (IM), órgão de pesquisa do Serviço Nacional de Malária criado em 1946, inicialmente sediado em Duque de Caxias (RJ) e, em 1955, transferido para Belo Horizonte (MG). Em 1956, com a unificação dos serviços nacionais de combate às endemias no Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu), o IM foi incorporado ao recém-criado Instituto Nacional de Endemias Rurais (INERu), órgão daquele departamento ao qual esteve vinculado o Centro de Pesquisas de Belo Horizonte (CBPH), que daria origem ao atual Centro de Pesquisas René Rachou.

Como chefe do Laboratório de Inseticidas de 1951 a 1970, depois denominado Laboratório de Química, o dr. Paulini participou ativamente, ao longo da década de 1950, de uma experiência fundamental, porém hoje esquecida, na saúde pública brasileira: o sal cloroquinado, ou 'método Pinotti', como ficou conhecido. Em tempos de Campanha Global de Erradicação da Malária, deslanchada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1955, a distribuição do sal de cozinha cloroquinado à população foi uma estratégia brasileira de superação de obstáculos aos métodos padronizados de luta contra a malária, como o uso do DDT e dos pesticidas, de efeito residual em regiões como a Amazônia. Em sua conferência, o dr. Paulini nos revela os bastidores dessa experiência, inclusive a tentativa de testá-la em países africanos e asiáticos sob os auspícios da OMS, da qual participou como consultor.

A história da saúde pública brasileira no pós-Segunda Guerra Mundial não obteve, até recentemente, a devida atenção por parte de historiadores e profissionais da saúde coletiva. Em particular, pouco se conhece e escreveu, do ponto de vista histórico, sobre os esforços brasileiros e internacionais, nas décadas de 1940 e 1950, para controle e erradicação de doenças como a malária, ainda hoje um dos principais problemas da agenda de saúde pública. Também pouco se escreveu sobre os profissionais que, não sendo médicos sanitaristas, tiveram importante participação na construção dos aparatos de saúde no Brasil contemporâneo. Essas foram décadas marcadas por um 'otimismo sanitário', em que se acreditava que os avanços da ciência, tais como os antibióticos, as vacinas e o DDT, poderiam derrotar definitivamente as doenças infecto-parasitárias. Foi também uma época caracterizada pela ideologia do desenvolvimento, que balizou o debate sobre as relações entre combate às doenças e políticas de desenvolvimento econômico, bem como pelas grandes transformações em termos de institucionalização, profissionalização e especialização no campo da saúde pública.

O texto do dr. Ernest Paulini, além de ser uma agradável e instigante leitura, é uma contribuição para a compreensão histórica dos desafios da saúde pública brasileira.

Gilberto Hochman

pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz




--------------------------------------------------------------------------------



Quero expressar os meus agradecimentos à prezada colega Virgínia Schall e à douta direção desta célebre instituição, pelo honroso convite para recordar e registrar para as gerações presentes um pouco dos primeiros passos de uma instituição jovem, chamada Instituto de Malariologia, no seio do Serviço Nacional de Malária.

Minhas anotações baseiam-se na convivência com esse centro de pesquisas e com a saúde pública por mais de vinte anos, durante os quais foi institucionalizado o combate aos flagelos da malária, doença de Chagas, filariose, leishmaniose, esquistossomose e do bócio endêmico. Essas recordações pessoais testemunham vários momentos da história da saúde pública, mais especificamente a projeção do Instituto no cenário nacional e internacional.

A característica daquela época era a de reconstrução, após cinco anos de guerra, destruição, ódio e miséria, situação que periodicamente se repete e nunca perde atualidade. O homem, mesmo em escala continental, usurpa egoísticamente privilégios e explora os fracos e miseráveis. Mesmo que eu não tivesse testemunhado a Grande Guerra, ainda assim censuraria esse tipo de conduta humana. Aplaudi quando, em resposta à demanda pacificadora, criou-se a Organização das Nações Unidas e a Organização Mundial de Saúde, com a intenção altamente humanista de impedir as freqüentes guerras entre países por meio de foros internacionais, discussão de problemas e situações históricas, planejamento de ações e oferecimento de auxílio aos países membros, atividade esta da qual eu mesmo participaria, mais tarde.

Nesse espírito de ajuda mútua e desenvolvimento nasceu também a Oficina Pan-americana de Saúde (OPAS). A instituição de pesquisa chamada Instituto de Malariologia, no município fluminense de Duque de Caxias, ao pé da serra, destacou-se por sua versatilidade, potencialidade e livre desenvolvimento. Tais condições resultaram em originalidade de projetos de pesquisa e solidez científica nos seus resultados.

Alguns anos mais tarde, em 1955, o Instituto foi transferido para Belo Horizonte, neste mesmo prédio em que hoje estamos recordando o passado para dar importância ao presente. Eram tempos de mudança, o Instituto de Malariologia expandiu-se para abraçar os problemas das endemias rurais e foi rebatizado como Instituto Nacional de Endemias Rurais. Outras reorganizações alteraram seu nome e, atualmente, a instituição denomina-se Centro de Pesquisas René Rachou, em homenagem a essa figura inesquecível, médico, pesquisador por excelência, colega e amigo fiel, que partiu tão cedo da nossa convivência, no ápice de sua carreira de sanitarista.

Com esse cabedal de lembranças, me encantou a oportunidade de falar de acontecimentos do passado para uma audiência na qual alguns talvez ainda não tivessem chegado a ver a luz do dia quando tais fatos ocorreram. Esta é uma situação curiosa, em que o palestrante tem vontade de descer virtualmente até a platéia para sentir as revelações escondidas sob o manto do cotidiano. Poder-se-ia dizer, também, que vou tentar abrir um álbum de fotos em preto-e-branco e substituir as imagens, uma a uma, por outras já coloridas.

Em defesa de minha narrativa começo a história 55 anos atrás, em Munique, na Alemanha, quando eu, então um jovem químico de origem húngara, fui entrevistado pelo dr. Almeida, chefe da Comissão Brasileira de Imigração e Repatriação e médico por formação. Foi ele quem me despertou interesse por este país-continente. Entre os itens rotineiros, ele perguntou-me, meio indiferente:

— Sua profissão?

— Engenheiro químico — respondi.

Ele levantou a cabeça e olhou-me com certa curiosidade:

— Tem especialização em alguma área?

— Em fabricação de inseticidas e combate aos insetos.

De repente, o dr. Almeida transformou-se numa pessoa jovial e amigável:

— Meu amigo, nós precisamos de você! Sabe que o maior inimigo do Brasil é a saúva? Com a sua ajuda poderemos convencer a natureza a ser mais amigável e produtiva.

Um colega estoniano, que ainda aguardava na fila de espera, observou:

— Você tem sorte! Reconheceram o seu valor e a sua profissão ganhou respeito.

Alguns meses mais tarde, em 1º de maio de 1948, embarquei em Bremerhaven, junto com o dr. Almeida e centenas de brasileiros repatriados, com destino ao Rio de Janeiro.

Os meses de adaptação ao novo ambiente e de aprendizagem da língua passaram rápida e despercebidamente, até que fui apresentado pelo dr. K.O. Courtney, representante da Fundação Rockefeller no Brasil, ao dr. Mário Pinotti, então diretor do Serviço Nacional de Malária no Rio de Janeiro. O tema da conversa, naturalmente, girava em torno do combate aos mosquitos, quando dr. Pinotti, demonstrando curiosidade, mudou de assunto:

— Qual é o produto inseticida que você está fabricando atualmente?

— Nenhum — foi a minha resposta —, a fábrica está produzindo corantes para a indústria têxtil.

O dr. Pinotti pareceu decepcionado:

— Lamento, nós não queremos pintar os anofelinos.

Repliquei com convicção:

— No mesmo equipamento em que fabrico corante, sintetizo também inseticida.

Um mês mais tarde, na Cidade dos Meninos, em Caxias, eu já estava utilizando a minha experiência, adquirida em Budapeste, na fabricação de BHC. O então recém-criado Instituto de Malariologia ocupava cerca de meia dúzia de casas, distantes cem metros uma da outra ao longo de uma estrada de barro. As casas foram projetadas e construídas por uma fundação filantrópica para abrigar meninos sem lar, mas foram cedidas ao Serviço Nacional de Malária para ser instalado ali o Instituto de Malariologia, um projeto prioritário.

