DO MANDADO DE INJUNÇÃO E DA CONCESSÃO DA APOSENTADORIA ESPECIAL DO SERVIDOR PÚBLICO
A aposentadoria especial é uma herança histórica, justificada pelo legislador como sendo um direito de antecipação da aposentadoria para quem trabalha sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integralidade física. O conceito era de que o trabalho agressivo à saúde humana deveria ser mais bem pago e mais curto (15, 20 ou 25 anos de trabalho, dependendo do grau de exposição aos agentes agressivos).
É certo que em alguns ramos de atividades laborativas, o trabalhador sofre um desgaste muito maior que em outros, e ao consentir à probabilidade ou a certeza do dano à integridade da pessoa humana, devemos reconhecer que a aposentadoria Especial é um benefício que garante ao trabalhador uma contrapartida diferenciada para compensar os desgastes auferidos pelo segurado ao longo dos anos.
É importante salientar que a possibilidade de aposentadoria especial para atividades consideradas penosas a saúde da pessoa humana, constou na redação original da Constituição da República, no primitivo art. 40, § 1º, sendo preservado tal direito nas sucessivas reformas ocorridas, seja pela EC nº. 20/1998 (quando passou a constar o § 4º, do art.40),ou seja pela EC nº. 47/2005 (que deu atual redação ao texto).
A Constituição da República, ao tratar do tema em seu art. 40, § 4º, expôs a intenção de proporcionar ao servidor público à aposentadoria especial nos casos onde estivesse exposto aos agentes prejudiciais a saúde ou a integridade física. Senão vejamos:
“Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas sua autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observado critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.
(...)
§ 4º è vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados
Para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores:
I – portadores de deficiência;
II – que exerçam atividades de risco;
III – cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física”.
A norma constitucional impõe, portanto, regulamentação específica (lei complementar), por meio da qual se defina a inteireza do conteúdo normativo a viabilizar o exercício daquele direito insculpido no sistema fundamental.
José Afonso da Silva ao comentar os direitos sociais previdenciários do servidor público explica que:
“´Servidor Público` é uma categoria importante de trabalhador; importante porque a ele incumbem tarefas sempre de interesse público. É por meio dele que o Estado realiza todas as suas atribuições. A despeito disso, tem ele sofrido, nos últimos tempos, desprestígio e desvalorização. Como trabalhador, cabem-lhe todas as formas de direitos sociais previstos no art. 6º da (Constituição da República), em igualdade de condições que se reconhecem a todos os trabalhadores. Há porém, diferenças que se assinalam, especialmente no que tange aos seus direitos trabalhistas e previdenciários, que estão sujeitos a regimes jurídicos especiais. A relação de trabalho subordina-se a um regime estatutário, a que ele adere por via de concurso público. Desse estatuto é que decorrem, para ele, os direitos e deveres funcionais, embora se lhe estendam alguns dos direitos trabalhistas previstos para os trabalhadores em geral (art. 39, § 3º).
Em principio, é vedada a adoção de requisitos e critérios (para a aposentadoria) diferentes dos (abrangidos pelo art. 40 e §§, da Constituição da República), ressalvados, nos termos definidos em lei complementar, os caos de servidores portadores de deficiência ou que exercem atividades de risco e aqueles cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou integridade física(Emenda Constitucional n.47/2005). Lembre-se que o § 1º do art. 40 na redação original era especifico, permitindo a redução de tempo de serviço para fins de aposentadoria no caso de atividades consideradas penosas, insalubres ou perigosas. O texto da Emenda Constitucional n.20/98 é mais aberto, mas é razoável pensar que a lei complementar vai incluir as atividades penosas, insalubres e perigosas, que são as mais suscetíveis de prejudicar a saúde e a integridade física. Por isso, manteremos aqui, a consideração que expendemos de outra feita a respeito desses termos. “Penosas” são atividades que exigem desmedido esforço para ser exercício e submetem o exercente a pressões físicas e morais intensas, e por tudo isso gera nele profundo desgaste. “insalubres” são atividades que submetem seu exercente a permanente risco de contrair moléstias profissionais. “perigosas”, quando o servidor, por suas atribuições fica sujeito, no seu exercício, a permanente situação de risco de vida – como certas atividades policiais. A lei complementar o dirá.”
