Correio Braziliense - 07/05/2017
O endividamento das estatais totalizava R$ 448 bilhões no ano passado, dos quais 88% são só da Petrobras
O economista Fernando Antonio Soares, secretário de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Sest), do Ministério do Planejamento, está com uma das missões mais complicadas no governo: tornar as empresas públicas sustentáveis e preparar as privatizações de várias delas. Essa tarefa envolve a redução do número de funcionários. E também a aplicação da nova lei das estatais, que entrou em vigor no ano passado e é mais rigorosa com as nomeações de gestores e conselheiros dessas companhias, exigindo competência técnica para o cargo.
O universo das empresas públicas tem números expressivos. São 154 estatais com ativos somando R$ 4,7 trilhões e orçamento de custeio de R$ 1,3 trilhão para 2017. O endividamento totalizava R$ 448 bilhões no ano passado, dos quais 88% são da Petrobras e 10%, da Eletrobrás.
O quadro de pessoal é inchado. Em 2016, as estatais empregavam 530,9 mil funcionários, dado 22 mil abaixo que o de 2015. Neste ano, a meta de Soares é reduzir mais 20 mil, no mínimo. Os cortes ocorrerão em empresas como Caixa Econômica Federal, Correios, Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e Eletrobrás. Nessa última, ele conta que “o processo será mais intenso”, porque a empresa ficará voltada apenas para a atividade central, a geração e a transmissão. Haverá a privatização de seis distribuidoras a partir de novembro.
Essas vendas representarão seis mil funcionários a menos no quadro. Os estudos de viabilidade para a privatização de Ceron (RO), Eletroacre (AC), Ceal (AL), Cepisa (PI), Boa Vista Energia (RR) e Amazonas Energia (AM) devem ser concluídos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em julho. “Estamos trabalhando fortemente para iniciar os leilões neste ano”, afirma. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Correio.
Quantas estatais já foram enquadradas pela nova lei? Os Correios, por exemplo, cujo conselho o senhor integra, têm vice-presidentes sem perfil técnico, não é?
As estatais têm até junho de 2018 para o enquadramento na nova lei. Os processos estão em andamento. Os Correios não têm mais esse problema. Os vices atuais passaram pelo crivo do Ministério das Comunicações. Isso não cabe ao Planejamento. Quem não estava enquadrado já saiu. Até eu fui questionado pelo comitê, mas passei.
Quais empresas estão mais adiantadas nesse processo de enquadramento à lei?
Petrobras, BNDES e Banco do Brasil. Mas tem um mundo de empresas que não têm uma estrutura grande e, nesses casos, quem está formatando o estatuto padrão somos nós.
Como está o processo de enxugamento do quadro das estatais e as privatizações?
Entramos em 19 maio de 2016, quando a Sest ainda era Dest. Virou secretaria em agosto. O número de empregados caiu 22 mil no ano passado. Vamos dar continuidade a essa política de redução dos quadros e de programas de desligamento voluntário. Neste ano, a meta é de, pelo menos, uma redução de 20 mil, para 510 mil. Os PDVs (programas de desligamento voluntário) propostos pelas empresas precisam ser aprovados. Nosso objetivo é que a reposição não passe de 25% do total previsto com a redução.
Quantos PDVs estão previstos neste ano?
O BB já fechou o PDV no ano passado. Mas tem Caixa, Correios, Conab, Eletrobrás, que estamos finalizando. São 39 subsidiárias ligadas à Eletrobrás. Fazer com que a lei entre na consciência de todos leva tempo.
Como está o cronograma desses desligamentos?
Há vários PDVs em estudo. O próximo que temos que trabalhar é o da Eletrobrás, que tem hoje 23 mil funcionários. Vamos privatizar seis distribuidoras neste ano que foram incluídas no PPI (Programa de Parcerias de Investimentos): Ceron, Eletroacre Ceal, Cepisa, Boa Vista Energia e Amazonas Energia.
Quanto o governo espera arrecadar?
Vamos falar do cronograma porque o valor de arrecadação não está definido. O BNDES está coordenando os estudos de viabilidade e da modelagem jurídica. Eles serão entregues em julho. Mas isso tudo estará sujeito a ajustes. A ideia era que esses leilões fossem feitos no fim do ano. Tem um prazo para o edital e a conta do MME (Ministério das Minas e Energia) é para ocorrer a partir de novembro.
E como vai ser o leilão? Um único lote?