A Seção de Química era chamada Laboratório de Inseticidas, mas lentamente ampliamos o escopo do laboratório para química geral, oferecendo orientação e ajuda aos colegas dos demais laboratórios: Ivan Ricciardi e Alina Perlowagora Szumlevitz, no Laboratório de Entomologia; Rostan Soares, na Parasitologia; e o engenheiro Luís Romeiro, então chefe do Instituto.

Serviços e problemas não faltaram. A grande 'vedete' no palco da saúde pública era o DDT, descoberto pelo químico suíço Paul Muller em 1939 e tido como potente inseticida. A substância química já havia sido descrita na literatura especializada em 1874, mas desconhecia-se sua grande utilidade para a agricultura e saúde pública. A sua baixa solubilidade aquosa evitou problemas de toxicidade para o homem e os animais domésticos, mas intoxicou e matou insetos e muitos invertebrados. Seu emprego foi decisivo em várias frentes, por exemplo nas operações militares durante a Segunda Grande Guerra, tanto no Pacífico quanto no Mediterrâneo, contra o mosquito da malária e, entre outros, contra o piolho-sugador. Na agricultura o DDT causava aumentos espetaculares de rendimento das safras, em conseqüência da dizimação dos insetos predadores.

O controle de qualidade do DDT e do BHC, utilizados pelo Serviço Nacional de Malária em todo o país, foi a principal e mais importante tarefa do nosso laboratório. Entretanto, apesar desse controle central de qualidade, surgiram dificuldades em algumas circunscrições do Serviço, devido a avarias durante o transporte e armazenamento e a problemas na aplicação domiciliar pelos guardas. Os problemas exigiam nossas visitas e, numa delas, estive pela primeira vez em Belo Horizonte.

Como aconteceu em outras ocasiões, a ordem de viagem dada pelo dr. Pinotti foi lacônica (porém suas instruções nunca eram ambíguas nem limitantes): "Favor dar assistência ao chefe da Circunscrição de Minas, dr. Olímpio de Silva Pinto." No dia seguinte, um DC-3 majestosamente ganhava altura e revelava aos curiosos passageiros, entre eles este conferencista, a beleza da Serra do Mar e os românticos "caminhos das minas" para as cidades de São João del Rei, Ouro Preto e a nova capital, Belo Horizonte.

O dr. Olímpio recebeu-me no aeroporto e, já no carro, me informou sobre seu problema, que aparentemente nada tinha a ver com a malária, mas com algo estratégico, político. Ele mostrou-me alguns jornais que noticiavam quase diariamente acidentes graves e mortais devido a picadas de escorpiões na cidade.

— O Serviço de Malária não tem obrigação de combater os escorpiões — comentei a notícia, reparando a superficialidade das reportagens.

— Certo — respondeu Olímpio —, mas o decreto presidencial vai demorar alguns meses e o prefeito me pediu ajuda, pois a prefeitura não tem inseticida nem guardas treinados. Além disso, a dedetização de Belo Horizonte poderá ser feita rapidamente por nossos guardas. E o mais importante dessa missão é que ela nos trará um benefício invisível: o sucesso da eliminação dos focos de escorpiões será comentado em todo o estado, pois a maioria dos belo-horizontinos tem família no interior, e minhas equipes de dedetização domiciliar receberão todo o apoio no interior, após a vitória sobre os escorpiões.

Eu estava sendo apresentado à mola-mestra do trabalho das equipes das campanhas de saúde pública: o relacionamento atencioso e pessoal com a população. Em 24 horas traçamos o plano de ação, e em uma semana todos os focos conhecidos foram banhados em inseticida. A população aprendeu a lição e o esquema foi repetido com sucesso, por muitos anos.

Esse pequeno exemplo revela modificações profundas na percepção de saúde pública, tanto por parte das autoridades sanitárias quanto por parte da população, que descobriu nos inseticidas uma arma poderosa de controle. Foi uma demonstração convincente e gratificante.

Para nós, a literatura científica da época estava repleta de estudos relatando a toxicidade dos inseticidas conhecidos contra os mais variados tipos de insetos e procurando revelar, entre outros pontos obscuros, seu modo de ação, sua permanência e sua toxicidade ao meio ambiente. Os laboratórios das grandes firmas químicas, por sua vez, sintetizavam e testavam anualmente milhares de compostos orgânicos para competir com o DDT e o BHC.

O Laboratório de Inseticidas do Instituto Nacional de Malária não foi um simples observador dessas atividades. Além dos melhoramentos tecnológicos efetuados na aplicação de inseticidas no campo, colaboramos com o Laboratório de Entomologia nos ensaios biológicos e desenvolvemos técnicas padronizadas para acompanhar a susceptibilidade dos insetos de importância médica — especificamente anofelinos, culicíneos e triatomíneos — aos inseticidas empregados no país. Como reconhecimento desses esforços representamos o país em reuniões de peritos da Organização Mundial de Saúde e participamos de vários estudos internacionais, com novos inseticidas mais ativos e menos tóxicos.

Naquele período ocorreu a mais memorável visita ao nosso laboratório, a do dr. Paul Muller, prêmio Nobel de Química. Ele percebeu um modelo tridimensional da estrutura do DDT sobre minha mesa e interessou-se por minha pesquisa. Falei-lhe que gostaria de descobrir por que somente um, dos muitos derivados do DDT, possui valor como inseticida. Ele acompanhou com atenção a minha exposição e estimulou-me a investigar sobre a resposta, que foi apresentada num congresso de química no Rio de Janeiro.

Os resultados excelentes observados na eliminação dos anofelinos vetores, em alguns estados brasileiros e em vários países da Europa e das Américas, fizeram supor a sua erradicação em áreas continentais, inclusive no Brasil. A expansão da dedetização domiciliar foi limitada apenas por problemas de organização e orçamento, mas permanecia sem resposta uma importante pergunta: o que fazer na Amazônia, onde os vetores da malária entravam e saíam livremente das choças evitando, assim, qualquer contato com os inseticidas depositados no sapé? Com este argumento, o dr. Rachou foi um dos poucos malariologistas que consideraram a erradicação da malária no Brasil 'parcialmente' viável.

Idéias, com ou sem brain-storming, nunca nos faltavam no Instituto, e sempre surgia algo novo na elaboração dos planos detalhados, em face da ampla variedade de comportamento dos diversos mosquitos vetores da malária e da filariose. As reuniões dos coordenadores do Serviço de Malária com o diretor Pinotti eram caracterizadas pela informalidade. Os grupos, instalados numa sala espaçosa, trocavam idéias, notícias e informações. Pinotti, entre um e outro telefonema, circulava pela sala apresentando aos grupos os problemas do dia e deixando-os discutirem entre si as alternativas, livres de pressão e constrangimentos.

Certo dia Pinotti aproximou-se de nosso grupo e declarou:

— O combate aos anofelinos com DDT na selva amazônica é deficiente, como Rachou tinha demonstrado, porque os mosquitos escapam do inseticida. Temos duas alternativas: a primeira seria um repelente de longa duração, que ainda está por ser inventado; a segunda poderia ser a distribuição periódica de droga antimalárica. Pensem nisso!

E, sem esperar resposta, passou para o grupo ao lado. Meus dois companheiros de grupo tinham chefiado circunscrições do Nordeste e demonstravam pouco interesse por repelentes ou insetífugos, mas cada um comentou as dificuldades de detectar e tratar casos agudos de malária nas populações rurais. A conversa — estimulada pelo cafezinho servido de trinta em trinta minutos, cuja fama foi largamente comentada no Rio de Janeiro como o café mais gostoso da cidade — foi interrompida pela nova chegada do diretor, que então me dirigiu a pergunta:

— Então, chegaram a alguma proposta?

Houve um momento de silêncio, quebrado repentinamente pelo meu sotaque húngaro:

— Senhor diretor, o desenvolvimento de um repelente de longa duração pode demorar não meses mas anos, portanto não é idéia a ser considerada num projeto de grande projeção como o nosso, o de erradicação da malária. A segunda alternativa, distribuição de antimaláricos pelos guardas de campo, parece mais viável. Os colegas aqui me informaram a respeito das dificuldades observadas nas suas respectivas circunscrições, e pode-se prever que a distribuição de antimaláricos pelos guardas do Serviço Nacional da Malária na Amazônia será muito onerosa. Seria mais racional seguir a metodologia da campanha contra o bócio endêmico, em que quantidades mínimas de iodato são misturadas com o sal de cozinha comercializado para a população humana, nas áreas afetadas.

