Lista com os nomes de 114 prováveis vítimas, acompanhada de dossiê, incluindo material áudio-visual, será encaminhada ao Ministério da Saúde e à presidência da Funasa pelo vice-presidente da Comissão da Amazônia, deputado federal Sérgio Petecão (PMN/AC).
A contaminação por Dicloro-Difenil-Tricloroetano (DDT) pode está relacionada à morte de 114 funcionários da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) no Acre, entre os anos de 1994 até hoje. O último óbito foi registrado há 12 dias em Rio Branco.
O guarda de endemias aposentado Augustinho Castro e Silva sofreu uma parada cardíaca, resultado do alto grau de envenenamento no organismo. Segundo os amigos, foram meses de dor e solidão, sem qualquer acompanhamento por parte da direção do órgão ao qual ele dedicou a maior parte da sua vida.
Outros 300 funcionários, ainda em atividade, apesar dos evidentes problemas de saúde relacionados ao contato com o inseticida, lutam para provar que estão contaminados e receber a assistência necessária por parte do governo federal, incluindo gastos com medicamentos e indenização por danos morais e materiais sofridos em decorrência da contaminação.
‘’No ano de 95, morriam de dois a três, todo mês. Todas as vezes que enterrávamos alguém ficamos na expectativa de quem seria o próximo’’, desabafa o motorista oficial Aldo A. Silva, o grande incentivador do movimento que pretende expor para o país a triste situação a que estão relegados os funcionários da Funasa que foram contaminados pelo DDT durante as cruzadas contra a malária na zona rural do Acre.
Aldo tem 57 anos e também está contaminado. Confiante, ele acredita que unidos os servidores sairão vitoriosos e conseguirão evitar novas mortes. ‘’Tem um companheiro nosso que está em estado terminal de câncer. Oito dos nossos já morreram vítimas dessa doença, que comprovadamente tem uma relação muito estreita com o DDT. O que nós queremos é que as autoridades reconheçam isso e nos ofereçam as condições de buscar a cura ou pelo menos terminar dignamente os nossos dias’’, suplica.
Falta de equipamentos de proteção facilitou envenenamento
Segundo Aldo, a falta de equipamentos de proteção facilitou o envenenamento dos agentes de endemias (antigos guardas da Sucam) e motoristas que tinham contato direito com o DDT. ‘’Nosso único equipamento de proteção era o capacete de alumínio. Ele protegia a cabeça, mas deixava as narinas completamente expostas, em contato direto com o inseticida, que também penetrava diretamente na nossa pele’’, revela.
‘’Todas as vezes que borrifávamos uma casa na zona rural era comum encontramos cachorros, gatos e galinhas mortos pelos quintais. O que nós não sabíamos é que também estávamos sendo envenenados aos poucos e que um dia seriamos obrigados a lutar para poder provar que fomos contaminados no pleno exercício de nossas atividades, e que o governo federal tem uma dívida conosco’’, declara.
Lágrimas de revolta
Mário Wilson de Oliveira, 53 anos, trabalhou como guarda de endemias durante 20 anos, até que começou a sentir dores constantes nas articulações, tonturas e náuseas. Não demorou muito para o quadro evoluir para um derrame que o mantém de cama há 9 anos. O que Mário, a esposa e os três filhos não sabiam é que tudo isso estava relacionado ao contato com o DDT e que a família seria obrigada a arcar por conta própria com todas as despesas relacionadas ao tratamento.
Além da paralisia dos membros inferiores e superiores, Wilson também teve a fala afetada, mas é capaz de transmitir, num simples olhar, a dor e revolta guardadas dentro de si. Ao ser perguntando se tem consciência sobre os reais motivos da sua doença, ele chora, numa clara demonstração de lucidez, mas total incapacidade física imposta pelas complicações decorrentes do envenenamento.
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Inseticida age diretamente no sistema nervoso
Quem olha para Antônio Souza Oliveira, 44 anos, não imagina os estragos que os 10,71 ml/dl de DDT presentes no seu organismo têm provocado à sua saúde. Ao contrário de Wilson ele mantém todos os movimentos e aparentemente parece uma pessoa saudável. Mero engano, Antônio tem crises profundas de depressão, acompanhadas de queda de pressão e outros sintomas relacionados ao desequilíbrio do sistema nervoso.
Com o apoio da família, Antônio foi o primeiro funcionário da Funasa a responsabilizar o órgão judicialmente pela contaminação por DDT, requerendo o pagamento das despesas com remédios e indenização por danos morais e materiais pelos transtornos sofridos.
A ação, impetrada na 2ª Vara da Justiça Federal de Rio Branco, se fez acompanhar de laudo toxicológico, estudo neurofisiológico, laudo médico do trabalho, e vários outros exames, realizados em laboratórios especializados de Goiânia e Brasília, comprovando o alto grau de contaminação. Segundo a portaria nº 12, de 06 de junho de 1983, da Secretaria de Segurança da Saúde, o valor normal de presença de DDT no organismo humano é de até 3 mg/dl, o que significa que a quantidade encontrada em Antônio está três vezes acima do padrão tido como normal.
