Os Madereiros que estavam acampados para a exploração do manejo de maderira, proxima a aldeia Indigina Interapa à 56 Km da Cidade de Ji Paraná, estavam infectados com a malária foram picados pelo pernilongo que picou os índios, sendo assim doeceram varios deles;
Malária é uma doença séria e que pode ser fatal. É causada por um parasita chamado plasmódio, transmitido pela picada da fêmea do inseto Anófeles. Após ele picar uma pessoa infectada, o parasita cresce nos intestinos do mosquito por uma semana, então migra para suas glândulas salivares, onde é transmitido para o homem durante a picada.
Com esse fato imediatamente as equipe da Funasa em parceria com a secretaria municipal de saude realizou atividades de aplicação de inseticida em forma de fumacê, para interromper a malaria..
Adelino
Madruga em ação no combate á Malaria
Valdir Madruga e os Indinhos
Política pública e saúde:
o caso da malária no Brasil
Marcos A.E.L.S. Coimbra."
http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=7381596829005815252&postID=845092850005051021
Apresenta-se aqui uma análise sobre a situaçlo da malária no País, as téení-
cas de combate empregadas através dos tempos e a necessidade de se tomarem
medidas mais eficazes para enfrentar esta moléstia que, segundo o autor, "ao con-
trário de outras, depois de seguir uma evolução em tudo parelha, sugerindo que
fosse deaaparecer de muitas áreas e estabilizar·se nas demais, readquiriu notável
velocidade de expansão, invertendo radicalmente as tendências anteriores".
De todas as moléstias com as quais a população brasileira convive desde o pas-
sado mais iongfnquo, a malária é a que apresenta o comportamento mais singular. A
variola já desapareceu e a peste se limita hoje a pequenos e muito raros surtos. A
paralisia infantil, a hanseníase e a tuberculose encontram-se em declínio, sendo a
erradicação da primeira algo que podemos vislumbrar para um futuro próximo. A
febre amarela é um fantasma que ronda nosso futuro, ameaçando reinstalar-se em
multas cidades, mas que só se materializará se o permitirem nossas autoridades
sanitárias, pois os remédios para evitá-Ia são perfeitamente conhecidos e acessíveis.
O surto de dengue no Rio de Janeiro em 1986 apenas revela o descaso com que se
enfrentou urna doença facilmente erradicável.
A malária não, Depois de seguir uma evolução em tudo parelha de outras
doenças, que sugeria fosse desaparecer de muitas áreas e estabilizar-se nas demais,
a malária readquiriu notável velocidade de expansão, invertendo radicalmente as
tendências anteriores. Podemos constatar esse comportamento na tabela 1, que
mostra a evolução da doença no Brasil nos últimos 20 anos.
A tabela I ilustra adequadamente o fenômeno apontado. Depois de decli-
nar entre os dois primeiros períodos considerados, a média de casos sobe sistema-
ticarnente a partir de 1975, chegando aos quase 400 mil casos no ano de 1985.
Ela também revela uma "amazonízação" da doença, observável ainda quando dí-
minuíram os totais do País, o que sugere que desde quando começou seu recrudes-
cimento não eram eficazes na Amazônia as respostas que estavam dando certo no
restante do País.
Muito do que da tabela revela pode ser atribuído ao processo de ocupação da
Amazônia, que trouxe levas de migrantes despreparados para regiões de alta ende-
micidade. Ela também mostra, porém, o quão incapaz foi a política brasileira de
combate ã malária em efetívamentedebelã-la.
• Do Cedeplar - DCPIUFMG
â
"n61. I Ccnl·, Belo HOfizonte, 2 (1): 72-90, lan.fobr. 1987
TABELA 1
EVOLUÇÁO DO NOMERO DE CASOS DE MALÁRIA NOBRASIL
POR OÜINOÜÊNIOS
1965 - 85
PERI'ODO
1965 - 1969
1970-1974
1975 - 1979
1980 - 1964
1985
Fontes: TAUIL, P. L. Malária:
de Janeiro, 2(12):58·63, mltio/jun. 1984.
BRASIL. Ministério da Saúde. SUCAM. O controle das endemia5 no Brasil (de 1979
a 1984). Brasflia, 1985. p. 24.
MARQUES, A, C. "Hístéria da malária no Brasil e especialrnenle em Rondônia. s.n.t.
p.6. Trabalho apresentado na Jornada de Malariologia, Porto Velho, 1986.
(1) ','Amazônia" corresponde à definição da Amazônia legal, compreendendo os Estados e Terri-
tórios do Amazonas, Pará, Acre, Rondônia, Mato Grosso, Amapá e Roraima, além do oeste do
Maranhão e norte de Goiás.
(2) Em 1984, somente computadas as informações sobre o I? semestre para a área não-ama-
zônica.
Para corroborar esta afirmativa, podemos considerar a tabela 2, que contém
informações sobre a evolução dos fndices Parasitários Anuais (IPA), que, ao dividir
o número de casos confirmados de malária por mil habitantes, controla o efeito do
simples crescimento da população, fornecendo uma medida da "gravidade" da sí-
tuação epidemiológica.
Na labela 2, podemos ver que, à exceçao do ano de 1979, a gravidade da
doença sempre aumenta na Região, apresentando sinais de melhora, mesmo que dis-
creta, apenas no ano de 1985. Em que isso pese, vemos que a malária era, no último
ano considerado, cerca de três vezes mais grave que em 1978, em pleno ascenso da
doença.
Assim, é insuficiente como explicação do aumento do número de casos afír-
marque estes Cresceram pelo aumento da população. Isso é verdade, mas a maior ín-
eidência relativa da malária na atualidade tem outras causas, estas derivadas dos
insucessos que a política sofreu ao enfrentá-la.
Vamos, neste texto, discutir qual foi e como se comportou a política brasilei-
ra de combate à malária. Por razões que adiantaremos a seguir, nosso foco será pos-
to na Superintendência de Campanhas de Saúde Pública, a SUCAM, agência do
Ministério da Saúde que se encarrega das atividades do Governo Federal Brasileiro
nesse campo. Discutir a política é discutir a própria SUCAM, pois, como vemos,
com a única exceção do Estado de São Paulo, é ela que centraliza e executa a polí-
An6J. • Conl., gelo Horizonte, 2 ('): 72.90, IgnJab,. 1987
73
BRASIL
6B446
70414
107526
121 25146B
399462
agrava-se o quadro da doença no Brasil. Qência Hoje, Rio
AMAZON IA .111
52219
54198
100 775
243900
364603
% AMAZONIA
60,5
76.9
73.7
96.9
96,2
tica em sua globalidade, ficando de fora de sua alçada apenas o tratamento hospita-
lar dos casos resistentes à medicação por ela distribuída.
TABELA 2
EVOLUÇAO DO IPANA REGIAO AMAZONICA
ANO
1978
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1978 - 85
IÍIIDlces PARASITARIDS ANUAIS
8.3
13,4
15,4
15.0
16.0
20.7
25.3
23.7
Fontes: PINHEIRO, E.A. Experiência brasileira na Amazônia. s.n.t. p.9.