— Mas cloroquina não é iodato — interrompeu-me o nosso diretor.

— Sim, por isso o primeiro passo deve ser o de investigarmos a resistência da cloroquina ao seu cozimento com alimentos, em condições reais.

Dois dias depois o chefe de gabinete telefonou-me, comunicando que o dr. Pinotti gostaria de ver o resultado sobre a estabilidade da cloroquina. Ele, Pinotti, não costumava esperar vários dias para receber informações ou soluções relativas a problemas que considerava importantes. Freqüentemente eu saía do seu escritório diretamente para o aeroporto. Dessa vez a sua chamada foi o sinal de largada do Projeto do Sal Cloroquinado, que durou dez anos e resultou em muito trabalho inovador e muitas publicações, tanto no Brasil como no exterior.

A participação dos pesquisadores do Instituto de Malariologia no Congresso da Sociedade Brasileira de Higiene de 1952, portanto há cinqüenta anos, prometia ser uma ocasião muito especial. Minha surpresa foi o comportamento dos colegas do IM, que começaram a falar apaixonadamente sobre os trabalhos que iriam apresentar e me perguntaram o que eu estava preparando. O entusiasmo foi contagiante. Como resultado, o 10o Congresso Brasileiro de Higiene, realizado em Belo Horizonte em outubro de 1952, tornou-se a mais freqüentada e a mais produtiva reunião científica ocorrida até então, com cerca de quinhentos inscritos e aproximadamente trezentos trabalhos apresentados. O presidente de honra do congresso foi Juscelino Kubitschek, então governador de Minas Gerais. Participaram do congresso várias personalidades internacionais, dentre elas dr. Arnaldo Gabaldón, da Venezuela; dr. Carlos Alvarado, da Argentina, que mais tarde foi meu chefe na Organização Mundial de Saúde, em Genebra; e dr. Cecil Hackett, diretor do Wellcome Museum of Medical Sciences.

O temário do congresso foi abrangente, começando com o tema do planejamento e da administração dos serviços médico-sanitários. Outro grupo discutiu os problemas de nutrição: a avitaminose, a carência protéica e o bócio endêmico. O tema mais extenso foi o da epidemiologia e profilaxia de doenças transmissíveis, que incluía trabalhos sobre esquistossomose, malária, doença de Chagas, leishmaniose tegumentar, filariose, peste e febre maculosa, juntamente com a biologia e distribuição geográfica dos mosquitos e o emprego de inseticidas e bromelicidas.

Na sessão sobre malária, apresentei minha investigação sobre a estabilidade da droga antimalárica cloroquina, que, misturada ao sal de cozinha e submetida a cozimento, permanecia quimicamente inalterada, podendo ser misturada aos alimentos como medida de controle da parasitose. O trabalho despertou grande interesse entre os congressistas e estimulou a continuação das pesquisas, a partir de então em maior amplitude.

Voltando ao hotel para almoçar, o grupo continuou a conversa animada sobre as idéias levantadas durante a sessão, enquanto os garçons distribuíam alfaces frescas como acompanhamento do prato principal. O colega sentado em frente a mim já havia cortado o seu filé, quando percebi algo estranho na salada. Mantendo o tom alegre, comentamos:

— Você foi privilegiado, pois recebeu uma porção adicional de carne com a sua salada.

Ele, curioso, virou a folha e encontrou um planorbídeo bem desenvolvido, tentando esconder-se em sua concha e proteger-se contra a hostilidade do ambiente. O garçom, embaraçado, retirou rapidamente o prato, embora alguém entre nós lamentasse:

— Perdemos uma grande oportunidade de levar ao plenário do congresso um planorbídeo coletado na Praça Sete. E talvez infectado por Schistosoma mansoni!

Mesmo sem aquele planorbídeo, o congresso representou um marco na evolução qualitativa e quantitativa do controle de doenças transmissíveis no país.

No Instituto de Malariologia, a carga de trabalho aumentou com a modificação do regimento do Serviço Nacional de Malária, que passava a ser incumbido de organizar e realizar, em todo o país, os planos de combate à filariose e ao escorpionismo. O decreto com o novo regimento entrou em vigor em setembro de 1952.

A falta de pessoal nos laboratórios para o cumprimento das novas atribuições foi contornada, pelo dr. Pinotti, com a contratação de toda a turma de recém-diplomados da Escola de Farmácia de Outro Preto, entre eles José Pedro Pereira, que todos aqui conhecem. Ele foi meu fiel e eficiente colaborador durante vinte anos. Outro membro desse grupo foi Geraldo Chaia, do Laboratório de Esquistossomose.

Os anos seguintes foram agitados. O dr. Pinotti assumiu a pasta ministerial em 1954, para diretor do Serviço Nacional de Malária foi nomeado o professor Manuel J. Ferreira e para a chefia do Instituto de Malariologia, o dr. René G. Rachou.

Circulavam rumores sobre a mudança do Instituto, que confirmei quando me enviaram a Belo Horizonte com a incumbência de verificar a viabilidade da transferência dos laboratórios da Cidade dos Meninos, no Rio de Janeiro, para o prédio em que a instituição funciona até hoje, na capital mineira. Confesso que meu parecer favorável à mudança foi amplamente influenciado pelo ambiente ameno da cidade, pela cordialidade dos seus habitantes, pelos colegas amigáveis que cheguei a conhecer em minhas freqüentes visitas oficiais. Assim ocorreu, quase naturalmente, que minha família foi a primeira do Instituto a embarcar, junto com René Rachou, definitivamente para Belo Horizonte, e esta cidade tornou-se o nosso 'ancoradouro'. Esta palavra daria título à biografia de minha família, escrita em forma romanceada e publicada posteriormente pela minha esposa Lívia, em 1981.

A transferência do Instituto de Malariologia para Minas Gerais provocou mudanças profundas no pessoal e no ambiente de trabalho. Muitos servidores tinham suas vidas enraizadas no Rio de Janeiro. Para que os projetos de pesquisa em andamento não sofressem descontinuidade, Rachou teve de preencher as vagas criadas pelos cariocas que não se transferiram. Os professores Amílcar Viana Martins, José Pellegrino, Zigman Brenner, Lobato Paraense, Giorgio Schreiber, Marcelo Vasconcelos Coelho e Naftale Katz, entre outros, formaram, durante os anos seguintes, a galeria de eminentes pesquisadores que continuaram a projetar o alto conceito desta instituição além das fronteiras nacionais.

As pesquisas com o sal antimalárico continuavam, já em escala comunitária. Por sugestão de Fernando de Bustamante, chefe do Programa de Erradicação da Malária, foi escolhida a área de Engenheiro Dolabela, no município de Bocaiúva (MG), para os ensaios de campo. Naquele tempo, a viagem, feita de jipe, de Belo Horizonte até a localidade levava seis horas na época da seca e oito, na época da chuva. A fazenda, com uma fábrica de açúcar e álcool e uma população de oito mil pessoas, apresentou condições favoráveis para a pesquisa. Após dois anos de atividade na área, os casos agudos desapareceram e reduziu-se para quase zero o índice de positividade, nos ensaios hematológicos.

Um ano depois do término do nosso trabalho, dirigi uma carta ao engenheiro superintendente da fazenda indagando se foi observada, durante a aplicação do sal cloroquinado, diferença na produtividade dos trabalhadores rurais, em especial os cortadores de cana, comparativamente aos anos anteriores. A resposta foi categórica: a produção média dos cortadores de cana, nos anos anteriores ao uso do sal cloroquinado, era de 900kg/dia/pessoa. Durante os dois anos de distribuição de sal cloroquinado, a produtividade alcançou 1.500-1.600kg/dia/pessoa. O superintendente salientou, na carta, que não houve nenhuma modificação no sistema nem nos equipamentos de corte, e o bom resultado só podia ser atribuído ao melhor estado de saúde dos trabalhadores.