[1] Vemos que se trata de uma norma constitucional de eficácia limitada, ou seja, “são aquelas que apresentam aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque somente incidem totalmente sobre esses interesses, após uma normatividade ulterior que lhes desenvolva a aplicabilidade. Essa previsão condiciona o exercício nos termos e nos limites definidos em lei especifica”
[2].
Essa regra condiciona o exercício do direito a aposentadoria especial do servidor público, uma vez que limita o direito a uma posterior edição de lei, que no caso é Lei Complementar.
O constituinte originário e derivado, ao prever a regulamentação via lei complementar, tinha como intuito propiciar uma melhor regulamentação legislativa por meio de Lei específica, conquanto não esperava que tal edição levaria mais de 20 anos.
Devido ao lapso temporal de carência normativa para regulamentar o direito à aposentadoria especial dos servidores públicos, torna inviável o exercício constitucionalmente garantido resultando em um óbice à não concessão ou ao não-reconhecimento da aposentadoria especial no âmbito administrativo.
O Servidor Público, como Trabalhador que é, tem direitos sociais assegurados pela Constituição, em que pese o trabalho seguro (garantia constitucional contida nos artigos 7º, inciso XXII, e 39, § 3º), do que resulta percorrer o caminho mais curto para a aposentadoria especial se assim tiver direito.
Diante da ausência normativa, o servidor público se viu obrigado a buscar outra maneira de obter a aposentadoria especial, tanto acionando o judiciário por meio de ação ordinária ou mesmo se respaldando no direito constitucional através do “remédio constitucional” Mandado de Injunção.
A possibilidade de se buscar em juízo a regulamentação do direito e liberdade constitucional tem como pressuposto o direito ou a prerrogativa de acionar o judiciário sempre que um direito constitucionalmente garantido for violado.
Assim a Constituição da Federal prevê em seu art. 5º, inciso LXXI, que conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à soberania e a cidadania.
Nas palavras do professor Alexandre de Moraes
“...o mandado de injunção consiste em uma ação constitucional de caráter civil e de procedimento especial, que visa suprir uma omissão do Poder Público, no intuito de viabilizar o exercício de um direito, uma liberdade ou uma prerrogativa prevista na Constituição Federal.”
[3] Segundo José Cretella Junior:
“ Definimos o mandado de injunção como ação civil de rito sumário, que possibilita a todo aquele, que tem direito subjetivo público ou privado, exigir, em juízo, o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, tornados inviáveis pela falta de norma regulamentadora...
Assim, sempre que a falta de norma regulamentadora, já existente ou a ser editada, isto é, regra jurídica ordinária federal,complementadora de dispositivo elaborado pelo constituinte, torna inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais, e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, o Poder Judiciário, mediante provocação do interessado concederá mandado de injunção. Desse modo, aqueles direitos liberdades podem ser exercitados por quem quer que seja detentor do respectivo direito subjetivo, público ou privado, mas que não possa exercê-los por falta de regra jurídica ordinária...”
[4] No intuito de alcançar seu direito a aposentadoria especial, os segurados regidos pelo regime próprio, começaram a impetrar Mandados de Injunção junto ao STF, pois a Corte Maior havia deixado de lado o entendimento que o Mandado de Injunção limitar-se-ia a uma declaração da mora legislativa, sob o argumento de que não lhe competia o exercício da atividade legislativa em razão do princípio da separação dos poderes.
Esse posicionamento foi superado com o julgamento dos Mandados de Injunção números 670-ES, 708-DF e 712-PA, nos quais se pretendia a garantia aos servidores público do exercício do direito de grave previsto no art. 37, inc. VII, da CF/1988.
