Servidor que fiscaliza a execução de obras públicas não pode se eximir de suas responsabilidades, alegando falta de conhecimento especializado ou ignorância quanto às exigências legais para legitimar condutas lesivas. Afinal, segundo o jurista Marçal Justen Filho, quem assume cargo público se subordina a um dever geral de eficiência que não pode ser neutralizado mediante a pura e simples invocação da boa-fé.
Com esse fundamento, a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região manteve, na íntegra, sentença que confirmou multa aplicada a um ex-diretor de Engenharia do extinto Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER). Com a manutenção do acórdão condenatório do Tribunal de Contas da União, o ex-dirigente terá de pagar R$ 10 mil aos cofres da União, já que concordou com as alterações contratuais que acabaram lesando o erário em cerca de R$ 1 milhão — valores de abril de 1999. Segundo o TCU, ele agiu com culpa na modalidade ‘‘negligência’’.
Nas duas instâncias da Justiça Federal da 4ª Região, ficou claro que, ao concordar com a revisão do contrato, o servidor deu causa a pagamentos indevidos, encarecendo a obra rodoviária. Para os julgadores, os efeitos do sobrepreço tiveram a chancela de alguém que tinha o dever funcional de supervisionar e revisar o trabalho de seus subordinados, e não o fez. O acórdão foi lavrado na sessão de 24 de janeiro.
Declaratória de nulidade
Tudo começou quando o autor, atuando num cargo de gerência em Brasília, recebeu e aprovou proposta de revisão do projeto básico de pavimentação do trecho Adrianópolis/Bocaiúva do Sul, na BR-476, no Paraná, serviço executado pela empresa J. Malucelli Construtora de Obras S/A. O TCU, fiscalizando esse contrato, entendeu que houve dano ao erário, condenando o autor, a executora da obra, a empresa supervisora e o fiscal do contrato ao pagamento do débito de R$ 1 milhão e à multa no valor de R$ 10 mil. A multa é prevista no artigo 57 da Lei 8.443/1992: ‘‘Quando o responsável for julgado em débito, poderá ainda o Tribunal aplicar-lhe multa de até cem por cento do valor atualizado do dano causado ao Erário’’.
Na ação em que tentou obter a declaração de nulidade do acórdão do TCU, ajuizada na 3ª Vara Federal de Curitiba, o autor explicou que apenas referendou o parecer do chefe do Serviço de Projetos após aprovação da chefia da Divisão de Estudos e Projetos do DNER. Disse que, por trabalhar num posto mais elevado no DNER, não faz sentido algum ser cobrado pelo decidido nas demais instâncias técnicas competentes. Sustentou que o acórdão do TCU revela nítida intromissão no mérito dos atos administrativos da autarquia. Afinal, antes mesmo de ter tomado conhecimento da revisão do projeto básico em fase de obras, estas haviam concluído pela oportunidade e conveniência das alterações propostas.
Em alegações finais, o autor afirmou que não tem responsabilidade pela revisão dos preços do contrato, já que a alteração é produto de uma complexa cadeia de atos praticados numa estrutura hierarquicamente organizada. E ressaltou que a condenação é injusta, pois o próprio TCU reconheceu que fora induzido em erro pela empresa supervisora da obra.
Sentença improcedente
A juíza federal Ana Carolina Morozowski ponderou, inicialmente, que o autor não se insurge contra a constatação de sobrepreço, nem tenta impugnar os critérios de cálculos utilizados pelo TCU para apurar o valor do débito. Argumenta apenas que a multa aplicada contra si não é devida, por várias razões — essencialmente, porque estava em Brasília, longe dos fatos, e de ter sido induzido em erro.
Segundo a julgadora, a condenação do autor naquele tribunal está assentada em duas premissas. A primeira, pela existência de erros grosseiros no projeto inicial da obra, que poderiam ser detectados desde o início pelas empresas licitantes. A segunda, em função do sobrepreço, fruto de alterações no projeto básico que encareceram alguns itens em patamares acima do mercado, refletindo no custo total da obra.
‘‘Conforme vasta jurisprudência do TCU, uma vez verificado o sobrepreço de itens de um dado contrato administrativo, é dever da Administração repactuar os valores contratados de maneira a torná-los compatíveis com os serviços executados. Confiram-se, a título de exemplo, os julgados AC 3300-54/11, DC 0680-33/00. No caso de o contrato já ter se findado, a solução preconizada pelo tribunal é a abertura de processo de tomada de contas especial (AC 3134-46/10 e AC 0053-02/07-2), tal qual ocorreu no caso em apreço’’, exemplificou na sentença.
Para a magistrada, o interesse público é que conta e justifica a glosa dos valores a maior. E é essa supremacia do interesse público — reforçou — que rege todo o Direito Administrativo e que não permite que a administração pública seja prejudicada por proposta incompatível com os valores usualmente praticados. Aliás, destacou, a própria licitação impede que a administração pague valores exorbitantes por um determinado serviço ou bem. Por isso, eventual dano causado ao patrimônio público em decorrência de sobrepreço deve ser reparado, independentemente de qualquer outra circunstância.
‘‘O TCU com acerto julgou que as dificuldades que as autoridades enfrentam ao, muitas vezes, depender de seus subordinados para lhes prestarem informações e, após, tomarem decisões, não lhes retira a responsabilidade pelos atos que praticam. Da mesma forma, a distância geográfica e institucional entre o servidor, lotado em Brasília, e o local de execução dos serviços de pavimentação, não exime o autor de sua responsabilidade pela aprovação da alteração em questão’’, registrou a sentença.
Fonte: Consultor Jurídico