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Ana Torreão Braz Lucas de Morais
Consultor Jurídico - 13/07/2015
As Constituições da República anteriores à de 1988 garantiam o direito à integralidade de proventos aos servidores públicos que cumprissem o tempo de serviço exigido pela Lei Maior. A integralidade de proventos, em sua concepção tradicional, constituía-se da totalidade da última remuneração do servidor público enquanto ativo.
A Emenda 41, de 19 de dezembro de 2003, modificou a essência do conceito de integralidade da aposentadoria ao estabelecer que os proventos integrais serão calculados com base na média das contribuições previdenciárias do servidor público federal. Com isso, a regra geral atual parametriza, para efeito de cálculo dos proventos integrais, as remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor ao regime próprio de previdência, não mais o valor de sua última remuneração.
Esse critério atual de cálculos desvincula-se do sentido literal de integralidade de aposentadoria que, tradicionalmente, traduzia-se na remuneração total do servidor. Na prática, o valor da média das contribuições não corresponderá, necessariamente, à remuneração mensal recebida antes da aposentadoria; em muitas situações, poderá distanciar-se bastante dessa última referência.
A despeito da drástica modificação do conceito de integralidade de proventos, que repercutiu na base de cálculo da aposentadoria, a Emenda Constitucional 41/2003 manteve a referência a proventos integrais e a proventos proporcionais ao atribuir requisitos diferenciados para cada um deles.
Para alcançar o direito aos proventos integrais, o servidor deve atingir os requisitos de idade e de tempo de contribuição: 60 anos de idade e 35 de contribuição, se homem, e 55 anos de idade e 30 anos de contribuição, se mulher. O direito à aposentadoria com proventos proporcionais, por sua vez, é atingido com sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição.
A Emenda Constitucional 41/2003 alcança os servidores que ingressaram no serviço público após a sua edição. A Medida Provisória 167, de 19 de fevereiro de 2004, convertida na Lei 10.887/2004, regulamenta os procedimentos de aplicação do disposto na referida Emenda.
O direito à integralidade de proventos dos servidores que já integravam os quadros da Administração Pública Federal à época desse marco temporal foi resguardado pelos artigos 3º e 6º da Emenda 41 e, para os servidores que já integravam o serviço público em 16 de dezembro de 1998, pelo artigo 3º da Emenda 47/2005. O direito à aposentadoria com base na última remuneração enquanto ativo foi mantido incólume para essa categoria de servidores.
Atualmente, a remuneração dos servidores do Poder Executivo pode se dar pelo regime de subsídio, que concentra toda a composição de rubricas da remuneração em uma única parcela, ou pelo regime geral, em que a composição remuneratória compreende rubricas individualmente especificadas.
Esse segundo regime estipendial é constituído por parcelas que servem de base para o pagamento da contribuição previdenciária do servidor. São exemplos dessas parcelas o vencimento básico, as gratificações e as vantagens pessoais, entre outras.
No caso do subsídio, o parâmetro para a concessão da integralidade de proventos é o valor total da parcela única; no caso em que cada parcela é individualmente especificada, o parâmetro é a soma do valor total das rubricas que compõem a remuneração.
Não obstante a clara determinação constitucional de integralidade de proventos para os servidores que integram o grupo de beneficiários das conhecidas regras de transição das Emendas Constitucionais 41/2003 e 47/2005, o Poder Executivo Federal tem ofendido, em reiteradas situações, as regras nelas existentes.
É o caso da incorporação de gratificação de desempenho, parcela que compõe grande parte da remuneração, aos proventos de aposentadoria dos servidores que mantiveram intacto o direito à integralidade de proventos previsto nas referidas regras de transição. Para melhor elucidação da lesão perpetrada pelo Poder Público Federal nesse caso, toma-se o exemplo da incorporação aos proventos da Gratificação de Desempenho de Atividade do Seguro Social (GDASS).
A Lei 10.885, de 1º de abril de 2004, que a instituiu — modificada pelas Leis 11.501, de 11 de julho de 2007, e 11.907, de 2 de fevereiro de 2009 —, estabelece as regras para a percepção da gratificação pelos servidores ativos e, entre outras, as regras de incorporação da gratificação aos proventos de aposentadoria do servidor.
No que concerne aos servidores ativos, essa gratificação é devida aos integrantes da carreira do Seguro Social quando em exercício de atividades inerentes às atribuições do respectivo cargo no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), em função do desempenho institucional e individual. Para o pagamento da GDASS, será observado o limite máximo de 100 pontos e o mínimo de 30 pontos por servidor, a corresponder cada ponto, em seus respectivos níveis e classes, ao valor estabelecido no Anexo VI da lei.
Desses 100 pontos, 20 são atribuídos em função do resultado obtido na avaliação de desempenho individual do servidor e 80 são atribuídos em função do resultado obtido na avaliação de desempenho institucional do órgão ou da entidade de lotação do servidor, neste caso, do INSS.