MARQUES, A.C. História da malária no Brasil e especialmente em Rondônia. s.n.t.
p.S. Trabalho apresentado na Jornada de Malariologia, Porto Velho, 1986.
Organizaremos nossa argumentação em duas seções, Na primeira, estaremos
considerando a evolução histórica da política, até o momento contemporâneo,
sob a égide da SUCAM. Na segunda, procuraremos fazer um balanço de seu de-
sempenho atual na Amazónia, olhando em mais detalhe a situação de algumas das
Diretorias Regionais da SUCAM sediadas nas capitais dos Estados e Territórios da
região.
A EVOLUçAo DA POLITICA
A malária, ou doenças de sintomatologia idêntica à dela, é conhecida no
Brasil desde os primórdios da colonização, ainda que, como sabemos todos, só
nos finais do século XIX tenham sido compreendidas sua causação e transmissão.
Já no século XVIII Alexandre Rodrigues Ferreira distinguia diversas "febres in-
termitentes" ou "maleitas", classificando-as em "quotidianas", "terçãa" e "quar-
tãs", Para todas, recomendava poções onde a quina em pó aparecia, louvada como o
melhor febrífugo disponível (Ferreira, s.d., p. 73-83).
Se a profilaxia pode até parecer-se com a atual, a explicação antiga das cau-
sas da doença em tudo difere da contemporânea. Segundo o mesmo Ferreira (s.d.,
p.74) as febres intermitentes mais afetavarn aos "obesos, golotoens e poltroens",
cuja "intemperança" os tomava especialmente propensos a ela. Para contraí-las,
inúmeros fatores concorreriam: a ingestão de "alimentos crus e indigestos", de
"frutos de má qualidade", e ainda os "que têm boa, porém 51"0 comidos ou imode-
radamente ou verdes ou quentes ao sol"; o "acesso das Lebrínas, das friagens e
das estações chuvosas"; a moradia em habitações de lugares úmidos e pantano-
sos, onde o ar e a água s:ro impuros; o hábito de "banhos no rio intempestivos,
lavagens em charcos e água estagnadas".
74
AnÓl. a ConJ., B.lo Horlz:onte, 2 (1): ~.90, ian.lobr, 1961
A descoberta da etiologia da doença sepultaria diversas dessas suposições,
defmindo não mais do que dois inimigos contra os quais lutar: o vetor e o plas-
módio. O combate à malária toma-se, assim, possível, logo se traduzindo nos
primeiros grandes esforços de controle da doença, empreendidos pelos america-
nos em Cuba e no Panamá.
Entre esses acontecimentos, que ocorrem na virada no século XX e a cria-
ção da primeira agência do Governo Federal Brasileiro dedicada à luta contra a
malária no País inteiro, passaram-se cerca de 40 anos. Foi em 1941 que surgiu
o Serviço Nacional de Malária (SNM) inaugurando· uma genealogia de instituições
que desemboca na modema SUCAM.
A SUCAM emergiu de um processo de desenvolvimento institucional carac-
terizado por uma alternância contínua entre os pólos da especialização (quando
agências estritamente antimaláricas prevaleceram) e da diversificação (quando as
atividades de combate à malária integravam o rol de responsabilidades de organís-
mos mais generalízantes), Esta última é a situação atualmentevigente, que não de-
ve, porém, ser entendida como resultado de uma suposta "racionalização" contem-
porânea, trazida pela "modemízação". A subordinação da política a estruturas
mais amplas já tinha acontecido no passado, quer seja no final da década de 40 ou
nos meados dos anos 50.
Estas mudanças no desenho da política e muitas das características que ela
revela desde o início podem ser, pelo menos em parle, explicadas pelo peso de fato-
res internacionais nas atividades antimaláricas no Brasil. Estes assumiram diversas
formas durante os últimos 45 anos e, mesmo antes que uma política nacional
emergisse, foram decisivos.
É difícil imaginar que qualquer uma das medidas tomadas por alguns gover-
nos muuicipais no combate a vetores, nos anos 20 e 30, tivessem surgido sem a as-
sistência técuica e financeira da Fundação Rockfeller. A Fundação de novo de-
sempenharia papel crucial no fmal dos anos 30, desta feita na erradícação do A.
Gambiae do Nordeste do País. Em meio a esta campanha, os especialistas da Funda-
ção Rockfeller encorajaram o Governo Federal a criar a sua primeira agência espe-
cializada, o Serviço de Malária do Nordeste (SMN), o antecessor imediato do SMN.l
Com o início da aplicação dos inseticidas residuais em 194546 (mais uma
vez o apoio de agências externas), a política antimalárica atingiu níveis até enteo
não alcançados. Com o DDr, tornou-se possível imaginar urna solução para proble-
mas que haviam afligido O País desde os tempos coloniais. Isto, naturalmente, tam-
bém provocaria Uma elevação de status para O SNM, concedendo-lbe mais prestí-
gio e mais credibilidade do que havia até então gozado.
Nos dez anos seguintes, a política antimalárica capitaneada pelo SNM pos-
teriormente absorvido pelo Deparlamento Nacional de Endemias Rurais (ONERu)
ao mesmo tempo teve sucesso e falhou em seu esforço de controlar a doença. No
leste do País, assim como em, virtualmente, toda a região costeira, a malária veio
a se tomar um problema menor. No entanto, no Oeste e. principalmente. na Ama-
1 Parauma discussão pitoresca desses acontecimentos, ver Hackett (1949).
Anã!. a Conl·, Belo HOrilonte, :2 (1), 72-90, ion./abr. 1987
75
zõnía, a doença guardou a gravidade da época pré·OOr (Brasil. Ministério da Saú-
de. Departamento Nacional de Endemias Rurais. GTEM, 1964).
Este insucesso relativo foi atribuído à dificuldade do combate à malària na-
quele contexto e não a qualquer problema intrínseco à estratégia adotada. Esta
dependia, exclusivamente, nas operações duplas de bornfação intradomiliciar com
Dor e tratamento de casos com medicamentos à base de aminoquínolinas, sendo
tantos os inseticidas, quanto as drogas, recebidos como ajuda internacional do Go-
verno norte-americano e de outras agências com a Organização Mundial de Saú-
de (OMS) (Brasil, Ministério da Saúde... 1964, seção 3). Qualquer outra possível
solução, como o ataque a criadouros, foi literalmente abandonada.
Uma importante transição ocorreu da VIU Conferência Mundial de Saúde,
onde o princípio da erradicação foi adotado e aprovado por todos os Países endê-
mícos, feitas algumas ressalvas. No Brasil, as implicações disso foram uma maior
alocação de recursos para o programa antimalárico e uma independência recon-
quistada para a agência dele encarregada. A Campanha de Erradicação da Malá·
ria (CEM), que emergiu desde dentro do ONERu, funcionaria formalmente como
apenas um agente executivo, mas, na verdade, tomou-se gradualmente indepen-
dente, até mesmo porque os recursos que administrava ultrapassaravam os do
DNERu.