Não. Cada empresa tem uma operação muito específica e a proposta que tenho feito nas reuniões no MME e na Eletrobrás é que, uma vez finalizados os estudos e sanados todos os problemas, faremos o leilão, separadamente, à medida que formos formatando o edital. A venda será pelo maior valor de outorga, como ocorreu com a Celg-D, arrematada pela italiana Enel (em 2016). A outorga será por 30 anos. Não há impeditivo para os investidores, porque as distribuidoras de energia são monopólios naturais. Qualquer empresa vai ter que construir um consórcio aqui no Brasil para poder participar do processo de privatização.
Esse leilão vai ajudar a aumentar as receitas da União e evitar um novo contingenciamento?
Estamos trabalhando fortemente para iniciar os leilões da Eletrobrás neste ano, mas sempre há o imponderável. Temos uma estratégia fundamental: voltar para uma atividade que é central, a geração e a transmissão. As empresas tendem a ter mais eficiência e mais produtividade com maior especialização. Serão seis mil funcionários a menos com a venda dessas distribuidoras. Mas a Eletrobrás também vai ter um PDV. Esse setor de distribuição é intensivo de mão de obra e, por isso, haverá uma redução grande de pessoal, porque tem a prestação de serviços ao consumidor. No caso da geração, intensivo em capital, há menos funcionários.
Qual é a programação de aportes deste ano?
Especialistas têm demonstrado preocupação com a saúde financeira da Caixa, devido ao aumento da inadimplência do Minha Casa Minha Vida. Em 2016, os valores aplicados nas estatais somaram R$ 6 bilhões, sendo R$ 1,8 bilhão para a Infraero e R$ 2,9 bilhões para a Eletrobrás. Neste ano, o cenário fiscal nos impõe que sejamos bem austeros. Estamos prevendo R$ 2,1 bilhões, sendo R$ 1,488 bilhão para a Infraero. Não há previsão para a Caixa, que está se reestruturando. O banco tem o programa de desligamento voluntário e planeja fechar agências. Vai ter a venda da Lotex neste ano.
A previsão era para a venda da Lotex ter ocorrido em 2016.
O processo está evoluindo. Será no segundo semestre, com certeza. A ideia é vender o controle da empresa. O percentual está em aberto no governo, mas será elevado, acima de 50%.
A venda da BR Distribuidora vai sair neste ano?
Houve discussões no TCU (Tribunal de Contas da União) sobre a proposta de desinvestimento da Petrobras e saiu um acórdão em março. Houve alguns ajustes para dar mais publicidade ao processo. No mais tardar em junho, a Petrobras retomará esse programa de desinvestimento e a BR está incluída entre esses projetos. O processo ganhou segurança jurídica. Temos uma série de projetos em análise pelo governo que seguirão esses procedimentos. Já estamos trabalhando em novos aeroportos, que devem ser concedidos à iniciativa privada.
Quais serão leiloados? Os mais aguardados são Congonhas e Santos Dumont, mas, se isso ocorrer, o que será da Infraero?
Calma. Houve quatro leilões neste ano. Estamos discutindo como é que vai ser a modelagem dos novos. E, óbvio, essa preocupação com a Infraero existe, mas tudo está sendo estudado ainda. Definiremos os próximos ainda este ano.
Qual é a sua meta? Tem um número de redução das estatais das atuais 154 até 2018?
A minha meta não é essa. É tornar as estatais sustentáveis. O objetivo macroeconômico é o equilíbrio fiscal.
O que explica a recriação de uma estatal deficitária como a Telebrás?
Não vou entrar no mérito, não fui eu quem criou a estatal. O que importa para mim, dado que a Telebrás já existe, é atuar para que seja uma empresa sustentável. Existem 18 estatais dependentes dos recursos do Tesouro Nacional. Para algumas, é muito difícil deixar de ser pela atuação social, casos da Embrapa e da Codevasf. Nosso trabalho é fazer com que essas empresas precisem menos do Tesouro. A gente está dialogando para que os dispêndios sejam menores.
Como está a política de reajuste de funcionários das estatais?
No caso das convenções coletivas, caso dos bancários, não há como a gente mexer. Temos espaço para atuar é nos acordos coletivos de trabalho. Em 2006, tivemos zero categoria com ganho real no salário; 12 grupos tiveram reajuste pelo IPCA e 23, abaixo do IPCA. É preciso reduzir as despesas com pessoal, dado o esforço generalizado do país na contribuição para o ajuste fiscal.
(Rosana Hessel)