Na época os economistas começavam a questionar os programas e as despesas de saúde pública, especialmente os planos de erradicação da malária, com perguntas tais como: "Quantos dias/horas de trabalho são perdidos mensal ou anualmente devido à malária?" "Pode-se quantificar a diminuição do rendimento de trabalho, seja manual ou mental, atribuída a um parasitismo crônico?" As respostas a essas indagações foram relativamente acessíveis em áreas malarígenas, como demonstrou a citada carta do superintendente de Engenheiro Dolabela, mas tornaram-se muito complicadas nos estudos referentes à esquistossomose. Recordo-me de uma publicação americana que relatou a pesquisa a esse respeito, realizada numa ilha da América Central que apresentava esquistossomose endêmica. Os autores chegaram à conclusão de que era impossível quantificar a produtividade individual, fosse na pessoa portadora ou na não-portadora do parasito, porque os trabalhadores atuavam em grupos, em que os mais fortes compensavam a debilidade dos demais.

No que diz respeito à esquistossomose, Toshie Camei Kawano e Cecília Pereira de Souza trabalharam em nosso laboratório, com grande eficiência, no combate aos planorbídeos hospedeiros do Schistosoma mansoni, testando centenas de produtos químicos promissores e descobrindo dezenas de fatores ambientais que poderiam reduzir a eficácia das medidas preventivas. Na área de controle biológico dos planorbídeos, Helen Paulini, minha filha, conseguiu resultados promissores demonstrando a dominância do caramujo Pomacea sobre a Biomphalaria, no mesmo criadouro. A demonstração no campo ocorreu na área da Pampulha, com o desaparecimento do B. glabrata em numerosos criadouros. Seu trabalho foi publicado no Boletim da OMS, em 1972, e coroado com uma bolsa de estudos no Instituto de Medicina Tropical de Lisboa, oferecida pelo então diretor daquele órgão, professor Fraga de Azevedo.

Os ensaios de campo com o sal cloroquinado aumentaram. As experiências realizadas no estado do Pará, ao longo do rio Cupim, e em Santa Catarina, na ilha de São Francisco, foram confirmatórias.

Em agosto de 1959, o dr. Pinotti surpreendeu-me com a seguinte notícia:

— A Organização Mundial de Saúde pretende experimentar o sal cloroquinado em três países diferentes: Gana, na África; Camboja, na Ásia; e Nova Guiné, no Oceano Pacífico. O senhor aceitaria se eu o indicasse para organizar esses ensaios?

Durante uma fração de segundo, passaram pela minha memória as peripécias na Amazônia com o dr. Scaff, no rio Capim, onde caçávamos galos selvagens para o jantar, e as exaustivas viagens de jipe entre Belo Horizonte e Engenheiro Dolabela. "Que aventura!", pensei, e... aceitei.

Minha premonição tornou-se realidade. Foi mesmo uma aventura, a começar com as semanas ocupadas com preparativos burocráticos — licenças, substituições, programas de viagens, passagens, contatos —, exames de saúde, vacinação e provisão de medicamentos. No fim de setembro embarquei para a Suíça, de onde retornaria em março do ano seguinte.

Genebra é famosa no mundo inteiro não somente por seus relógios, mas também pelos súditos do relógio. No Palácio da Organização Mundial de Saúde era preciso combinar, por telefone, o dia, a hora e o minuto da visita, além de sua duração. Nem um minuto de atraso na chegada ou na saída era tolerado. A servidão imposta pelo relógio era revogada aos sábados, com muita alegria, na tradicional feijoada oferecida aos compatriotas brasileiros pelo dr. Marcolino Candau, diretor geral da OMS, que por vinte anos (1953-1973) presidiu essa instituição internacional, a mais respeitada do mundo.

Na Divisão de Malária, chefiada pelo dr. Carlos Alvorado, fui recebido com muita cordialidade, assim como ocorrera no nosso encontro no 10o Congresso Brasileiro de Higiene, em Belo Horizonte. Com a sua orientação e com a ajuda do seu colaborador, dr. Bruce-Chwatt, consegui organizar meu itinerário e cronograma para cinco meses de estada. O sexto e último mês foi reservado para redigir meu relatório final em Genebra, cujas propostas foram mais tarde confirmadas nos países visitados.

Cinco meses, ou seja, 150 dias viajando, observando e conversando resultaram em muitas impressões, informações e sentimentos. Gostaria de citar apenas alguns deles, gravados entre as minhas reminiscências, para ilustrar minha exposição. (As muitas outras visitas internacionais que fiz, como as de Porto Rico, Guadalupe, Santa Lucia e Suriname, serão publicadas no meu livro em preparação, intitulado Mabuhay.)

Minha primeira parada foi Manila, capital das Filipinas. Era uma viagem aérea de 27 horas num DC7, um preparo físico e mental para a atividade que estava por vir — trabalhar na escala primordial extrema da raça humana, com o objetivo de ajudar os menos favorecidos. Eu guardava uma certa desconfiança de que os governantes contemplados com o nosso projeto privilegiariam alguns grupos e nos esconderiam as populações mais primitivas, porém a minha missão era decididamente técnica e não política. Eu visitaria as áreas escolhidas, discutiria com as autoridades locais os planos de preparo, transporte e realização de levantamentos epidemiológicos, de distribuição de sal e eventuais dificuldades. Mas uma curiosa pergunta ficava sempre no ar: eu vigiava a equipe, ou era eu o vigiado?

Depois segui para Port-Moresby, capital da então Nova Guiné inglesa, onde tomei parte num Congresso Internacional de Malária, cujos participantes estavam interessados em implantar o Projeto do Sal Cloroquinado naquela região

A outra extremidade da ilha de Nova Guiné, naquele tempo, era protetorado da Holanda. Descendo do avião na cidade de Holandia — hoje Djajapura, pertencente à Indonésia —, uma pequena comitiva veio ao meu encontro mostrando grande entusiasmo em me receber. Depois das formalidades, perguntei ao jovem médico Meuwissen:

— Por que toda essa ovação?

— É a nossa alegria, doutor, pois lendo os seus trabalhos esperávamos um pesquisador barbudo e velho, que não agüentaria nem 24 horas no mato.

Passamos 15 dias na selva tropical, caminhando em trilhas lamacentas e visitando uma dúzia de vilarejos, na companhia de dois médicos holandeses, quatro carregadores de mantimentos e malas e dois policiais armados, um dos quais servia como intérprete para os nativos. Comentava-se que, na década de 1940, foram os soldados japoneses quem estabeleceram contato permanente com os nativos da selva, antropófagos. Por isso a presença dos policiais armados em nossa expedição. Eles foram nossos guias, comandaram nossos descansos, colheram e apreciaram conosco as frutas tropicais da floresta. A convivência desenvolveu afinidades entre os colegas e demais membros da equipe, e éramos capazes de rir quando contávamos o número de sanguessugas em nossas botas, a cada parada.

Na última aldeia visitada encontramos um missionário franciscano holandês, que vivia lá havia anos e que, com a ajuda dos indígenas, tinha aberto e mantinha uma pequena clareira no mato, do tamanho de um campo de futebol, para pouso e decolagem de aviões. Durante o jantar o padre João comentou as freqüentes chuvas da época e disse:

— Vamos rezar para que não chova pela manhã e o avião anunciado possa aterrizar.

A prece funcionou e voltamos sãos e salvos a Holandia. Seis meses mais tarde, já em Belo Horizonte, recebi uma carta do padre, por intermédio da Organização Mundial de Saúde, felicitando-me pela sorte em ter conseguido sair da selva, pois nos cinco meses seguintes os aviões não aterrissaram, devido ao mau tempo. Ele próprio ficara sem contato com o mundo, porque até as baterias de seu rádio se esgotaram. Foi naquela época, também, que um jovem membro da família Rockefeller desapareceu nas traiçoeiras águas da Nova Guiné.

Mais tarde recebi a tese de doutoramento, pela Universidade Leiden, de Jupp Meuwissen, mais precisamente Josephus Hilarius Edmundus Thomas Meuwissen, um dos companheiros de andanças pelas matas de Nova Guiné. No relato de seus primorosos trabalhos, ele registrava algumas conclusões contundentes: i) a elevada resistência dos plasmódios locais à droga antimalárica pirimetamina; ii) o funcionamento normal e eficiente da cloroquina; iii) a desproteção das crianças do grupo etário de zero a três anos que não receberam, na alimentação, o sal antimalárico. E indicava essas imperfeições na seguinte citação: "Freqüentemente se observa que o maior obstáculo na erradicação da malária é o próprio homem."