É relevante observar que a estratégia perseguida durante a "fase de erradi-
dação" serviu como poderoso reforço do estilo pós·1946 que o SNM adotou no
Brasil. Ela consistia em um desenho de política que deixava pouco, se algum, lu-
gar para a participação de outros atores, fossem eles outras burocracias governa-
mentais, organizações comupitárias, empresas ou agências locais. O pressuposto
subjacente era de que tudo o que o SNM e sua sucessora, a CEM, precisavam para
erradicar a malária era mais dinheiro, estando suas opções e estratégias fundamen-
tais corretas. Em outras palavras, que urna agência forte e bern-fínancíada para su-
pervisionar a aplicação do DOr e o fornecimento de medicamentos bastava para
eliminar a malária no Brasil.
O tempo mostraria gue essa hipótese era incorreta. Se é verdade que a doen-
ça quase desapareceu em algumas áreas, isso se deu apenas onde a malária já Vinha
declinando sensivelmente desde a década anterior. Pode-se, portanto, dizer que,
durante os 60, e apesar do crescente investimento na erradícaçãc, a malária contí-
nuou a ser um problema grave nas regiões que até então tinham mostrado pouco
progresso em seu controle (Morta, 1978, p.433).
d otimismo dos meados dos anos 50, sintetizado na própria noção de "erradi-
cação", foi sendo gradativamente substituído por um realismo desencorajado no
início dos anos 70. Não somente no Brasil, mas também em outras partes do muno
do, a erradicação tinha-se mostrado uma meta ambiciosa demais, exatamente nas
regiões onde era mais severa. As estratégias disponíveis tinham, a bem dizer, se re-
velado ineficazes e mantinham-se nem que fosse sugerida a necessidade de novas
concepções e novos estilos operacionais para enfrentar a doença.
Curiosamente, o que veio de fato a acontecer foi uma simples redefíníção
semântica no sentido da palavra erradicação. Dado que em algumas áreas a erra-
dicação avançava muito lentamente, preferiu-se considerá-la "irrealizável a curto
76
Aná!. a Ccnl., Belo Horizonte, 2 (1): 72·90, fan./abr. 1987
prazo", com isso estabelecendo-as como áreas onde apenas o "controle" da ma-
lária era possível. Como decorrência dessa mudança, os recursos internacionais
começaram a diminuir, na medida em que a esperança da erradicação em que se
assentavam desaparecia.
Tal decréscimo no fmanciamento externo teve dois efeitos internos prin-
cipais. Em primeiro lugar, significou que a situação prévia de abundância de re-
cursos para a política mudaria para pior. Em segundo, e não independente do an-
terior, que a agência dela encarregada começou a perder sua automonia. Um pro-
grama independente não se justificava mais e a SUCAM, a sucessora do DNERu,
o aboliu.
o início dos anos 70 é designado na literatura produzida pela SUCAM como
os anos "negros" ou "de crise". Da fato, foi um período em que a política atingiu
seus níveis mais baixos, faltando-lhe suporte tanto financeiro quanto político. Sem
as transferências externas de inseticidas e remédios, o País tinha de descobrir fontes
internas para abastecer-se, bem como inventar os recursos fmanceiros para pagá-Ias.
Além disso, a SUCAM não podia mostrar um desempenho prova de qualquer crí-
tica, pois a malária continuava a infestar a região amazônica, apesar dos maciços
investimentos do passado. Para piorar ainda mais o quadro, o apogeu autoritário
no Governo Médici ensejava uma redução drástica na política social brasileira em
geral, particularmente dos programas voltados para os segmentos mais periféricos
da população. 2
Seria de se supor que uma situação como essa encorajaria os responsáveis pe-
lo programa a buscar soluções alternativas e novos métodos de ação. Ao contrário,
porém, a SUCAM não reagiu assim ãs novas circunstâncias financeiras e políticas,
mas manteve-se rigidamente aferrada ãs orientações que perseguia desde 1946. Em
outras palavras, ela optou por enfrentar os anos "negros" com uma versão apenas
drasticamente diminuída daquilo que antes fazia em estilo grandioso. Para a SU-
CAM, era como se sua política estivesse correta, somente lhe faltando um adequado
fínancíamento, que, se existisse, garantiria o sucesso. Os muito modestos resultados
obtidos na Amazônia durante a fase de erradicação foram simplesmente desconsi-
derados.
Para explicar essa incongruência, devemos lembrar que a tradição pode ser
tanto funcional como disfuncional para um órgão como a SUCAM. É através da
tradição que se consolidam e transmitem rotinas operacionais, assim como se socia-
lizam novos funcionários. Para uma burocracia como a SUCAM, que se espalha
por todo O território nacional, a tradição pode também ser um fator primordial
de coesão.
Por outro lado, no entanto, a tradição pode paralisar a Inovação, bloquean-
do a busca de novas soluções e/ou redescoberta de antigas. O peso da tradição é
especialmente oneroso para uma burocracia quando ela se defronta com a neces-
sicade de transições institucionais, pois irdbe o surgimento de soluções criativas
. a situações de crise.
â
2 Sobre este processo ver Santos (1979).
Anã!. a COr'li., Belo Horl2onte, 2 (1): 72·90, jan./obr. 1987
77
Em grande medida, é isto que vem acontecendo com a SUPAM e com a po-
lítica brasileira de combate à malária nestes últimos dez anos. Pode-se dizer que as
razões do rápido sucesao em diversas partes do País silo hoje os principais obstácu-
los a um desempenho mais vigoroso na Amazônia. O declínio da malária que se
seguiu à criação do programa nos anos 40 sugeria que as opções entllo tomadas
estavam corretas. Por que, então, mudá-Ias?
Mas, mesmo naquela época, a Amazônia colocava problemas que as respos-
tas adotadas não resolviam. Por Isso, a CEM chegou até a ensalar algumas estratégias
peculiares na área, como o atualmente abandonado emprego de "Método Pinotti",
de enriquecer com cloroquina o sal de cozínha.é Ele veio a se mostrar ineficaz, mas
o relevante no caso é constatar que os problemas específicos da Amazônia começa-
vam a ser reconhecidos.
A febre da erradicação não fez mais que obscurecer a procura de um desenho
de politica mais adequado à região. A persuaçllo e o estímulo internacionais, na
forma de recursos a custo zero, ajudaram a conformar uma politica anti-malárica
na Amazônia que foi um simples carbono das estratégias adotadas no mundo intei-
ro, como se problemas especiais não exigissem soluções igualmente especiais.
Muito da estagnação atual da SUCAM deriva dessa fase em sua histôrla, dedi-
cando-se a instituiçllo a praticar aquilo que aprendeu naquela altura, ainda que a
realidade sugira que abordagens alternativas sa:o necessárias. Com algumas exceções,
a SUCAM ainda é urna burocracia auto-suficiente, que continua a acreditar que o
dia virá em que imensas quantidades de DDr e de aminoquinolinas estarão à Sua
dísposição para dístríbuíção em massa.
