Vera Batista
Correio Braziliense - 08/01/2016
Apesar de ter elevado de 21,3% para 27,9% o índice de reajuste salarial que as carreiras típicas de Estado terão até 2019, o governo garante que os gastos com a folha de pagamento estão controlados. Descontente com as críticas feitas por analistas ao crescimento da despesa, o secretário de Gestão de Pessoas e Relações do Trabalho do Ministério do Planejamento, Sérgio Mendonça, desabafou. Esse tipo de acusação “é balela, é furada, é papo mole de analista de mercado”, disse ele ao Correio.
“O mercado deveria ser honesto. Demos um reajuste de 5% em janeiro de 2015 e vamos ter uma inflação de 10,5% no ano. Estamos fazendo o próximo reajuste, de 5,5%, em agosto de 2016. E o mercado está dizendo, por meio do Boletim Focus, é que a inflação será de 6,7% em 2016. Onde está a expansão do gasto de pessoal?”, questionou Mendonça.
O secretário deixou um recado aos servidores que preferiram fechar reajuste por dois anos e pretendem pressionar o governo, em 2017, por equiparação com outras carreiras. Segundo ele, a opinião pública vai perceber que o poder público gasta muito com a folha e fazer pressão ainda maior por responsabilidade fiscal.
Segundo especialistas, há várias formas de aposentadoria no serviço público. Nesta última negociação, quantas pessoas estão envolvidas e qual será o impacto no Orçamento?
A incorporação da gratificação de desempenho vai afetar em torno de 203 mil servidores. São 69 mil já aposentados e 134 mil que ainda vão se aposentar. Pode ter gente que vai se aposentar amanhã ou em 23 anos. Por isso, é difícil saber o impacto num determinado momento. Quem se aposentou antes de 2001, quando entraram em vigor as gratificações, não tem direito. De lá para cá, o servidor que recebeu por cinco anos a gratificação de desempenho, levará para a aposentadoria uma média desse valor. Também tem direito a incorporar total ou parcialmente as gratificações quem entrou para o serviço público antes de fevereiro de 2004, quando entrou em vigor outra regra para aposentadoria, que é a soma das 80 maiores contribuições desde 1994. O assunto é complexo.
A gratificação em pontos corresponde ao valor do vencimento básico?
Depende da carreira. Na maioria, representa 55% da remuneração total. No carreirão, por exemplo, a remuneração é composta de vencimento básico e gratificação, que é calculada por pontos. Essas pessoas, até 2015, mesmo alcançando a pontuação máxima, de 100, durante a carreira, só se aposentavam, por lei, com 50 pontos. Pela negociação feita agora, o valor será elevado, até janeiro de 2019, para a média de pontos que o servidor tinha na ativa quando se aposentou. Isso afeta aqueles 69 mil já aposentados.
Ele vai ganhar pelo menos mais 25% do salário dele. Hoje, ganha 75%?
Se ele ganha 100 pontos e a gratificação é 55% da remuneração, atualmente, ele ganha 27,5%, e pela regra negociada, poderá chegar aos 55% da ativa. Mas essa é uma situação limite, nem todo mundo tem 100 pontos de avaliação. Tem gente que tem no máximo 80 pontos. São aqueles que ficaram como dirigentes sindicais ou atuaram fora de seu órgão de origem.
E os 134 mil que ainda não se aposentaram?
As pessoas que não se aposentaram e entraram antes de fevereiro de 2004 fazem jus aos 5 anos de gratificação de desempenho.
Então, se elas vão passar a receber o que estão ganhando na ativa, vai haver impacto no orçamento?
Não tem gasto adicional. Não vai haver expansão, será uma manutenção de gasto, porque o servidor já recebe isso. O que ocorre é que, com as aposentadorias, o governo pouparia o valor das gratificações e isso não acontecerá. Nossa estimativa é de que, até 2019, incluindo todo mundo, pouparíamos R$ 700 milhões, nesse grupo de 134 mil.
O servidor terá que optar por essa regra?
Ele tem três anos para decidir. O servidor poderá fazer a conta para ver o que é mais vantajoso, a incorporação dos 50 pontos ou a média das 80 últimas contribuições.
Qual o impacto no Orçamento desse funcionários que ainda não se aposentaram?
R$ 1,37 bilhão, até 2019. E isso não significa que o governo seja perdulário. Não é. Esse valor representa 0,99% da folha de pagamento. Achamos que é uma medida justa, uma pauta justa dos sindicatos.
O que o mercado está dizendo é que essa negociação, justa ou não, aumenta o rombo do regime próprio de previdência, exatamente no momento em que o governo promete apertar o cinto.
Divirjo completamente. E por uma razão muito simples. O mercado deveria ser honesto. Fizemos um reajuste salarial de 5% em janeiro 2015 e a inflação do ano foi de 10,5%. O próximo reajuste, de 5,5%, virá em agosto de 2016. E o mercado está dizendo, por meio do Boletim Focus, que a inflação será de 6,7% em 2016. Onde o governo está expandindo gasto de pessoal? Em dois anos, a inflação vai dar 17%. E vamos dar reajuste de 7,5%, 8%. Quero ver o mercado fazer essa conta comigo.
Também é balela quando o mercado fala de rombo de R$ 67 bilhões no regime próprio?
O rombo da previdência dos servidores não aumenta porque, nessa conta, a massa de salário dos aposentados e pensionistas já está incluída. Se, num biênio a inflação é de 17% e o aumento, de 7%, também estou ajustando essa massa. Todo mundo sabe, e o mercado sabe melhor que inflação com contenção de despesas resolve qualquer deficit.
E sobre o aumento de 27,9% para as carreiras de Estado, que não estava programado?
Isso não significa aumento da despesas de pessoal. Repito: em dois anos, termos 7,5% de reajuste e inflação de 17,5%. Onde estamos aumentando o gasto?
Há categorias que pressionam muito, como as da Receita e da Polícia Federal. Algumas carreiras querem equiparação a 90,25% dos subsídios dos ministros do STF. Também o carreirão e outras, que tiveram 10,8% por dois anos, podem fazer muita pressão em 2018.
O gasto com pessoal entrou para agenda do debate público de forma muito contundente. Não por causa do União, em que a despesa está equilibrada, mas por causa dos estados e municípios. Eles estão começando a atrasar salários, e a situação vai piorar em 2016. Isso vai colocar foco sobre o tamanho do gasto com pessoal. Vamos voltar à mesa de negociação em 2017 com pressão. E daí? A sociedade vai pressionar muito mais que os servidores por responsabilidade fiscal. A opinião pública vai estar afetada por um hospital onde é atendida, por uma escola que tem que invadir.
A carreiras do Fisco federal reclama que está muito aquém dos fiscos estaduais. Esse discurso vai perder o sentido?
Isso vai a debate no Executivo, no Legislativo e no Judiciário. E, mesmo quem não tem estudo se perguntará se o que paga de imposto vale o retorno.