Encontrei-me com Meuwissen 15 anos mais tarde, na Holanda. Já professor, lutava ainda contra os parasitos da malária, tentando desenvolver uma vacina contra eles, mas guardou o seu fino humor da juventude:

— Meu caro amigo! Lembra-se do que nós cantávamos na floresta, indo para Waris?

— Sim — respondi —, foi o cenário mais esquisito para as melodias imortais de Verdi.

Ele respondeu:

— Temos de admitir que os paradoxos são os melhores estimulantes na vida.

Durante minhas andanças encontrei muitos cientistas espirituosos como Jupp Meuwissen, que coloriram as minhas anotações.

O segundo campo experimental do sal cloroquinado foi Camboja. Mal cheguei em Phnom Penh e me instalei no hotel, recebi um convite para a noite de gala que o príncipe Shihanuk oferecia às personalidades internacionais que se encontravam na cidade. No evento, um médico francês sentou-se ao meu lado e, movido pela semelhança das nossas atividades e experiências, comentou a sua vida em Laos, país vizinho do Camboja, de onde ele chegara havia pouco dias. "Em Laos tudo é tranqüilo como aqui, embora tenha as suas peculiaridades" — disse ele, enquanto acompanhávamos o balé das dançarinas reais em suas vestes exóticas e a música estranha aos ouvidos ocidentais.

Na minha carta para a família comentei a pacificidade do ambiente e do povo cambojano, avaliando que ali a revolução chinesa não chegaria, e os planos de saúde sobre a malária estariam garantidos. O tempo mostrou que, embora eu fosse aprovado com louvor nos trabalhos científicos, fui reprovado definitivamente no teste de profecia: dois anos mais tarde Vietnã, Laos e Camboja tornaram-se sangrentos satélites da China. A violência venceu a saúde pública e seu conteúdo moral, a fraternidade. A saúde dos povos foi relegada ao último lugar.

Gana foi o terceiro e último campo experimental do sal cloroquinado. Paisagens escondendo ferro, ouro e diamantes, semelhantes às de Minas Gerais, envolviam a beira-mar; em perfeita conservação, o romântico castelo e o forte de Elmina, a ostentar sua data de nascimento, 1482, em azulejo português.

A duzentos quilômetros do litoral, ao norte, começava a região semi-árida, com suas dezenas de tribos e milhares de reservatórios de água para os períodos de seca. Os poços estavam superpovoados por crocodilos, nos quais, pela crença do povo, continuavam vivas as almas dos antepassados. Os répteis não nos atacaram quando os fotografei de perto. Aparentemente estabeleceu-se um apreço silencioso entre eles e nós: de um lado a lentidão; do outro, a vivacidade — tal como a comunidade local versus o visitante estrangeiro.

Nas feiras semanais dos vilarejos ocorriam as trocas de objetos e mercadorias, como o sal, que era monopólio de uma tribo distante. O chefe dos salineiros, como bom vendedor, disse-me:

— O seu sal do mar dá dor de barriga; o meu sal, nunca!

Os curandeiros formavam outra ala de resistência. Um deles mandou-me, pelo intérprete, o seguinte recado: "O meu deus é mais forte que o seu." Tais pronunciamentos indicavam claramente a ausência de racionalidade, reforçada por uma atitude autoritária. Entretanto as autoridades locais nos deram suas boas-vindas e asseguraram a realização das nossas instruções. Por fim, o deus ganense provou ser mais forte.

Depois de ter voltado do exterior, comecei a dar conferências sobre minhas impressões, que mais pareciam uma seqüência de aventuras intercaladas por trabalhos científicos, devido à interferência de inúmeros fatores desconhecidos e situações imprevisíveis. Intitulei essas palestras de 'A volta ao mundo com um microscópio'. Na verdade, se eu tivesse um microscópio na bagagem durante as minhas viagens, o instrumento dificilmente teria chegado são e salvo a Belo Horizonte. Perto de Bolgatanga, no norte de Gana, numa parada do jipe para descanso, uma família de chimpanzés interessou-se, e muito, por nossas malas.

Todas essas viagens me revelaram a grande variedade de condições de vida dos povos que visitei e sua capacidade de vencer empecilhos, como secas, inundações e catástrofes de toda natureza. Essas características das tribos, juntamente com a tradição, que é o repositório do saber e deveres coletivos, representam a força da sobrevivência e moldagem das gerações. A diferenciação entre grupos humanos pode ter ocorrido em virtude da vitalidade de cada povo, de seu ambiente mais amplo e da influência de seus líderes, que convenciam a coletividade a seguir seus sonhos e aspirações. Admitindo essa possibilidade, pode-se realizar, em retrospecto, algumas interpretações interessantes para as situações imprevisíveis que ocorrem entre grupos humanos e consultores da OMS.

A OMS, com seu pessoal de alta categoria, concentra seu empenho na saúde global dos povos, visando o crescimento de todos. A campanha mundial Pólio Plus, apoiada pelo Rotary Internacional, é um exemplo singular dessa filosofia altamente significativa, que se ajusta sem dificuldade aos ideais humanitários.

Creio que os cientistas consultores, assim como nós, não querem interferir no crescimento de qualquer fase sadia da vida dos povos. As diferenças observadas surgem como 'atitudes estranhas' diante de uma situação complexa, desconhecida. Os pesquisadores, desde Descartes, abordam um problema partindo de um ponto supostamente estabelecido e lógico e procuram identificar tantas etapas quantas sejam necessárias para chegar ao resultado desejado. Uma população menos sofisticada não enfrenta um problema como se fosse resolvível; e, sem qualquer tentativa para saná-lo, recai na atitude defensiva, costumeira, que está mais ao seu alcance imediato. Chega-se, assim, à conclusão de que a idéia de saúde global deve ser abrangente e claramente destinada à humanidade, para que possa ser assimilada por cada sociedade-alvo e todos sejam beneficiados. Conseqüentemente, é nosso dever semear ideais de vida, moral, costumes e boa vontade, objetivando a realização de uma vida saudável, feliz e gloriosa, mesmo quando essa meta existe somente na imaginação.

Obrigado pela atenção.

Museu da Fundação Nacional de Saúde

Museu da Fundação Nacional de Saúde

O Museu da Funasa foi criado em 1984 com o objetivo de reunir e divulgar o acervo de objetos e equipamentos representativos, utilizados nas Campanhas de Saúde Pública no Brasil, visando a preservação da memória institucional.

Em 1994, o Museu passou por um processo de revitalização, incorporando os testemunhos das ações da Fundação Serviços de Saúde Pública e de outros órgãos integrados à Fundação Nacional de Saúde.

Reinaugurado em 2001, em nova sede, totalmente reformulado, coloca à disposição do público mais de mil objetos que retratam a história da Saúde Pública brasileira.

O Museu da Funasa está organizado por áreas temáticas, de acordo com sua coleção mais representativa: febre amarela, malária, dengue, tracoma, bócio, esquistossomose, doença de Chagas, peste, zoonoses e animais peçonhentos, imunização, saneamento e saúde indígena.

No espaço que apresenta a coleção de peças sobre Febre Amarela, Malária e Dengue estão expostas bombas de borrifação, bandeiras de identificação de área, flâmulas, distintivos, uniformes, maquetes, medicamentos, lanternas, marmitas, armadilhas, instrumentos cirúrgicos, bússolas, centrífugas, medicamentos e fotos, sendo que o destaque é o guarda de endemias, devidamente uniformizado, representando a Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam).

Ambientada com peças de mobiliário de um antigo consultório oftalmológico da década de 40, a coleção referente ao Tracoma apresenta microscópios, caixa de lentes, medicamentos, estojos cirúrgicos, lupas, lanternas, maleta, esterilizador e slides.

A coleção referente ao Bócio expõe instrumentos de laboratório, balanças e fotografias. Caramujos, conchas, medicamentos, centrífugas e fotografias mostram as peças utilizadas nas ações de combate à Esquistossomose. Bombas de borrifação, pulverizadores, maquetes, espécies de triatomíneos e microscópios apresentam a coleção de peças referentes a Doença de Chagas. Espécies de roedores silvestres e domésticos, ratoeiras, pulverizadores, uniformes, máscaras, centrífugas, esterilizadores, balanças e microscópios são peças representativas das ações de combate à Peste. Espécies de serpentes, cobras, escorpiões, aranhas e morcegos expõem o acervo de Zoonoses e animais peçonhentos.