De fato, se essas quantidadel se materializarem, serllo bem-vindas. Por maio-
res que sejam, contudo, não serão suficientes. Se a malária é para ser efetivamente
combatida na Amazônia, uma cornbinação mais complexa de estratégias será sem
dúvida necessária. A borrífação domiciliar com o DDr e o tratamento medicamen-
toso são, certamente. partes dela, mas novas respostas (ou o uso renovado de anti-
gas) slIo indispensáveis. Maior partícípação comunitária, mais educação infantil e
popular, prevenção e/ou eliminação de criadouros, controle biológico de larvas,
ete., serão, provaveirnente, peças dos novos programas mais abrangentes que pen-
samos.
Podemos nos perguntar sobre quais as mudanças internas à SUCAM que se
exigem para a adoção de programas assim concebidos. Para responder, vamos pre-
cisar maiores informações sobre a estrutura atual, os problemas percebidos e a
adaptabilidade da SUCAM. Para tanto, vamôs observá-Ia, na próxima seção, em ope-
ração na Amazônia, olhando para algumas de suas díretorias na região, Com isto,
esperamos começar a entendê-Ia, ela que com certeza exerce um papel crucial no
controle da malária no Brasil, tanto hoje quanto exercerá no futuro discernível.
Para uma descrição do "Método Pínottí", ver Pinotti (1954). Ver também Bustamante
(1959).
An61. • Cenl., Belo Horizonte, 2 (1): 72-90, lan./abr. 1997
A SUCAM NA AMAZONIA: PASSADO E PRESENTE
A SUCAM opera na região amazônica da mesma maneira que no resto do
Pais, através de Diretorias Regionais com sede nas capitais dos Estados e Territó-
rios. Entendendo a Amazônia Como constituida pelas unidades da Federação que
integram a chamada Amazônia Legal, isto significa que temos nove diretorias a
considerar: as do Pará, do Mato Grosso, de Rondônia, do Acre, do Amazonas, de
Roraima e do Amapá mais as do Maranhl!o e de Goiás, por estarem partes destes
Estados dentro dos limites "legais" da Amazônia.
As ações mais efetivas da política brasileira contra a malária começaram, pa·
radoxalmente, com retardo na Amazônia. Nilo que ela estivesse excluída de qual-
quer cobertura, mas no sentido de que demorou até que fosse incluída com algurna
prioridade na política. Assim, embora fosse a região de mais elevada endemícídade,
as áreas costeiras e o leste do Pais consumiram, até o final dos anos 50, a maior par-
te dos recursos alocados no programa.
Nos anos 40, prevaleceu na Amazônia uma repartição de responsabilidade
dentre as agencias federais de saúde algo esdrúxula no que refere às atividades antí-
malãrícas, Embora já existisse desde 41 um serviço que se pretendia "Nacional" de
Malária, a defínição da nacionalidade, curiosamente, parecia não incorporar a re-
gíão, pois nela as tarefas do combate à malária eram delegadas ao Serviço Especial
de Saúde Pública, o SESP, atualmente Fundação SESP, FSESP. 4
o que há de notável no caso é observar que um desenho de política que
aparentemente se considerava recomendável para o resto do País, com uma agên-
cia especializada, centralizando o conjunto das ações, ficava ausente da Amazônia,
a região mais vuínerável à doença. O argumento de que o SESP teria uma tal es-
pecialização regional que compensava sua ausência de vocação para a malária não
se sustenta, bastando notar que era ele também uma agência jovem, recém-criada
no mesmo ano de 1941.
O que podemos considerar "desprivilegiamento" da Amazônia na política
fica ainda mais visível quando lembramos que o SESP era um serviço "especial"
em mais de um sentido, na medida em que tinha sido inaugurado com a fmalidade
precípua de sanear as áreás rurais que fossem por alguma razão relevantes para a
economia de guerra. Não por outro motivo, o Governo Norte-Americano se dis-
pôs a custeá-lo no início, o que explica que o SESP tivesse dirigido, senão a tota-
lidade, pelo menos o melhor de suas atenções para as localidades produtoras de
borracha, de quartzo e de mieas, matérias-primas estratégicas para as indústrias
de explosivos. Estas certamente não eram produzidas no conjunto do Brasil ruo
raI e arnazônico. Pelo contrário, circunscreviam-se a algumas subãreas no Nordes-
te, do Vale do São Francisco e dos Estados da regiro amazônica. Por tudo isso,
afirmar que o SESP cuidava da malária na Amazônia é um exagero, sendo mais
verdadeiro dizer que o fazia apenas em pontos isolados da região, aqueles de maior
relevância para a produção da borracha.
4 Sobre este processo Ver Farias (l948,p. 315-86).
Anól. a Conl... Selo Horizonte, 2 (1): 12_90, lan.lobr. 1981
19
Quando a "Era DDT" começa em 1946-47, o SNM não teve dificuldades em
reivindicar para si a cobertura da Amazõnia. De um lado, tínhamos no SESP uma
Instituição que periclitava, pois via extintas, com o fim da guerra, as motivações
originais que a justificavam. De outro, o SNM, uma agência dinâmica e fortalecida
pelos sucessos trazidos pela introdução do DDT no restante do País. Do embate
entre ambas, só poderíamos mesmo esperar uma derrota do SESP e uma sensível
ampliação do poder institucional do SNM.
Veja-se que esse dinamismo do SNM não se manifestava apenas em seu es-
forço por crescer horizontal e geograficamente, ao ponto de justificar o apodo
nacional de seu nome. Ele também se traduziu em uma bem-sucedida procura
por expandir-se para outras doenças, o que alcançou logo a seguir quando entram
no rol de suas responsabilidades os cuidados com a doença de Chagas, em 1949,
e com a filaríose, em 1951. 5
Tínhamos, portanto, nesse início da década de 50, já um embrião de uma
agência que, a partir da malária, tinha-se gradativamente tornado uma verdadeira
ínstítuíção de combate a diferentes endemías rurais. Capitaneada por Mário Pinot-
ti, nela operava uma competente equipe de malariologistas e de funcionários de
linha, alguns recrutados do único outro órgão de saúde pública comparável no
SNM, o Serviço Nacional de Febre Amarela, que dispunha de capacidade ociosa
em seu próprio sucesso na luta contra aquela doença.
Foi assim, mostrando competência institucional, que o SNM pôde propor,
em 1956, legalizar o que já ocorria de fato, engolindo os diferentes "serviços"
especializados existentes e fundindo-se no Departamento Nacional de Endemias
Rurais, o DNERu, já referido atrás. Devemos ver a criação deste último, a ser cor-
reta esta interpretação, não como uma derrota do SNM, ainda que ele também de-
saparecesse no departamento, mas como sua vitória maior, o que pode ser corro-
borado pelo fato de ter sido exatamente a equipe de Mário Pinotti que passou a
dirigi-lo.