Antônio afirma ainda que encontrou agentes de endemias em Recife com até 400 mg/dl de DDT no organismo, e alerta que várias mulheres de funcionários também podem estar contaminadas em decorrência do contato direto com a roupa dos maridos, durante a lavagem.
Afastado das suas funções de agente de endemias desde setembro de 2005, Antônio controla os efeitos da contaminação com três medicamentos, hoje avaliados em R$ 1.060,00. O juiz federal Pedro Francisco condenou a direção da Funasa a bancar os gastos com os remédios e ainda pagar R$ 50 mil reais a título de indenização por danos morais e materiais, mas o órgão recorreu da sentença.
Sérgio Petecão vai requerer providências em Brasília
A lista com os nomes de 114 prováveis vítimas, acompanhada de dossiê, incluindo material áudio-visual, será encaminhada ao Ministério da Saúde e à presidência da Funasa pelo vice-presidente da Comissão da Amazônia, deputado federal Sérgio Petecão (PMN/AC). Na semana passada, ele se reuniu com um grupo de 20 funcionários contaminados e ouviu atentamente o depoimento de cada um deles.
‘’Eu conheço de perto o trabalho desenvolvido por essas pessoas, sei que eles deixam de lado as suas famílias para se embrenharem na mata para combater a malária e agora que estão doentes e precisando da ajuda do governo federal não podem simplesmente serem ignoradas’’, disse o parlamentar.
O presidente da Câmara de Vereadores de Rio Branco, Pedrinho Oliveira (PMN) – funcionário da Funasa licenciado – também participou da reunião. Apesar de fazer parte do quadro administrativo, ele se submeteu ao exame para detectar a presença de DDT no organismo e descobriu que também está contaminado.
‘’Isso demonstra o alto grau de contaminação desse produto, até nós que manipulávamos as fichas dos guardas de endemias fomos afetados’’, revela, garantindo que apóia a luta dos colegas e vai ajudar no que for possível para encaminhar as suas reivindicações, seja na esfera municipal, estadual ou federal.
Além da indenização pela contaminação por DDT, os agentes de endemias e motoristas da Funasa, que se encontram nessa situação, querem o direito a aposentadoria por 25 anos de serviço, a exemplo com o que já acontece com outras categorias.
‘’Um professor se aposenta com 25 anos de serviço porque trabalha com o giz, material bem menos tóxico do que o DDT, por que nós, que estamos envenenados, que demos a nossa vida para matar o mosquito da malária e salvar milhões de outras vidas, também não podemos ter direito, por que essa discriminação com a gente?’’, questionou Océlio Alves do Nascimento, acrescentando que o último exame realizado revelou um percentual de 70% da presença de DDT no seu organismo.
‘’Eles nunca tiveram respeito pela gente. Quando íamos para a zona rural não tínhamos nem lugar para acampar. Quantas vezes não dormir em chiqueiro de porco ou curral de boi. Agora, eles continuam nos relegando o segundo plano, escondendo da opinião pública que estamos doentes. Deixando-nos morrer a míngua’’, desabafa José Rocha de Aguiar.
O vice-presidente da Comissão da Amazônia, deputado federal Sérgio Petecão (PMN/AC), garantiu que vai requerer informações detalhada sobre o caso à presidência da Funasa, para saber se algum encaminhamento já foi dado, e também solicitar providências urgentes ao Ministério da Saúde. ‘’Todas as reivindicações são justas e acredito que contarei com o apoio de toda a bancada acreana para honramos esses homens que tanto já fizeram pelo nosso Estado e agora precisam de ajuda’’, concluiu Petecão.
Muitas promessas e pouca ação
O DDT começou a ser utilizado na Segunda Guerra Mundial para eliminar insetos e combater as doenças emitidas por eles como a Malária. Demora de 4 a 30 anos para se degradar.
Os EUA foram os primeiros a proibir seu uso, por volta dos anos 70, em virtude de seu efeito acumulativo no organismo. Alguns estudos sugeriram que é cancerígeno, provoca partos prematuros, causa danos neurológicos, respiratórios e cardiovasculares.
No Brasil, deixou de ser fabricado na década de 80. A Justiça Federal proferiu, em janeiro de 1997, sentença determinando que o Ministério da Saúde instituísse programa científico federal voltado à substituição do inseticida DDT nas campanhas de saúde pública.
A Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde baixou a Portaria nº 11, de 8 de janeiro de 1998, que proibi o uso do DDT nos programas de controle de doenças transmitidas por insetos, inclusive da malária.
Projeto de autoria do senador Tião Viana (PT/AC) tramita no Congresso Nacional , desde 2002, visando oficializar através de lei a proibição da fabricação, comercialização e exportação do produto.
Mas até hoje, apesar das muitas promessas, nenhuma iniciativa foi tomada de fato, visando o bem estar das pessoas, especialmente do Acre, que foram contaminadas pelo produto e que sofrem as conseqüências do envenenamento.
Dulcinéia Azevedo
Fotos de Damião Castro