O personagem Zé Gotinha, símbolo das campanhas de vacinação no país, acompanhado de uma coleção comemorativa de esculturas e quadros de artistas de Brasília, são os destaques sobre Imunização. Além de seringas, vacinas, fotos, placas de identificação de sedes, condecorações, bótons comemotativos e também o Certificado de Erradicação da Poliomielite outorgado ao Brasil, pela Organização Pan-Americana da Saúde.

No espaço que apresenta a coleção de peças sobre Saneamento encontram-se expostas maquetes, teodolito, sanitários, máquinas de leitura de água e fotografias. Artefatos indígenas e fotos apresentam a coleção referente à Saúde Indígena.

Ambientado com peças de mobiliário de um Gabinete da década de 60, o Museu expõe dois escritórios antigos com mesas, cadeiras, armários, relógio, telefone, agenda, máquina de escrever, máquina de calcular, campainha, tinteiro, carimbo, porta-carimbo, mata-borrão, furador de papel, relógios de ponto, fotos e um acervo bibliográfico histórico que registra a história da produção editorial de instituições como a Campanha de Erradicação de Varíola (CEV), Campanha de Erradicação de Malária (CEM), Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu), Serviço de Saúde Pública (SESP), Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam) e Ministério da Educação e Saúde.

O Museu recebe visitas de escolares do ensino fundamental e médio das escolas públicas e particulares do Distrito Federal, estudantes universitários e profissionais da área da saúde, professores, pesquisadores, parlamentares e público em geral de todo o país, e também do exterior.

Visitas monitoradas, com palestras e apresentação de vídeos, deverão ser agendadas com antecedência.
.
Horário de Funcionamento:
Segunda a Sexta-feira das 9 às 17 horas

Endereço:
W3 Norte Quadra 510 bloco A térreo Brasília - DF
Telefax: (61) 3273 7840
E-mail: museu@funasa.gov.br

Serviço Nacional de Malária 1940

Tese mostra como o governo JK usou a malária como moeda de negociação
Ricardo Valverde
Ao defender a tese Malária e desenvolvimento: a saúde pública no governo JK (1956-1961), o historiador Renato da Silva levantou um tema pouco estudado daquela que é uma das presidências mais discutidas, comentadas e lembradas do Brasil: a de Juscelino Kubitschek. De acordo com Silva, “além das cinco grandes metas, existiu uma política de saúde pública na administração de JK, com metas também. A saúde foi um tema caro para Juscelino, que era médico, e estaria presente em seu governo não de forma explícita, mas diluída no plano maior de metas, sendo considerada uma questão econômica. A malária seria a doença que melhor representaria essa concepção, na relação entre saúde e desenvolvimento na década de 1950”.
Distribuição de sal cloroquinado pelo Serviço Nacional de Malária, na Amazônia, em 1952
(Fotos: Acervo COC/Fiocruz)
Para Silva, a malária foi utilizada como uma valiosa moeda de negociação no contexto internacional e os recursos repassados pelas agências internacionais amenizaram os custos da política de saúde pública do governo JK. Segundo o historiador, símbolos daquele momento foram a criação, em 1956, do Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu), que passaria a centralizar os serviços nacionais de saúde, e em 1958 do Grupo de Trabalho de Controle e Erradicação da Malária (GTEM). O trabalho de Silva foi defendido no Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e Saúde da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) e teve a orientação de Gilberto Hochman.

Atuando na Fiocruz há 12 anos, Silva começou na Fundação como bolsista de iniciação científica. No mestrado, cursado no mesmo programa em que desenvolveu o doutorado, ele analisou a trajetória do Laboratório de Biologia Infantil, criado em 1935 por Leonídio Ribeiro. As leituras sobre saúde e as campanhas de controle da malária levaram Silva a se interessar pela figura do médico e político Mario Pinotti, um paulista de Brotas (SP) que foi prefeito de dois municípios fluminenses (São Gonçalo e de Nova Iguaçu) na década de 1920 e ministro da Saúde no governo de Getúlio Vargas. Pinotti foi o grande nome da saúde no governo JK e tornou-se mundialmente conhecido ao criar, em 1951/52, um método de combate e erradicação da malária – a partir de sal cloroquinado – que ganhou o seu nome. Foi Pinotti quem escreveu o prefácio do programa de saúde do candidato à Presidência Juscelino Kubitschek, em 1955.
Inquérito epidemiológico feito pelo Serviço Nacional de Malária, no Pará, em 1953
“A saúde não era uma das cinco metas prioritárias daquela campanha e posteriormente daquela administração, mas pode-se dizer que estava diluída entre elas. E embora a malária não fosse um grande problema em significativa parte do Brasil naquele momento, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou em 1955, em sua 8ª Assembleia Mundial, que a doença era o principal problema de saúde pública do planeta e precisava ser erradicada”. A resolução foi motivada, a princípio, pelo aumento da resistência dos vetores ao DDT, quando utilizado por um tempo longo.

A partir daí, a OMS passou a financiar apenas campanhas de erradicação, e não mais as de controle – como ocorria até então no Brasil. Assim, o governo JK – que punha ênfase no controle, e não na erradicação, da malária, e que via a enfermidade como um problema quase superado devido aos bons resultados obtidos no país com as ações de controle – mudou o discurso, para não perder verbas internacionais para suas ações de saúde, em especial os recursos que vinham do chamado Ponto 4 (a AID, Agência Internacional de Desenvolvimento).

Guarda anti-larvário do Serviço Nacional de Malária espalhando verde-paris em foco de Anopheles gambiae, transmissor da doença, no Ceará, em 1940

À frente de um governo que tinha muitos gastos, em especial devido à construção de Brasília, e em meio a uma crise financeira no meio de seu mandato, JK precisava do dinheiro de fora para tocar os projetos da saúde – e erradicar custa mais caro do que controlar. “A primeira sinalização da política de saúde do governo para a erradicação da malária foi a criação do Grupo de Trabalho de Erradicação e Controle da Malária em 1958, instalado dentro do (DNERu). No mesmo ano, porém, uma modificação na legislação determinou que o GTEM passasse a ser comandado pelo ministro da Saúde”, diz Silva.

O historiador diz que, segundo o ministro da Saúde da época, Mauricio Medeiros, o GTEM foi constituído para “atender” à exigência da OMS e da International Cooperation Administration (o Ponto 4) e para “acatar” a vontade do governo dos Estados Unidos. A Repartição Sanitária Pan-Americana e o Ponto 4 estavam empenhados em assistir o Brasil na questão da erradicação da malária. “Essas duas instituições de auxílio exigiam que a ajuda fosse repassada a um órgão especializado e exclusivamente dedicado à erradicação da malária. É nestes entrecruzamentos de interesses e estruturas nacionais que o GTEM foi criado. O ministro da Saúde assumiu o compromisso com a campanha da OMS sem discutir as especificidades culturais e geográficas do território brasileiro. Acreditava que, seguindo as diretrizes da Agência Internacional de Saúde, o Brasil alcançaria a erradicação da malária”.

Carroça transportando o compressor De Vilbiss, utilizado para expurgo domiciliar durante campanha contra o A. gambiae no Nordeste, em 1940

No entanto, de acordo com a tese recentemente defendida, a criação do GTEM, subordinado inicialmente ao DNERu, foi um tímido passo em direção à proposta da OMS. E o governo JK terminou, em 1961, sem ter cumprido a fase inicial do Programa de Erradicação da Malária, que previa a criação de uma legislação específica. Naquele ano, já no governo Jânio Quadros, o GTEM sofreu a primeira reformulação. “Foi criado um plano emergencial para corrigir as falhas do planejamento. Nem Mario Pinotti e nem JK eram mais governo. Pinotti, afastado no ano anterior do Ministério da Saúde, deixou a vida pública e também as atividades de malariologista. E o DNERu foi responsabilizado em parte pela situação crítica em que se encontrava a campanha. A estrutura administrativa do DNERu, centralizando os recursos e as ações, impossibilitava o funcionamento do GTEM”, avalia Silva. Depois de 1961, o programa passou a ser denominado de Campanha de Controle e Erradicação da Malária (CEM), que previa maior autonomia e a diminuição gradual das atividades de controle. Em 1965, já no governo militar, a CEM foi finalmente oficializada, pela criação de uma legislação específica, como orientava a OMS.