Essa situação, na qual o DNERu, Mário Pinotti e seu grupo navegavam com as
velas pandas, logo se alterou para pior. Do ápice de sua glória, manada por sua as-
censão ao cargo de Ministro da Saúde, Mário Pinotti despenca subitamente) caindo
no mais literal ostracismo. No curto espaço de três anos, tudo muda para aqueles
malariologistas e quando, no início da década de 60, deslancham as atividades da
Campanha de Erradicação da Malária, bafejadas pelos ventos favoráveis da ajuda
internacional, já era outra a realidade no comando do programa. Não por coinci-
dência, o DNERu perde o controle da Campanha, reinstalando a figura de uma ins-
tituição especializada para dirigi-la.
Todas essas idas e vindas burocráticas deixaram poucas 'marcas na região
amazõnica. É certo que o SNM e o DNERu lá atuaram, mas nada indica que tenham
realizado operações em grande escala. As maiores capitais e as principais cidades da
bacia Amazónica foram provaveimente cobertas, mas quando, em 1962, a CEM
começa suas atividades de borrifação domiciliar na Amazônia, a vasta rnaiona da
5 Ver. a respeito, as Portarias Ministeriais de 6 de dezembro de 1949 e 09 911. de 28 de
agosto de 1951, que, respectivamente, delegam competência ao SNM para cuidar da Doen-
ça de Chagas e da Filariose no Brasil.
Anál. a Conj., Belo Horb:onht, :2 (1), 72-90, ian.labr. 1987
região estava ainda sem qualquer atendimento ou então o vinha recebendo de ma-
neira muito irregular e esporádica.
Passaram-se, portanto, mais de vinte anos até que o programa antimalárico
brasileiro chegasse à Amazônia com um míuimo de qualidade de cobertura. De
1941 a 1962 é verdade que algo fizeram o SESP, o SNM, o DNERu e a CEM, mas
certamente foi pouco perante a gravidade da endemia na regiãc,
Para sermos mais exatos, não devemos dizer que nesses vinte anos a polítí-
ca pouco realizou na Amazônia mas que, pelo menos uma vez, esse pouco foi feio
to de maneira inteiramente equivocada. Trata-se da já mencionada opção pelo
"Método Pinotti", que convém comentar agora com algum vagar.
De início, há que saudar a atitude da CEM em procurar uma estratégia de
combate ii malária na Amazônia que reconhecia as especificidades e peculiaríds-
des da região. Essa característica da escolha do Método Pinotti, porém, é seu úni·
co mérito, visto que, sozinho, não consegue absolvê-lo de seus equívocos.
Conforme sssínaíamos atrás, esse Método consistia na adiçfO de cloroqui-
na ao sal de cozinha, "irnuuizando" homeopaticamente a população, espeeíalmen-
te rural, que somente com muito custo seria atingida pela estratégia convencional
da borrífação domiciliar. Em pequenos testes de campo, o método se mostrou
eficaz, de fato reduzindo siguilicativamente a incidência da doença.
Com base nesses resultados, e ainda que eles fossem muito preliminares, o
DNERu e a CEM açodadamente o adotaram, dividindo o País em duas partes: no
Brasil não-amazôníco, a campanha de erradícação se utilizaria do arsenal conheci-
do da borrífação e da medicação; na Amazônia, tudo se resumiria, na prática, ao
Método Pínottí.
Isso, em primeiro lugar, adiou por mais vários anos o início de urna cobertu-
ra mais eficiente na região. Mas não foi Só esse o problema, que aliás pode ser con-
siderado um mal menor perante os outros do Método.
Um deles foi o desperdício de cloroquina, que representou, pois, nas condi-
ções climáticas e de umidade da Amazônia, que o medicamento ia-se depositando
no fundo das embalagens de sal, prejudicando a falatabilidade do condimento e co-
lorindo-o anormalmente. Por isso, muito desse sal enriquecido terminou sendo des-
tinado ao consumo animal, sem que se conheçam seus efeitos na reduçAu da malã-
ria no gado vacum. 6
Muito mais grave, porém, é que o consumo irregular e homeopático de elo-
raquina pela população terminou por provocar o aparecimento de cepas de P.
Falciparum resistentes à droga, até então extremamente eficaz no combate a esse
tipo de plasmódio. Por isso, pode-se dizer que, com o Método Pinotti, a CEM ter-
minou por aumentar o problema da malária na Amazônia, ao invés de reduzí-lo,
Confonne entrevistas realizadas com o pessoal técnico da SUCAMrecrutado ainda à época
da CEM, em Belém e Sio Luís.
An61. a Conl.,
"'0 Horlz4;llnt.,
(1)1 72.90, lanJobr. 1981
2:
81
Em 15 anos de experiências de laboratório, depois da síntese da cloraquina
em 1946, tinha-se tentado, sem sucesso, induzir a resistência do P. Falciparum a
ela (Rodrigues, 1961). O que os microbiologistas e os farmacologistas não conse-
guiram, a CEM obteve rapidamente pois, já em 1960, foram registrados casos de
resistência comprovada à droga, em qualquer dosagem que fosse ministrada. Os
primeiros foram notados em Porto Velho, Rondônia, mas, ainda em 1961, dois
norte-americanos (um professor e sua esposa em férias) contraíram infecções por
P. Falciparum frente às quais a cloroquina nada podia (Box, et alii, 1963). Dai
em diante, a noticia não podia mais ser controlada pela CEM, que teve de oficiar
à OMS notificando-a da lamentável descoberta.
Não é fato indiscutivel que tenha sido o Método Pinotti o responsável pelo
fenômeno apresentado. Há, no entanto, forte suspeita de que esse seja o caso, co-
mo aliás já se desconfiava então. Veja-se, por exemplo, o seguinte excerto de um
artigo de um malariologista do Serviço de Malária do Estado de Sâo Pauio, escrito
em 1961:
"(. .. ) o problema (da resistência do P. Falciparum á cloroquina jã é uma dura
realidade para o Programa de Erradicação da Malária na Região Amazónica,
onde a luta contra a malária vem sendo executada exclusivamente com o sal
cloroquinado.
A verdade é que o problema surgiu justamente em regiões em que o sal elo-
roquinado está sendo empregado há mais de um ano e, neste caso, a cloro-
quino-resistência poderia muito bem ser uma conseqüência dessa quirnio-
profIlaxia empregada" (Rodrigues, 1961, p. 234).
Se é mesmo verdade que o Método Pinotti não apenas não resolveu aquilo pa-
ra o que era proposto, mas trouxe essa desastrosa conseqüência, teríamos a lamen-
tar o erro da CEM. Contudo devemos também notar que, no afã com que ela abra-
çou um método de resultados desconhecidos, revela-se o quanto dependia ela das
opções e do orgulho de um homem que, querendo batizar uma revolução terapêu-
tica, legou seu nome a um retumbante fracasso, de graves repercussões na saúde
pública nacional e mundial.