Nos julgamentos ressaltou-se a possibilidade de uma regulamentação provisória pelo próprio Judiciário. Nesse passo em 30.8.2007, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou o Mandado de Injunção n.721, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, impetrado por servidora pública que pleiteava a integração da lacuna legislativa para o reconhecimento do direito à aposentadoria especial decorrente de trabalho realizado em condições insalubres a mais de 25 anos. Vejamos:
É tempo de se refletir sobre a timidez inicial do Supremo Tribunal quanto ao alcance do mandado de injunção, ao excesso de zelo, tendo em vista a separação e harmonia entre os Poderes. É tempo de se perceber a frustração gerada pela postura inicial, transformando o mandado de injunção em ação simplesmente declaratória do ato omissivo, resultando em algo que não interessa, em si, no tocante à prestação jurisdicional, tal como consta no inciso LXXI do art. 5º da Constituição Federal, ao cidadão. Impetra-se este mandado de injunção não para lograr-se simples certidão da omissão do Poder incumbido de regulamentar o direito a liberdades constitucionais, a prerrogativas inerentes a nacionalidade, à soberania e à cidadania. Busca-se o Judiciário na crença de lograr a supremacia da lei fundamental, a prestação jurisdicional que afaste as nefastas conseqüências da inércia do legislador. Conclamo, por isso, o Supremo, na composição atual, a rever a óptica inicialmente formalizada, entendendo que mesmo assim, ficará aquém da atuação dos Tribunais do Trabalho, no que, nos dissídios coletivos, a eles a Carta reserva, até mesmo, a atuação legiferante, desde que, consoante prevê o § 2º do artigo 114 da Constituição federal, sejam respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho. Está-se diante de situação concreta em que o Diploma maior recepciona, mesmo assim de forma mitigada, em se tratando apenas do caso vertente, a separação dos Poderes que nos vem de Montesquieu. Tenha-se presente a frustração gerada pelo alcance emprestado pelo Supremo ao mandado de injunção. Embora sejam tantos os preceitos da Constituição de 1988, apesar de passados dezesseis anos ainda na dependência de regulamentação, mesmo assim não chegou à casa do milhar na interpretação dos mandados de injunção”.
Havendo, portanto, sem qualquer dúvida, mora legislativa na regulamentação do preceito veiculado pelo artigo 40, § 4º, a questão que se é a seguinte: presta-se, esta Corte, quando se trate da apreciação de mandados de injunção, a emitir decisões desnutridas de eficácia?
Esta é a questão fundamental a considerarmos. Já não se trata de saber se o texto normativo de que cuida – Artigo 40, § 4º - é dotado de eficácia. Importa verificarmos é se o Supremo Tribunal Federal emite decisões ineficazes; decisões que se bastam em solicita ao Poder Legislativo que cumpra o seu dever, inutilmente. Se á admissível o entendimento segundo o qual, nas palavras do ministro Neri da Silveira, “ a Suprema Corte do Pais decide sem que seu julgado tenha eficácia”. Ou, alternativamente, se o Supremo Tribunal Federal deve emitir decisões que efetivamente surtam efeitos, no sentido de suprir aquela omissão.
A mora, no caso, é evidente. Trata-se, nitidamente, de mora incompatível com o previsto e proclamado pela Constituição do Brasil no seu artigo 40, § 4º.
[5] Salvo na hipótese de – como observei anteriormente, lembrando FERNANDO PESSOA – transformarmos a Constituição em papel “pintando com tinta” e aplicá-la em coisa em que está indistinta a distinção entre nada e coisa nenhuma, constitui dever-poder deste Tribunal a formação supletiva, no caso, da norma regulamentadora faltante.
O argumento de que a Corte estaria então a legislar – o que se afiguraria inconcebível, por ferir a independência e harmonia entre poderes (art.2º da Constituição do Brasil) e a separação dos poderes (art. 60, § 4, III) – é insubsistente.