Silva diz que o programa de saúde de JK, com as 18 metas que pretendia cumprir, apresentou temas inovadores, sugeriu ações de saúde mais horizontais, mas não rompeu com o modelo de política de saúde verticalizado e centralizador que existia. “O discurso afinado e as ações conjugadas até 1960 de JK e Pinotti caracterizaram a saúde pública no período”. E assim a erradicação da malária ficaria para depois.

Publicado em 1º/7/2009.
--------------------------------------------------------------------------------

Copyright© - Agência Fiocruz de Notícias

CEM campanha de erradicação da malária

A MALÁRIA NO GOVERNO JK: A HISTÓRIA DO GRUPO DE TRABALHO
DE CONTROLE E ERRADICAÇÃO DA MALÁRIA NO BRASIL (1958-1961).
Silva, Renato da.
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde, Casa de
Oswaldo Cruz, Fiocruz, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Orientador: Gilberto
Hochman
Introdução: Neste capítulo, descrevo a organização do Grupo de Trabalho de
Controle e Erradicação da Malária (GTEM) criado em 1958. A criação do
GTEM pelo governo JK seria a primeira sinalização positiva em direção as
diretrizes da Organização Mundial da Saúde que propôs aos paises membros
em 1955 a transformação dos programas de controle em programas de
erradicação.
Objetivo: O objetivo deste capitulo é descrever o processo de conversão dos
programas de controle da malária existentes no Brasil em campanha de
erradicação da malária (CEM).
Materiais e Métodos: A coleta e a reunião toda a legislação referente a CEM.
A confecção de quadros comparativos. O estudo dessa legislação permitiu
visualizar a estrutura e as transformações da CEM entre os anos de 1958 a
1969.
Resultados: Os programas de controle da malária atingiram resultados
positivos, o que levou o próprio presidente Juscelino Kubitschek a não
considerar a malária como ameaça mais grave a saúde dos trabalhadores. Nas
documentações da época e nos discursos de JK e seus assessores em 1956, a
malária seria uma questão de saúde pública quase superada. O sucesso de
algumas campanhas e dos chamados serviços nacionais de saúde refletiu no
aperfeiçoamento da política de saúde publica nos anos 50. O
desmembramento do Ministério da Educação e Saúde em 1953, a criação do
Departamento Nacional de Endemias Rurais em 1956 e a elaboração do GTEM
em 1958 são exemplos significativos das transformações da saúde pública no
contexto nacional.
Conclusões: A análise inicial sobre a Campanha de Erradicação da Malária
(CEM) desenvolvida no Brasil mostra que esforço de conversão dos programas
de controle em planos nacionais de erradicação ocupou mais tempo do que a
própria campanha em si. Ou seja, a chamada fase preparatória da CEM durou
cerca de 7 anos (1958-1965), quando o recomendado pela OMS seria de
apenas de 1 ano. As ações de erradicação iniciaram em 1958 com a criação do
GTEM, mas os Decretos-Lei não representariam uma legislação especifica
sobre a Campanha, o que ocorreu somente em 1965. As recomendações da
OMS previam neste período preparatório a formulação legal da CEM. As ações
de erradicação antes de 1965 foram combinadas com ações de controle.

Criação da sucam abril de 1976 através da Resolução no 455

Superintendência do Campus - SUCAM
A Superintendência do Campus - SUCAM foi criada em abril de 1976, através da Resolução no 455, subordinada ao Reitor e com os objetivos principais de prover à operação, conservação e guarda dos bens móveis e imóveis do Campus e de outros integrantes do patrimônio da UERJ. O Ato Executivo no 795, de abril de 1976, regulamentou suas atividades e criou o Departamento de Operação e Conservação, o Departamento Administrativo e a Divisão de Serviços Gerais. Através do Ato Executivo no 1.080, de maio de 1980, passou a integrar a Vice-Reitoria. A Resolução no 503, de julho de 1981, vinculou-a à Sub-Reitoria de Coordenação Administrativa. Em janeiro de 1984, vinculou-se à Diretoria Geral de Administração - DGA, pelo Ato Executivo no 1.337.

Em abril de 1986, o Ato Executivo no 1.454 revogou o ato anterior, ficando a SUCAM diretamente subordinada ao Reitor, além de ter sido criado o Departamento de Operações e Controle - DOC, com a competência de operar e controlar toda a estrutura de funcionamento do Campus, sendo responsável pela Divisão de Serviços Auxiliares - DSA, Divisão de Avaliação e Controle - DAC e a Divisão de Prevenção de Acidentes - DPA; e o Departamento de Suprimentos - DES, com a competência de estocar, guardar e provisionar de todos os materiais, equipamentos e ferramentas necessárias ao suprimento da SUCAM e da SAD. Também foi criado, através deste ato, o cargo de Superintendente-Adjunto, posteriormente extinto através do Ato Executivo no 1.634, de setembro de 1988. Em julho de 1989, através do Ato Executivo n° 1.683, se fundiu com a Superintendência de Apoio e Desenvolvimento - SAD para criar a Superintendência de Apoio Operacional - SUAPO.

Superintendente -

- Caio Machado - abr/76 a set/81

- Jorge Luiz Pedreira - set/81 a mar/86

- Ediraldo Matos Silva - mar/86 a set/86

- Paulo Henrique Oliveira da Rocha Lins - set/86 a jan/88

- Paulo Márcio de Mello - 13/jan/88 a 01/fev/88

- Luiz Sebastião Costa - fev/88 a mar/88 - interino

- José Ilton Pinheiro Jornada - mar/88 a abr/89

- Sérgio Albieri - abr/89 a jul/89

Superintendente-Adjunto -

- Gilberto de Oliveira Carneiro Lins - jun/86 a jan/88

- Luiz Sebastião Costa - jan/88 a mar/88

- Paulo Alexandre Adler Pereira - 6/abr/88 a 7/jun/88

Diretor do Departamento de Operação e Controle - DOC

- Sérgio Roberto Pinho Lopes - jun/86 a fev/88

- Geraldo Luiz Ferreira Cerqueira - fev/88 a abr/88

- Waldete Alvarenga - fev/89 a mar/89

Diretor do Departamento de Suprimentos - DES

- Luiz Miguez Counãgo - jun/86 a nov/88

História da Saúde Pública Brasileira tenha início em 1808

Muito embora a história da Saúde Pública Brasileira tenha início em 1808, o Ministério da Saúde só veio a ser instituído no dia 25 de julho de 1953, com a Lei nº 1.920, que desdobrou o então Ministério da Educação e Saúde em dois ministérios: Saúde e Educação e Cultura. A partir da sua criação, o Ministério passou a encarregar-se, especificamente, das atividades até então de responsabilidade do Departamento Nacional de Saúde (DNS), mantendo a mesma estrutura que, na época, não era suficiente para dar ao órgão governamental o perfil de Secretaria de Estado, apropriado para atender aos importantes problemas da saúde pública existentes. Na verdade, o Ministério limitava-se a ação legal e a mera divisão das atividades de saúde e educação, antes incorporadas num só ministério. Mesmo sendo a principal unidade administrativa de ação sanitária direta do Governo, essa função continuava, ainda, distribuída por vários ministérios e autarquias, com pulverização de recursos financeiros e dispersão do pessoal técnico, ficando alguns vinculados a órgãos de administração direta, outros às autarquias e fundações.

Três anos após a criação do Ministério, em 1956, surge o Departamento Nacional de Endemias Rurais, que tinha como finalidade organizar e executar os serviços de investigação e de combate à malária, leishmaniose, doença de Chagas, peste, brucelose, febre amarela e outras endemias existentes no país, de acordo com as conveniências técnicas e administrativas.

O Instituto Oswaldo Cruz preservava sua condição de órgão de investigação, pesquisa e produção de vacinas. A Escola Nacional de Saúde Pública incumbia-se da formação e aperfeiçoamento de pessoal e o antigo Serviço Especial de Saúde Pública atuava no campo da demonstração de técnicas sanitárias e serviços de emergência a necessitarem de pronta mobilização, sem prejuízo de sua ação executiva direta, no campo do saneamento e da assistência médico-sanitária aos estados.