A grande confirmação de que fosse o Método Pinotti o responsável pela
aparição da cloroquíno-resístência está, no entanto, na presteza com que a CEM o
abandonou em 1961 e na rapidez com que retomou na Amazônia as estratégias
que adotava no resto do Pais. Nem um ano se passou e, logo em 1962, a CEM
começou suas atividades de borrifaçiIo na região.
Todas as informações disponíveis sugerem que esse trabalbo foi irreguiar
e assistemático no início, pelo menos até 1968, quando a primeira cobertura ín-
tegral da região foi alcançada. Para confirmar o argumento, vejamos a tabela 3,
onde se mostram informações sobre a evolução dos índices de lâminas positivas
colhidas no Pará.
A tabela 3 indica vários fenômenos interessantes. Ela, em primeiro lugar,
mostra uma situação significativamente mais grave em 1962 que em 1972, quan-
do a positividade cai quase seis vezes. Essa tendência de declínio começa no iní-
cio do período, para acentuar-se depois de 1968, sugerindo que, embora irreguiar,
82
Anãl.• ConJ., Belo Hori:t:onte, 2 (1): 72-90, ian.lobr. 1987
TABELA 3
NúMERO E /NDICE PERCENTUAL DE LAMINAS POSITIVAS NO PARÁ
1962-72
ANO
1962
1963
1964
1965
1966
1967
1968
1969
1970
1971
1972
Fonte: Ministério da Saúde. Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM),
Diretoria Regionaldo Pará.
a cobertura da borrífação trazia resultados. Veja-se que, entre 1968 e 69, portanto
após o atingimento da cobertura integral, a positividade se reduz pela metade.
Reduz-se, mas logo se acentua.o que aponta para falhas na execução e no de-
sempenho do programa. Isso também pode ser visto pelo grande decréscimo no nú-
mero de lâminas examinádas, que certamente indica uma perda de capacidade da
CEM em atender a população. pois nada sugere que o número de casos declinasse
com a mesma rapidez.
Estas observações podem ser corroboradas pelo depoimento de antigos fun-
cionários da CEM. Estes são unânimes em lembrar os percalços do programa naque-
le fmal de década de 60 e inicio da década de 70, os anos que descrevemos atrás
como os "anos negros" da politica. Na Amazônia, eles significaram graves prejuí-
zos para os trabalhos, que recentemente tinham alcançado uma qualidade mais sa-
tisfatória de cobertura. 7
No segundo semestre de 1969, por exemplo, uma vaga de demissões pratica-
mente paralisou o programa. O pessoal foi readmitido no começo de 1970, mas,
desta feita, por falta de recursos, as atividades foram novamente suspensas depois
de julho daquele ano. Em 1971, o programa esteve, a bem dizer, parado e, quando
se recuperou em 1972, foi jâ dentro da nova metodologia que mencionamos atrás,
de divisao do território em âreas de maior e de menor prioridade, que pouco mais
era que o reconhecimento de que o programa efetivamente mio conseguia cobrir
a região inteira.
Note-se que esse enfraquecimento do programa coincidiu com o começo da
ocupação mais acelerada da Amazônia, não só em função da abertura das frentes
7 Somos particularmente gratos, neste tópico, ao Dr. Henrique Jorge dos Santos, Diretor
Regional da SUCAM do Maranhão, por seu. depoimento sobreesse período.
An61. & Conl., &.10 Ho,lzont., 2 (1): 72-90, jon.fab,. 1987
LÂMINAS POSITIVAS
15668
20254
16878
11366
18539
15304
13770
7703
8071
7838
7893
POSITIVIOADE
(llil
30,3
26.0
16,8
10,9
18,5
14,7
15,4
8.6
10.3
6,7
5.2
83
de colonização, mas também da expansão do garimpo, Em um momento como esse,
em que áreas novas eram ocupadas rapidamente, o que era secundário podia passar
a ser um foco no dia seguinte, sem que o programa, com capacidade diminuída,
conseguisse atuar no ritmo e na intensidade devidas, Não por acaso, como vimos
para o conjunto da Amazônia na tabela I, a malária reassumiu a partir de então uma
vigorosa curva ascendente de incidência.
Isto não significa imaginar que, Se tivesse mais recursos, a SUCAM teria con-
seguido controlar por completo a doença, pois era inevitável que ela crescesse à
medida que se processava o desbravamento da Amazônia, O que poderíamos espe-
rar é que não tivesse crescido tanto quanto fez e nem que continuasse a fazê-lo de-
pois que a SUCAM, nos últimos anos, voltasse a receber os recursos de que neces-
sitava,
O bom desempenho do programa da Amazônia, visto no caso do Pará na tabe-
la 3, foi obtido principalmente com melhor cobertura da população urbana da
região. Para isto, bastava fazer bem-feito aquilo que a política tinha aprendido no
resto do Brasil a partir de 1946-47, ou seja, borrifar sistematicamente os dornicí-
lios e atender os doentes com medicamentos, Para os novos habitantes da Amazô-
nia, contudo, com quase todos se dirigindo para áreas rurais, é pouco provável que
essa combinação de medidas bastasse, requerendo-se outras e novas estratégias,
Encurtada de recursos da SUCAM, pouco poderíamos esperar em termos
da inventividade necessária a essas inovações. De fato, sufocada pela escassez,
ela mal conseguia sobreviver, quem diria lançar-se a novas linhas de ação.
Não é, porém, somente essa penúria fmanceira que explica a dificuldade da
SUCAM em adaptar-se aos novos tempos na Amazônia, permanecendo aferrada a
soluções que, ano após ano, mostravam-se de eficácia duvidosa, A título de hipó-
tese, pelo menos uma outra razão pode ser arrolada, que passamos a descrever e
a que chamaríamos "trauma de Pínottí".
Com a expressão, queremos designar o efeito interno do fracasso do método
e não seus resultados externos, no ambiente da instituição. Tal efeito seria basíca-
mente a criação de um forte temor da inovação, pelos problemas que qualquer mu-
dança nas estratégias conhecidas poderia acarretar,
Teríamos, neste ótica, que a CEM terminou por tresler o lamentável episódio,
legando à sua sucessora, a SUCAM, uma arraigada crença de que é preferível errar
nas trilhas conhecidas a arriscar-se a erros ainda maiores ao fugir delas. Para as
duas, o medo de equivocar-se se traduziu, portanto, em agarrar-se à tradição, levan-
do para a Amazônia a mais ortodoxa das estratégias convencionais,
A ser verdadeira esta hipótese, teríamos algo de grave a lastimar, O Método
Pinotti continha um elemento visivelmente positivo, que já ressaltamos o reconhe-
cimento que através dele se fazia das especificidades e particularidades que o com-
bate antimalárico devia assumir no contexto amazônico. Trawnatizada por seus re-
sultados, a instituição acabou por descartá-lo, eliminando algo que devia ser preser-
vado ao invés de jogado na vala comum do fracasso da experiência.
