Proposta é que idade mínima valha imediatamente para que funcionalismo tenha integralidade
Brasília - A pressão por novas mudanças no relatório da reforma da Previdência vai subir de temperatura ao longo desta semana com a guerra declarada dos servidores. Duas alternativas de mudanças já estão na mesa de negociação para reverter, em parte, o endurecimento da regra de aposentadoria dos servidores públicos, admitem lideranças governistas e até mesmo integrantes do governo que participam diretamente da negociação.
A estratégia do governo é sim atrasar a aposentadoria dos servidores, mas não com um “castigo tão duro” como o que foi colocado no texto apresentado pelo relator Arthur Oliveira Maia (PPS-BA). Em reação a essas regras, os servidores prometem protestos em Brasília ao longo da semana.
Depois de acordo com a oposição, o adiamento da votação da reforma na comissão especial e no plenário da Câmara abriu um tempo maior de exposição para que novas pressões ganhem corpo, podendo reduzir ainda mais a economia com a reforma, reconhecem líderes da base.
A avaliação nos bastidores é a de que o pior ainda não passou. O relator está tendo de reavaliar a regra de transição de servidores públicos após ter “comprado uma briga” com a categoria. Ele propôs exigir desde já o cumprimento da idade mínima definitiva, de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres, para que funcionários públicos possam receber as chamadas integralidade – aposentaria com o maior salário da carreira, ainda que acima do teto do INSS (R$ 5.531,31) – e paridade – reajuste salarial igual ao dos funcionários da ativa.
A trava, que valeria mesmo para quem pudesse se aposentar antes dessas idades pela transição, foi vista com bons olhos pelo governo e por economistas, pois significaria uma economia para as contas públicas. Só que, entre os servidores, o clima é de revolta.
Eles acusam o relator de promover uma mudança violenta nas regras do jogo e prejudicar servidores que ingressaram mais cedo no funcionalismo do que os demais. A página do relator no Facebook tem recebido uma enxurrada de reclamações.
MINIENTREVISTA
Pedro Nery (Especialista em Previdência, Consultor legislativo do Senado)
O parecer do relator ficou melhor do que a proposta original de reforma da Previdência?
Sem dúvida há perda do ponto de vista fiscal. O governo falou que a perda de economia seria algo entre 20% e 30%. Se de fato existe essa perda, que é importante, sabemos também que o relator está cedendo em pontos que são justamente os mais sensíveis, do ponto de vista da distribuição de renda. Ele aliviou o Benefício de Prestação Continuada (BPC) para o idoso pobre, a aposentadoria rural, mas endureceu muito as regras para os servidores públicos que têm privilégios.
A regra de transição não ficou muito complicada?
Ela tem a desvantagem de ser uma regra mais complexa do que a anterior, que era mais simples. Por outro lado, contempla melhor casos que antes eram percebidos como falta de isonomia. Antes tinha uma linha de corte que era muito clara, dos 50 anos para homens e de 45 anos para mulher, mas que provocava algumas iniquidades.
A nova regra de transição vai atingir mais pessoas?
Sem dúvida vai atingir mais pessoas. Mas é difícil saber quanto mais porque é pelo tempo de contribuição.
Mas ficou mais difícil para quem já está muito próximo à aposentadoria?
Sim, para quem está muito próximo, ficou um pouco mais complicado, especialmente se essa pessoa é muito jovem. Para o servidor público que estava prestes a se aposentar, que está há mais tempo no serviço público e entrou antes de 2003, a regra proposta pelo relator provoca perdas muito grandes por conta da perda da integralidade, que é o direito a receber o maior salário da carreira, e a perda da paridade, que é o direito de receber os mesmos aumentos reais dos servidores da ativa.
Essa restrição à integralidade pode cair?
Vai ter uma pressão grande. Caso o Congresso opte por manter a restrição, vai ter também uma judicialização grande, especialmente porque estamos falando de pessoas que têm uma boa capacidade de mobilização. Mas acho que o Judiciário talvez tenha que rever os entendimentos que tem hoje, da mesma forma que o Legislativo está revendo as regras. Fala-se muito da questão do direito acumulado que essas pessoas teriam, então seria inconstitucional mudar isso. Mas o Judiciário vai ter que deixar claro que estamos passando por um processo de envelhecimento populacional muito veloz e que o direito dos servidores públicos não é o único que está na Constituição.
Como assim?
Como fica o direito acumulado do trabalhador que contribuiu a vida inteira pagando impostos e, na hora em que precisa fazer uma cirurgia pelo SUS, não tem dinheiro porque está tudo sendo gasto com Previdência, inclusive Previdência do servidor público? Acho que, já que a gente preserva muito o direito adquirido no Brasil, temos de começar a olhar de maneira diferenciada para algumas questões que afetam os servidores públicos que já tinham regras pactuadas.
Qual é o maior avanço da reforma em relação às regras atuais?
A idade mínima, em relação às regras atuais, é o que tem talvez o ganho fiscal mais significativo. É uma regra que afeta principalmente trabalhadores mais bem posicionados na distribuição de renda. Se vamos escolher o principal ganho da reforma, ele é a idade mínima, que é um símbolo dessa reforma. A própria ideia de aposentadoria por tempo de contribuição sem idade mínima é algo que não acontece em outros países, não é prescrito pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Em relação ao relatório, o grande avanço sem dúvida é tornar mais difícil o acesso à integralidade e à paridade por servidores públicos. Tem um grande ganho fiscal para União, Estados e municípios, e é medida bem-vinda do ponto de vista de distribuição de renda do país.
A idade mínima diferente para as mulheres não compromete o símbolo da reforma?
A grande desvantagem de optar por essa redução é justamente privilegiar as mulheres que estão mais bem posicionadas na distribuição de renda. Quando a gente fala de tripla jornada, estamos falando de uma mulher que tem dificuldade de se inserir no mercado de trabalho formal, às vezes mais pobre, com mais filhos, que mora longe do trabalho porque está na periferia. Essa mulher tem mais dificuldade de conseguir 25 anos de contribuição do que 65 anos de idade. Então, do ponto de vista social, acho que seria mais vantajoso que a gente olhasse com mais carinho em reduzir o tempo de contribuição do que reduzir a idade. Até porque a alternativa dessas mulheres vai ser procurar o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
A redução da idade mínima da mulher de 65 anos para 62 anos não comprometeu muito a economia?
Tem uma perda fiscal importante, mas não comprometeu porque a gente criou uma idade mínima. Estamos saindo de uma situação em que esse trabalhador que se aposenta por tempo de contribuição pede o benefício aos 55 anos, no caso do homem, ou aos 53 anos, no caso da mulher. Agora a gente sabe que, pelo menos para o futuro, teremos o mínimo de 65 anos para o homem e 62 anos para a mulher. Já é um avanço importante. Apesar da redução da mulher, estamos falando de um ganho de dez anos.
Os Estados conseguirão aprovar regras próprias de Previdência no prazo de seis meses?
Se vai valer a regra federal, existe pouco incentivo para as Assembleias Legislativas tomarem uma decisão tão difícil. Acho que a maioria dos Estados, se não todos, vai acabar optando pela regra da União tacitamente. Isso é bem-vindo, porque o desequilíbrio atuarial mais grave que a gente tem hoje é nos Estados.
Fonte: Jornal O Tempo