No início dos anos 60, a desigualdade social, marcada pela baixa renda per capita e a alta concentração de riquezas, ganha dimensão no discurso dos sanitaristas em torno das relações entre saúde e desenvolvimento. O planejamento de metas de crescimento e de melhorias, conduziram o que alguns pesquisadores intitularam como a grande panacéia dos anos 60 - o planejamento global e o planejamento em saúde. As propostas para adequar os serviços de saúde pública à realidade diagnosticada pelos sanitaristas desenvolvimentistas tiveram marcos importantes, como a formulação da Política Nacional de Saúde na gestão do então ministro, Estácio Souto-Maior, em 1961, com o objetivo de redefinir a identidade do Ministério da Saúde e colocá-lo em sintonia com os avanços verificados na esfera econômico-social.
Outro marco da história da saúde no âmbito ministerial ocorreu em 1963, com a realização da III Conferência Nacional da Saúde (CNS), convocada pelo ministro Wilson Fadul, árduo defensor da tese de municipalização. A Conferência propunha a reordenação dos serviços de assistência médico-sanitária e alinhamentos gerais para determinar uma nova divisão das atribuições e responsabilidades entre os níveis político-administrativos da Federação visando, sobretudo, a municipalização.

Em 1964, os militares assumem o governo e Raymundo de Brito firma-se como ministro da saúde e reitera o propósito de incorporar ao MS a assistência médica da Previdência Social, dentro da proposta de fixar um Plano Nacional de Saúde segundo as diretrizes da III Conferência Nacional de Saúde.

Com a implantação da Reforma Administrativa Federal, em 25 de fevereiro de 1967, ficou estabelecido que o Ministério da Saúde seria o responsável pela formulação e coordenação da Política Nacional de Saúde, que até então não havia saído do papel. Ficaram as seguintes áreas de competência: política nacional de saúde; atividades médicas e paramédicas; ação preventiva em geral, vigilância sanitária de fronteiras e de portos marítimos, fluviais e aéreos; controle de drogas, medicamentos e alimentos e pesquisa médico-sanitária.

Ao longo destes quase cinqüenta anos de existência, o Ministério da Saúde passou por diversas reformas na estrutura. Destaca-se a reforma de 1974, na qual as Secretarias de Saúde e de Assistência Médica foram englobadas, passando a constituir a Secretaria Nacional de Saúde, para reforçar o conceito de que não existia dicotomia entre Saúde Pública e Assistência Médica. No mesmo ano, a Superintendência de Campanhas de Saúde Pública - SUCAM - passa à subordinação direta do Ministro do Estado, para possibilitar-lhe maior flexibilidade técnica e administrativa, elevando-se a órgão de primeira linha. Foram criadas as Coordenadorias de Saúde, compreendendo cinco regiões: Amazônia, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste, ficando as Delegacias Federais de Saúde compreendidas nessas áreas subordinadas às mesmas. As Delegacias Federais de Saúde deixavam, assim, de integrar órgãos de primeira linha. É criada também, a Coordenadoria de Comunicação Social como órgão de assistência direta e imediata do Ministro de Estado e instituído o Conselho de Prevenção Antitóxico, como órgão colegiado, diretamente subordinado ao Ministro de Estado.

Do final da década de 80 em diante, destaca-se a Constituição Federal de 1988, que determinou ser dever do Estado garantir saúde a toda a população e, para tanto, criou o Sistema Único de Saúde. Em 1990, o Congresso Nacional aprovou a Lei Orgânica da Saúde que detalha o funcionamento do Sistema.

disque saúde 0800 61 1997
Ministério da Saúde - Esplanada dos Ministérios - Bloco G - Brasilia / DF
CEP: 70058-900

Historia da sucam

..Sucam

Da Sucam, órgão que resultou da fusão do Departamento Nacional de Endemias Rurais (DENERu), da Campanha de Erradicação da Malária (CEM) e da Campanha de Erradicação da Varíola (CEV), a Fundação herdou experiência e conhecimento acumulados, ao longo de várias décadas, de atividades de combate às endemias de transmissão vetorial, que transformaram a Sucam no órgão de maior penetração rural no país. Sua estrutura operacional estava presente em todos os Estados brasileiros.

Não há localidade no interior do Brasil, por mais remota, que não tenha sido periodicamente visitada por guardas da Sucam. A eficiência e a disciplina desses servidores sempre foram reconhecidas pela população e pelas autoridades locais. Sua estrutura de campo foi também utilizada na execução de outras atividades de saúde pública, fora do âmbito de suas responsabilidades institucionais. Tinha como finalidade o controle ou erradicação das grandes endemias no Brasil, desenvolvendo quatro Programas de Controle de Doenças: Chagas, malária, esquistossomose e febre amarela, bem como cinco Campanhas Contra: a filariose, o tracoma, a peste, o bócio endêmico e as leishmanioses. Possuía em todas as unidades federadas diretorias regionais, que tinham em sua estrutura distritos sanitários, totalizando oitenta em todo o país, sendo essas as unidades responsáveis pela operacionalização de atividades de campo.

A Sucam foi legítima herdeira de um dos mais antigos modelos de organização de ações de saúde pública do Brasil, denominado sanitarismo campanhista. Esse modelo teve como premissa a revolução pasteuriana (alusão ao cientista francês Louis Pasteur) e foi implemantado pelo médico-sanitarista Oswaldo Cruz, na primeira década do século XX.

Ex-guardas da Sucam reclamam tratamento para intoxicação por DDT

Ex-guardas da Sucam reclamam tratamento para intoxicação por DDT
Na região amazônica, enfrentando a mata e a correnteza dos rios, os ex-guardas da extinta Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam)
passaram anos no combate ao mosquito da malária. Hoje, depois de tanto tempo dedicado à saúde pública, centenas desses profissionais estão doentes e reclamam na Justiça um tratamento mais adequado por parte do Governo.
O pedido de socorro dos ex-guardas da Sucam é tema de uma série de três reportagens especiais do Câmara Hoje. Nesta primeira, a repórter Cláudia Brasil mostra a extensão dos danos supostamente causados por um inseticida na vida de brasileiros tão comuns quanto indefesos.
Francisco, Genival, Arnaldo, Raimundo, Antônio, Sebastião, João... a história deles é bem parecida. Ontem, guardas da extinta Sucam, defendiam a população contra a malária. Hoje, lutam para recuperar a própria saúde. Como centenas de outros ex-guardas da Sucam, eles se dizem vítimas de intoxicação pelo DDT, o inseticida usado no Brasil por 50 anos para matar o mosquito transmissor da malária.
Os sintomas que eles têm manifestado são basicamente os mesmos e estão descritos no manual que era distribuído aos inspetores das equipes de guardas da Sucam há mais de 30 anos. Os ex-guardas contam que a borrifação do inseticida obedecia a normas muito rígidas, já a manipulação e o preparo do DDT não. Para os ex-guardas da Sucam, o contato constante e prolongado com o inseticida, e sem qualquer proteção abriu caminho para a intoxicação. Eles mostram exames que comprovariam os vários problemas de saúde.
Em Marabá (PA) e em Rio Branco (AC) os ex-guardas reclamam da falta de assistência. Eles se sentem esquecidos pelo poder público, principalmente depois do fim da Sucam quando passaram a fazer parte da Fundação Nacional de Saúde (Funasa).
Os combatentes da malária se organizaram. No Pará, uniram-se ao Sindicato dos Servidores Públicos Federais. No Acre, fundaram a Associação DDT e a Luta pela Vida. As ações são separadas mas o objetivo é o mesmo: recuperar a saúde e a dignidade dos ex-guardas da Sucam.

Créditos
José Cardoso da Rocha - Agente de saúde (AC)
Antônio Eugênio Martins - Agente de saúde (AC)
Francisco Pereira da Silva - Agente de saúde (PA)
Luiz Magno de Souza Ribeiro - Agente de saúde aposentado (PA)
Claudia Brasil – Repórter
Arnaldo Lopes de Souza - Agente de saúde (AC)
Raimundo Pereira da Silva - Agente de saúde (PA)
Ana Lúcia dos Santos Paiva - Professora
Neide Solimões - Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (PA)
Aldo Moura da Silva - Associação DDT e a Luta pela Vida (AC)
José Cardoso da Rocha
Francisco Pereira da Silva
Genival Rodrigues do Nascimento - Agente de saúde (PA)
Imagens - Edson Cordeiro
Auxiliar de cinegrafista - Alessandro Oliveira
Edição - Glória Varela e Wagner Pereira