84
Anó!. a Conj., Belo Horizonte, 2 (1):
72-90, jon./obr. 1987
Curiosamente. o Método Pínottí, abandonado há mais de duas décadas, con-
tinuou ativo na história da CEM e da SUCAM, transformando em um fantaama a
assustar o programa brasileiro de combate a malária. Nesta 6tica, seus efeitos na
atualidade não mais seriam a criação da resistência li cloroquína, mas da recalci-
trância à mudança na politica. aprisionando-a em rotinas que a realidade mostra-
va serem de escassa utilidade,
IÔ dentro deste misto de amor pela tradição e do horror pela inovaçllo que
atua hoje a SUCAM na Amazónia, Passemos a discutir como são na atualidade seus
trabalhos, considerando primeiro, através da tabela 4, a situação da endernia nos
diversos Estados e Territórios da região.
Percebe-se facilmente pela tabela 4 que a malária, ainda que frequente em
toda a regíão, se apresenta em situações de gravidade inteiramente diferentes, co-
mo se pode ver da comparação entre, por exemplo, Rondônia e Amazonas. Em
1985, a doença chegava a ser quase trinta vezes mais grave no primeiro do que no
segundo Estado, além de que no Amazõnas estava praticamente estável e em Ron-
dônia apresentava tendências crescentes nos últimos anos.
TABELA 4
rNDICE PARASITÁRIO ANUAL NA AMAZONIA LEGAL
1980 - 85
UNIDADE DA
FEDERAÇÃO
Acre
Amapá
Amazonas
Mato GroSSO
Pará
Rondônia
Roraima
Goiás (21
Maranhfo
Fontes: TAUIL, P. SUCAM. combate a malária em Rondônia. s.n.t.
MARQUES, A.C. História da malária no Brasil e especialmente em Rondônia. s.n.t.
p.õ. Trabalho apresentado na Jornada de Malaríologia, Porto Velho, 1986.
(1) Dados não revistos.
(2) Somente área amazónica.
De acordo com a tabela, podemos classificar as nove unidades da Federação
que integram a Amazônia Legal em três grupos, No prírrieíro, teríamos aquelas de
extrema gravidade, Rondônia e Roraima. No segundo, as de elevada gravidade:
Amapá, Acre e Pará, No terceiro, finalmente, as demais, de situação grave mesmo
que tivessem índices muito menores que as anteriores.
Esse esforço inicial de aproximação à realidade da malária na Amazônia não
basta. porém. A doença. por razões óbvias, não respeita os limites jurídicos que
separam os territórios das diferentes unidades administrativas em que o País está
Anã!. &. Ccol., Belo Horizonte, 2 (1): 72·90, ion./Clbr. 1987
85
1980
1981
20,5
9,8
3,2
13,4
17,1
120, I
171,3
4,0
4,8
31,7
16,9
5,5
12,9
14,7
104,2
140,5
5,8
5,6
1982
1983
22,9
26,9
8,5
12,1
19,1
88,8
176,2
9,8
4,2
35,5
23,8
6,4
11,0
29,8
104,8
172,9
8,9
5,0
1984 (I 1
33,6
30,3
4,2
6,9
28,0
160,7
152,7
8,1
6,4
1985
28,3
J4,3
6,4
8,1
26,6
162,5
143,8
6,7
8,2
dividido. Falar da malária do Amazônas ou do Pará, por exemplo, quer dizer pou-
co, em termos estritos, requerendo-se aproximações mais finas e com maior capaci-
dade discriminativa.
Um possível passo adicional nessa direção é considerar a incidência no nível
municipal. Isto pode ser feito, mas esbarra em problemas decorrentes da sistemáti-
ca de notífícação da malária que a SUCAM adota, dos quais, aliás, é muito difícil
escapar. O lugar no qual a doença é contraída nem sempre coincide com aquele
onde ela é registrada, por diversos motivos, sendo impossível afirmar com certeza
o local exato em que sua transmissão ocorreu.
Ainda assim, é interessante observar que grande parte da malária existente nos
diferentes Estados e Territôrios da região provém de alguns poucos municípios. É o
caso, por exemplo, do Acre, onde, em 1985, de 10 120 casos positivos, 8389 fo-
ram registrados em apenas três municípios (Rio Branco, Plácido de Castro e Sena-
dor Guiomard). Neles, em outras palavras, registraram-se 82,9% da malária do Es-
tado, algo que não pode ser explicado pela concentração populacional, pois neles
viviam somente 45,1% da população total em 1980. Para enfatizar o argumento,
lembremos que Plácido de Castro, que em 1980 tinha 3% da população total do
Acre, apresentou, em 1985, 27,5% de sua malária. 8
O mesmo pode ser visto em outros Estados, como o Pará. Lá, em 11 muni-
cípios foram registrados 87156 dos 113 649 casos confirmados de 1985, o que
representa 76,6% do total (Marques, s.n.t. p.II). Mais uma vez, o argumento da
concentração demográfica não explica o fenômeno.
Com essas informações a respeito dos municípios, é possível traçar um mapa
da ocorrência da endemia na região. Ele é apresentado no mapa 1, e permite visua-
lizar uma figura diríamos semelhante a uma tenaz, com braços circundando a bacia
do Rio Amazônas. O braça inferior vai do Nordeste do Pará ao Acre, passando pelo
sul do Pará, o norte do Mato Grosso e o Estado de Rondônia. O braça superior,
muito menor, compreende o centro do território do Amapá e norte de Roraima.
Em termos de incidência, quase toda a malária da Amazônia e, por extensão, do
Brasil. se concentra nesse braço inferior, uma espéciede meia-lua malárica que abra-
ça o grandevale amazôníco.
A partir dessas observações, podemos pôr em dúvida a validade da expressão
"amazonízação" da doença, que empregamos atrás. Ela assinala um fenômeno
certamente verdadeiro, mas traz também o risco de confusões e simplificações que
convém evitar.
Isto porque a malária, na escala e com as características que assume hoje no
Brasil, não é exatamente uma doença da Amazônia, mas de partes da Amazônia. En-
tendê-la como amazônica é adequado, até certo ponto, na medida em que ela de
fato ocorre dentro da região. Isto, porém, não deve ser confundido com uma expli-
cação da causação da doença, dentro da qual ela se toma algo natural e inevitável,
um preço que a "floresta" nos cobra por nossa ousadia em penetrá-la. Se isto fosse
8 Todos os dados em Marques (s.n.t., p. 10). Informações sobre população em Recensea-
mento Geraldo Brasil, 9, 1980, (v.L, t. 1, n.L, p. 36).