A Lei 10.885/04 traz diretriz específica quanto à incorporação da gratificação à aposentadoria dos servidores alcançados pelas regras de transição dos artigos 3º e 6º da Emenda 41/2003 e do artigo 3º da Emenda 47/2005. Nesse particular, estabelece que receberão a GDASS no valor correspondente a 50 pontos, a despeito do direito à integralidade de proventos com base no valor de sua última remuneração.
Quando ativos, esses mesmos servidores percebiam a GDASS, no mínimo, no valor da parcela institucional, que equivale a até 80 pontos. A GDASS recebida pelo servidor poderia, ainda, alcançar seu percentual máximo, ou seja, 100 pontos, a depender de sua avaliação de desempenho.
Se percebida em patamar superior a 50 pontos, a passagem para a inatividade significa para esses servidores redução remuneratória, a culminar na percepção da gratificação em quantia, na maior parte das situações, significativamente inferior à percebida enquanto ativos, a despeito de lhes ser assegurado o direito à integralidade de proventos.
O direito à integralidade desses servidores significa que seus proventos “serão calculados com base na remuneração do servidor no cargo efetivo em que se der a aposentadoria e, na forma da lei, corresponderão à totalidade da remuneração”, nos exatos termos da redação do artigo 40 da Constituição da República antes da Emenda Constitucional 41/2003.
De igual modo, as regras de transição trazem expressa menção à definição de integralidade de proventos: “corresponderão à totalidade da remuneração do servidor no cargo efetivo em que se der a aposentadoria”. Disso decorre que um servidor titular do direito à integralidade que recebia 100 pontos a título de GDASS antes de se aposentar deveria levar esses mesmos 100 pontos para os proventos de aposentadoria.
Não obstante a determinação para que seja paga a totalidade da remuneração na passagem do servidor para a aposentadoria, o Poder Executivo, com base no art. 16 da Lei 10.855/2004, garante a ele apenas 50 pontos de GDASS.
Ao analisar o cenário em patamares reais, são alcançados os seguintes resultados: 100 pontos, em um contracheque de servidor paradigma em fevereiro de 2014, correspondem a R$ 4.272. Ao se aposentar, pela interpretação equivocada do Poder Executivo, esse mesmo servidor, ainda que alcançado pelas regras de transição, levará apenas metade desse valor, ou seja, 50 pontos, que equivalem a R$ 2.670.
A situação relatada, reiterada em todo o Poder Executivo Federal, demonstra total incongruência com a integralidade prevista no antigo art. 40 da Constituição da República, nos arts. 3º e 6º da EC 41/2003 e no art. 3º da EC 47/2005, que regem os direitos previdenciários dos servidores neles definidos.
Ao analisar a integralidade de proventos sob a ótica das regras de transição de aposentadoria, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 590260[1], reconheceu o direito à integralidade e à paridade a todos os servidores amparados por essas regras de transição.
O Poder Executivo Federal, por sua vez, ao ignorar o comando constitucional, alega que a lei da gratificação de desempenho não estabelece o pagamento da parcela no valor da última remuneração para os servidores alcançados pelas regras de transição. Além disso, entende que, em razão de a gratificação de desempenho ser parcela de valor flutuante, que reflete o desempenho do servidor, não poderia ser incorporada no patamar da última remuneração.
A instituição das gratificações de desempenho, que compõem grande parte da remuneração do servidor, bem como as características que as regem, não podem servir de subterfúgio para que se desrespeite a Lei Maior. O intento da Administração Pública de escapar ao pagamento dos proventos de modo integral, da maneira que constitucionalmente estipulada, deve ser alijado.
É de se reconhecer que não há no ordenamento jurídico comando normativo apto a afastar a aplicação do direito à integralidade do cálculo dos proventos dessa parcela específica de servidores, porquanto essa garantia foi expressa e inequivocamente instituída pela Constituição da República.
Em outras palavras, não poderia a Lei 10.885/2004, norma hierarquicamente inferior às regras de transição previstas nas Emendas Constitucionais 41/2003 e 47/2005, suprimir a integralidade para os servidores que se aposentarem com fundamento nesta diretriz constitucional. É preciso que se dê interpretação conforme às regras de transição, a fim de que a integralidade de proventos seja harmonizada às regras da gratificação de desempenho, parcela que compõe a remuneração do servidor.
Independentemente das normas de regência das gratificações de desempenho, o direito dos beneficiários das regras de transição das Emendas Constitucionais 41/2003 e 47/2005 deve ser integralmente respeitado. Devem eles receber a gratificação de desempenho na pontuação recebida antes da aposentadoria. Os proventos devem ser calculados pela antiga sistemática, a da integralidade dos proventos na totalidade da última remuneração, inclusive no que tange ao pagamento das gratificações de desempenho.
[1] STF, Tribunal Pleno, Relator Min. RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 24/06/2009, DJe 23/10/2009.
Ana Torreão Braz Lucas de Morais é advogada do escritório Torreão Braz Advogados.