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Cor ainda é barreira. Apenas 4% dos servidores do Executivo federal são negros. Cota de 20% para afrodescendentes nos concursos públicos produziu melhora tímida na Esplanada
A despeito da inúmeras políticas afirmativas de inclusão no mercado de trabalho, as desigualdades no funcionalismo público federal, pela raça ou cor, continuam gritantes. O acesso é aparentemente democrático, porque todos entram por concurso. Mas na medida em que aumenta o nível de complexidade, se elevam também as disparidades. Dos 619.364 servidores na ativa do Poder Executivo, 320.371 (51,7%) são brancos. Apenas 138.936 (22,4%) são pardos e 24.765 (4%), negros, segundo estudo da Escola Nacional de Administração Pública (Enap).
Os resultados contrastam com a distribuição da população brasileira, com base no Censo Demográfico de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no qual os brancos aparecem em minoria (47,7%), diante da quantidade de pardos (43,1%) e pretos (7,6%) somados (50,7%).
Dos 25 ministérios considerados no levantamento, em apenas quatro, trabalhadores da cor branca não são maioria absoluta (acima de 50%): Agricultura e Pecuária (48%), Meio Ambiente (47%), Desenvolvimento Agrário (42%) e Integração Nacional (42%). No Ministério de Relações Exteriores, a brancos representam 32%, mas 58% não declararam ou não foram questionados sobre a cor da pele ao ingressarem.
Em cargos de elite, ou de decisão estratégica (Cargos de Direção e Assessoramento Superior - DAS), pretos e pardos estão ainda mais ausentes. No DAS 6, com ganho mensal de R$ 12,9 mil, 77% dos ocupantes são brancos (8% pardos e 4% negros). No DAS 5 (R$ 10,4 mil), há 73% de brancos, 11% de pardos e 2% de negros. E no DAS 4 (R$ 7,9 mil), os brancos ocupam 69% das funções, bem acima dos 16% de pardos e 3% de negros. Conforme o valor cai, aumenta a quantidade das minorias: DAS 1 (R$ 2,1 mil), 55%, 24% e 4%, de brancos, pardos e negros, respectivamente; DAS 2 (R$ 2,7 mil), 58%, 23% e 4%; DAS 3 (R$ 4,4 mil), 63%, 21% e 4%.
Os salários maiores são, por outro lado, o indicativo do nível de escolaridade. No serviço público, 23,5% das pessoas de cor branca têm nível fundamental; 41,1%, nível médio; e 61,1%, superior. Enquanto a maioria dos pardos e negros (44,3% e 6,4%, respectivamente) só concluíram o nível fundamental. Pequena parte (26,7% e 5,2%) exercem funções de nível intermediário e quantidade menor (17,3% e 2,8%), superior.
Quanto a comparação é entre as mulheres, o estudo da Enap aponta que 24% são brancas, 9% pardas e 2% negras. Dessas, entre as ocupantes dos cargos com DAS, 26% são brancas, 9% paradas e 2% negras. Os índígenas também têm baixa representação no serviço público. São 0,4% da população brasileira e 0,3% dos servidores. Estão em apenas dois ministério: Justiça (1%) e Meio Ambiente (2%). E 0,4% apenas têm DAS.
O destaque, no entanto, é para a raça amarela. Embora sejam 1,1% da população brasileira, são 3,1% dos servidores federais, estão presentes em todos os ministérios, com diferentes níveis de escolaridade (2,8% auxiliar, 4,5%, intermediário e 2,7%, superior)
Políticas raciais
Os dados do “Estudo Servidores Públicos Federais - Raça/Cor - 2014”, informou Pedro Luiz Costa Cavalcante, diretor de comunicação e pesquisa da Enap, foram retirados do Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos (Siape). Carecem de atualização pelo Ministério do Planejamento, pois revelam a situação do servidor ao entrar e não a evolução acadêmica ao longo da carreira.
“Mas são informações importantes sobre a realidade do Executivo para orientar as políticas públicas, principalmente após a aprovação das cotas no serviço público, cujo principal objetivo é interferir no recrutamento em todos os cargos para ampliar a representação das minorias”, destacou Cavalcante.
A Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), com orçamento previsto de R$ 52 milhões para esse ano (antes dos cortes para inflar o superávit primário), investiu R$ 9,5 milhões em 2014 em políticas afirmativas (entre recursos próprios e emendas parlamentares), segundo Angela Nascimento, secretário de Políticas e Ações Afirmativas.
Apesar dos números nada satisfatórios, apresentados pela Enap, ela destacou que as melhoras, embora lentas, estão acontecendo. Desde a aprovação da Lei 12.990/2014, em 7 de julho passado, que estabeleceu cotas de 20% no serviço público, foram abertas 12.476 oportunidades em concursos para a administração federal.
“Desse total, 450 vagas foram ofertadas a negros. Dessas, 450 foram para nível superior e 147 para nível médio. O restante foi para cargos que exigiam o fundamental. Está longe de ser suficiente, mas já é um avanço, para um país que incorporou recentemente as perpectiva racial para o conjunto das políticas públicas”, destacou Angela Nascimento. Perspectiva, no entanto, ainda não completamente absorvida pelo Estado.
O estudo da Enap ressalva que dentro do próprio governo há divergências na nomenclatura entre o Ministério do Planejamento e o IBGE na definição de raça/cor: o primeiro usa parda e negra e o segundo, parda e preta. “O certo, como se trata de uma terminologia que é auto-declaratória, seria uma convergência”, admitiu Cavalcante.
A secretária, pega de surpresa nesse particular, explicou, desde 2012, houve um aviso interministerial para que o conjunto dos órgãos se adequasse à nomenclatura do IBGE. Aos poucos, disse, o Brasil vai se adaptando à nova realidade.
“O país demorou séculos para admitir que não havia igualdade racial e que as relações tiveram como base a hierarquia entre brancos e negros. Isso refleteiu em todos os campos de conhecimento e de representação. Até porque havia o discurso de que não havia racismo. Os problemas sempre foram reduzidos a uma questão de classe. É importante reconhecer que as políticas afirmativas tiveram impacto na base mais conservadora dessa estrutura, mas que exigem um tempo para resultados práticos mais contundentes”, destacou Angela Nascimento
Brasília, 08h00