"'n61. a Conl., Belo Horlzont., 2 (1): 72·90, lon.labr. 1987
MAPA 1
MUNIC1l'Ios COM ELEVADA TRANSMISSÃO DEMALÁRIA
BRASIL
1985
RELAÇÃO
RIO BRANCO
PLÁCIOO OE CASTRO
MACAPA
COLIOER
IMPERATRIZ
ITAITUBA
MARABA
2
3
4
5
6
7
6
9
10 -
11 -
12 -
SANTAR~M
SÃO f~LIX DO XINGU
REDENÇÃO
ALTAMIRA
SANTANA DO ARAGUAIA
PORTEL
MOJU
BOA VISTA
RONDONIA (lodo.o,Eltados)
ARAGUAINA
PINDAR~-MIRIM. MONÇÃO
TURIAÇU. PINHEIRO
GRAJAÚ
ALTA fLORESTA
PONTE E LACERDA
13 -
-
-
-
-
lB -
19 -
20 -
21 -
22 -
Fonte: MARQUES, A.C. lIiotórla da maIárla no BtllIÜ e eopecialmente em Rondônia. s.n.t.
Trabalho apresentado na Jornada de Malariologia, Porto Velho, 1986.
Anétl .. Con,., 8.'0 Horlzont., 2 (1): 72·90, lon./o&t. 1967
.
87
verdade, a ocorrência da doença deveria acompanhar quase perfeitamente a distri-
buição da população, a menos que imaginássemos que a HIléia tem suas vítimas
preferenciais, que ela própria escolhe para punir, Como nada parece aconselhar
que acreditemos em tão absurda hipótese, nao é a "floresta", a "natureza" e o
"clima" que explicam a doença, mas outros fatores, que em nada ficam revelados
quando dizemos que a malária é doença "arnazônica".
Seria, porém,outro erro passar a dizer que a malária é doença "municipal",
por razões desconhecidas preferindo determinadas cidades a outras. Se as divisões
administrativas entre os Estados e Territórios pouco dizem sobre a doença, também
as fronteiras municipais são irrelevantes. O que importa, portanto, é conhecer o
que compartilham os municípios de maior incidência, que características comuns
existem entre eles.
Veja-se que, das 384 603 lâminas positivas colhidas em toda a Amazônia, em
1985, nada menos que 293085, ou seja, 76,2% do total, provinham de apenas 40
municípios (Marques, s.n.t. p.IO-l). Os dez de maior incidência, por seu turno,
'compareceram nas estatísticas nacionais Com 202315 casos, isto é, com 52,6% do
total de caSOS da Amazônia, donde com 50,6% do total do País.
Estes dez municípios são, em alguns casos, capitais de Estados e Territorios,
áreas centrais, portanto, para onde se dirigem populações de várias partes. o caso
de Porto Velho e Boa Vista, que pouco, assim. nos podem dizer sobre as especifici-
dades da malária atuaI no Brasil. Os oito restantes é que são mais interessantes.
Neles, ora temos municípios predominantemente garimpeiros (casos de Itaí-
tuba e Marabá, no Pará), ora municípios que sediam grandes projetes de coloniza-
ção (casos de Aríquemes, Presidente Mediei, Jaru, Ji-Paraná e Rollm de Moura, em
Rondônia; e mesmo de Boa Vista, próxima a projetes deste género). O último
dos "dez grandes" é São Félix do Xingu, no Pará, onde convivem precisamente
essas duas atividades.
Esta constatação, pouco original, aliás, ajuda a reforçar o argumento de que
amalária é, na atualidade, uma doença estritamente vinculada às frentes de expan-
são agropecuária e rníneradora da Região Amazónica. Ela serve, porém, também
para que identifiquemos, na prática, o quão insuficientes são as armas manejadas
pela SüCAM em seu esforço por controlar a doença.
e
difícil imaginar solução mais inadequada que borrífação, quando estamos
lidando com' populações (garimpeiros e colonos) que moram em habitações onde
são raríssírnas as superfícies borrifadas, quer seja pela inexistência física das pare-
des, quer porque elas não retêm o inseticida. Se ela servisse nesses contextos, seria
de' imaginar que perto da metade da malária do País já tivesse desaparecido a esta
altura, pois, salvo um ou outro ano, não foi por falta de DDT que a malária cresceu
no Brasil nestes últimos tempos.
O problema dessa solução, porém não está apenas no desperdicüo e na inefi-
cácia. Aos dois, deve-se agregar um terceiro, que é o fato de ela mobilizar tanto es-
forço institucional que acaba por dificultar a emergência de outras que a realidade
e
AnáL a. Conl_, Belo HQflV)nt., '2 (1)
72·90, \an)abr. 1997
t
cada vez mais claramente reclama. Em outras palavras, por se concentrar excessIva-
mente em uma única resposta de resultados discutíveis, a SUCAM termina por nlfo
ter sequer o tempo para pensar em algo diferente.
Para concluir este tópico e encerrar este trabalho, resta dizer que a malária
é sim inevitável com o avanço das frentes de expanslfo mencionadas. Nada, porém,
justifica que alcançasse os níveis atingidos e que se mantivesse em ascendência na
atualidade. Existem, e não sIfo secretas, outras possibilidades de enfrentá-la lá onde
é mais grave, como nos garimpos e nos projetos de colonizaçll'o. Experiências
do maior interesse estlfo sendo hoje feitas visando a desenvolvçr métodos de pre-
vençll'o utilizáveis por garimpeiros, como o USO da sarrapílha, entre outras. 9
No que se refere aos projetos de colonização, conhecendo a história podemos
dizer que, um dia, o progresso terminará por elinúnar a malária, quando a floresta
tiver sido afastada, as habitações tiverem sido perenizadas e os cursos dágua tiverem
sido domesticados. Até lá, no entanto, a sociedade e o Estado brasileiro podem e
devem se esforçar de maneira muito mais firme do que até o presente, a fim de dar
a essas populações algumas condições mais adequadas de vida.
~ perfeitamente possível tomar medidas para controlar o pico de incidência
que ocorre sempre que um projeto é inaugurado, assim como é perfeitamente ixe-
quível acelerar o ritmo de decréscimo que vem com a paulatina ocupaçll'o da área.
A borrífação intradomiciliar é uma dessas medidas, mas certamente não deve ser
a única e, talvez,nem a principal.
Enquanto permanecer agarrada li sua bomba de DDT, a SUCAM, quer seja
por seus traumas, quer não, diflcilmente escapará da sina de outras burocracias
brasileiras, condenadas, como ela, ao suplício de Tântalo. Essa figura mitológica,
podemos lembrar, gastava a eternidade empurrando encosta acima uma porten-
tosa pedra, consumindo-se ao limite da exaustão em que chegava ao cabo de cada
dia. A noite, porém lá vinha a pedra rolando enconsta abaixo, onde Tântalo a
encontrava, desesperado, a cada manhã, para ter de tudo recomeçar dia após dia,
ano apósano. incapaz que erade se libertar de seu tormento.
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9 Referimo-nos às experiências conduzidas pelo Dr. Su-Yung Líu, no Hospital Barros Baneto
cm Belém. Esses ensaios foram já amplamente testados. começando agora uma ainda mUito
tímida aplicação dc seus resultados pela Dirctoria Regional da SUCAM do Pará.
An61. • Ccnl·, Oelo Horizonte, 2 (1), 72·90, lan.'obr. 1987
89
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