Pois é certo que este Tribunal exercerá, ao formular supletivamente a norma regulamentadora de que carece o artigo 40, § 4º, da Constituição, função normativa, porém não legislativa”.
Assim ficou caracterizado, pelo voto acima, o dever do Poder Judiciário em afastar a inércia Legislativa, de forma a viabilizar a imediata aplicação do direito no caso concreto, sob pena de termos uma Constituição ineficaz.
Hoje em dia, consolidado o entendimento do STF sobre a eficácia do Mandado de Injunção, as barreiras existentes com relação a aposentadoria especial foram quebradas, e o segurado que deseja se aposentar na categoria especial tem a opção pela via judicial.
Porém, com o crescimento exponencial de Mandados de Injunção sobre a matéria no Tribunal e no intuito de facilitar o acesso a aposentadoria especial d servidor público o STF editou a proposta de Sumula Vinculante de numero 45.
A proposta de sumula vinculante foi apresentada pelo Ministro Gilmar Mendes, Presidente da Corte, que tem como sugestão o seguinte texto:
“Enquanto inexistente a disciplina específica sobre a aposentadoria especial do servidor público, nos termos do artigo 40, § 4º da Constituição Federal, com a redação da Emenda Constitucional n. 47/05, impõe-se a adoção daquela própria aos trabalhadores em geral (art. 57, § 1º da Lei n. 8.213/91)”
[6].
O STF considerou que não existem tentativas concretas do legislativo em suprir a omissão constitucional que foi reiteradamente reconhecida pela Corte Maior e lançou mão do Art. 103-A da CF
[7] e do art. 2º da Lei 11.417/06
[8], editando de ofício o enunciado da proposta de sumula vinculante numero 45. Senão Vejamos:
Uma vez aprovada a sumula e publicada na imprensa oficial, esta passará a ter efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. Com isso o caminho da aposentadoria especial do servidor público seria encurtado.
O Supremo já se manifestou em diversas oportunidades quanto à possibilidade de aplicação do parágrafo 1º, do artigo 57, da Lei 8.213/91 para concessão de aposentadoria especial a servidores públicos. Isso porque há omissão de disciplina específica exigida pelo parágrafo 4º, do artigo 40, da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 47/2005.
Dessa forma, uma vez que se reconheceu a mora legislativa e a necessidade de se dar eficácia a norma constitucional, o STF decidiu a questão determinando a aplicação subsidiária das regras do regime geral de previdência social a fim de efetivar o direito do servidor público.
Para o STF enquanto perdurar a mora do Executivo e do Legislativo, aplicar-se-á as regras do RGPS, ou seja, serão aplicados subsidiariamente os art. 57 e 58 da Lei 8.213/91 que dispõe sobre os planos de benefícios da previdência social.
Vale destacar que nos termos da atual redação do artigo 57 da lei 8.213/91, é necessário a comprovação do tempo de serviço e da efetiva exposição aos agentes físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais(15, 20 ou 25 anos) para concessão do benefício especial, conforme explanado no capítulo que trata da Concessão da Aposentadoria Especial do Celetista.
[1]DA SILVA, José Afonso. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo; Editora Malheiros, 2008, p 360- 362.
[2] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15ª Edição. São Paulo; Editora Atlas S.A., 2004, p 43.
[3] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15ª Edição. São Paulo; Editora Atlas S.A., 2004, p 180.
[4] JUNIOR, José Cretella. Comentários à Constituição Brasileira de 1988, v. 2, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1989, pg 724.
[5] MI 721/DF. Relator: Min. Marco Aurélio, Julgamento em: 30/8/2007, publicado no DJ de 31/11/2007 ata nº 52/2007. Acessado em 11/05/2010. Disponível em HTTP://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2291410.
[6] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Proposta de Súmula Vinculante sobre aposentadoria especial de servidores públicos recebe 21 petições. Disponivel em:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=111314. Acesso em 05 de maio de 2010.
[7] Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)[8] Art. 2o O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, editar enunciado de súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma prevista nesta Lei
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