Consultor Jurídico - 12/05/2018
Nos últimos anos, a transferência do desempenho de atividades do poder público para sujeitos privados ocorre a todo o vapor. Estudos econômicos apontam que a despesa com terceirização cresceu 82% entre 2005 e 2010.
Em que pese o aumento do espectro de atividades que são repassadas para o setor privado e a consequente redução da abrangência de atividades no aparelho administrativo através de vínculos funcionais, a dúvida que ainda aflige o administrador público é sobre os limites da terceirização.
Acerca dessa questão, assinala-se, primeiramente, que "terceirização" é hoje em dia um vocábulo dicionarizado, neologismo construído a partir de "terciário" (forma erudita para referir-se a "terceiro").
Pela lógica da terceirização, o terceiro assume as atividades-meio da empresa tomadora, ou seja, as atividades que não constituem o objeto principal da empresa, sem a necessidade de constituição de vínculo trabalhista entre a empresa que terceiriza e os empregados da empresa que oferece a mão de obra.
Bem se percebe, assim, que a terceirização é o processo de gestão empresarial, pelo qual se transfere para terceiros serviços que, originalmente, seriam executados dentro da própria empresa, permitindo a concentração de esforços em segmentos considerados mais relevantes (atividades-fim).
Ocorre, porém, que o critério que aparta as atividade-meio das atividade-fim é impreciso. O que se propõe, pois, é dividir as hipóteses da terceirização, sob os seguintes enfoques: (i) terceirização de mão de obra; (ii) terceirização por contratos de prestação de serviços e (iii) terceirização na prestação de serviços públicos.
A terceirização de mão de obra não se coaduna à Constituição de 1988. Isso porque o artigo 37, II do Texto Constitucional prescreve que o acesso aos cargos públicos, às funções públicas e aos empregos públicos precederá de concurso público.
Acrescente-se a isso que a contratação de temporários não se confunde com a terceirização. Nesta, a administração trava relação com a empresa e esta que entretém vínculo com o trabalhador, enquanto que na contratação de temporários a administração estabelece um vínculo direto com o contratado que é recrutado por tempo determinado, a fim de atender a necessidade temporária de excepcional interesse público (artigo 37, IX).
Nessa linha, não pode o governo deixar de criar cargos e optar pela terceirização de mão de obra sob o argumento de que diminuirá os gastos com a folha de pagamento e de que os terceirizados não se aposentam pelos cofres públicos. Tampouco pode o governo terceirizar a mão de obra sob o argumento de que a lei que cria os cargos pode demorar, pois, nesse caso, a Constituição faculta a contratação temporária, desde que fundada na Lei Federal 8.745/1993, alterada pela Lei 9.849/1999.
Por sua vez, a terceirização por contratos de prestação de serviços do setor privado é permitida pela Lei Federal 8.666/1993 (artigo 6º, VIII e artigo 10, II), pela Lei Federal 12.462/2011 (RDC) e pelo Decreto-Lei 200/1967 (por exemplo: artigo 10, §1º, alínea "c" e §7º).
A Lei 8.666/1993 menciona os serviços que podem ser terceirizados em seu artigo 6º, II, o qual define "serviços" como "toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais".
Note-se que os limites para esses contratos cingem às atividades materiais acessórias do ente administrativo, tais como os serviços de de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem e recepção.
A esse respeito, o Decreto Federal 2.271, de 7 de julho de 1997 é esclarecedor ao prescrever que, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade.
O mesmo decreto estatui que não poderão ser objeto de execução indireta "as atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal" (artigo 1º, § 2º).
Com o mesmo rigor, a Portaria 409, de 21 de dezembro de 2016 proíbe a terceirização relativa a: (i) atividades que envolvam a tomada de decisão ou posicionamento institucional nas áreas de planejamento, coordenação, supervisão e controle; (ii) atividades consideradas estratégicas para o órgão ou entidade cuja terceirização possa colocar em risco o controle de processos e de conhecimentos e tecnologias; (iii) funções relacionadas ao poder de polícia, as de regulação, de outorga de serviços públicos e de aplicação de sanção; e (iv) as atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal.
Ainda sobre a terceirização por contratos de prestação de serviços, note-se que a concessão administrativa se inclui nesta categoria, pois é espécie contratual pela qual a administração pública é a usuária direta ou indireta do serviço, conforme o artigo 2º, §2º, da Lei Federal 11.079/2004. O seu limite é ditado pelo artigo 4º, III, da mesma lei, o qual proíbe a delegação das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado.
Indo avante, no que tange à terceirização na prestação de serviços públicos, o artigo 175 da Constituição de 1988 admite a execução indireta de serviços públicos, sob regime de concessão ou permissão. Para além dessas hipóteses, é possível a contratação de terceiros para a execução de atividades materiais inerentes à prestação do serviço, haja vista que a Lei Federal 8.987/1995 faculta a concessionária a contratar com terceiros "o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, bem como a implementação de projetos associados" (artigo 21, §1º).
Tudo considerado, não se pode negar os avanços normativos e doutrinários, a fim de configurar os termos em que a terceirização pode ocorrer. Entretanto, muitas vezes, não há respostas claras sobre os limites da terceirização na esfera da administração. Nesse particular, cite-se, por exemplo, o polêmico programa Mais Médicos, implementado pelo governo federal, assim como a terceirização do serviço "190" da Polícia Militar do Estado de São Paulo e a atividade de emissão de passaportes e controle de imigração em aeroportos.
A agravar essa incompletude, para alguns, o escopo de abrangência da Lei 13.429/2017, que permite a contratação de temporários para o desenvolvimento de atividades-meio e atividades-fim, atinge a administração.
Nesse contexto, as terceirizações inconsequentes ou duvidosas devem ser evitadas. A tarefa difícil, mas importante, do administrador público é descortinar as situações em que é legítimo o trespasse de atividades para o setor privado, verificando se a contratação pretendida está atrelada ao atendimento de uma necessidade administrativa e se tal contratação é medida adequada, necessária e proporcional às circunstâncias fáticas.
É preciso, pois, uma valoração dos interesses públicos envolvidos no caso concreto, considerando, sobretudo, o princípio da razoabilidade e da moralidade administrativa, bem como o princípio da eficiência, a fim de otimizar os meios e resultados, e o princípio da (máxima) transparência em relação a tudo o que concerne à prestação do serviço.
Vê-se que, embora o instituto tenha sido procurado no setor privado, numa tentativa de melhorar a economicidade e a eficiência da administração, não é possível olvidar que estão em jogo, no setor público, pari passu à busca da eficiência dos gastos públicos, diversos outros valores jurídicos que devem ser observados e concretizados pela decisão administrativa.
Por Felipe Faiwichow Estefam
Felipe Faiwichow Estefam é advogado, consultor jurídico, professor de Direito Administrativo na pós-graduação da PUC-SP/COGEAE, doutor e mestre em Direito Público, pela PUC-SP, e mestre em arbitragem, pela Universidade de Rotterdam, na Holanda. É conselheiro do Conselho Superior de Assuntos Jurídicos e Legislativos (CONJUR), da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP).