Jornal Extra - 07/05/2017
Brasília - Cerca de 57,9 milhões de brasileiros, ou 28% da população, recebem algum tipo de pagamento diretamente do Estado. Fazem parte desse universo os 10 milhões de servidores ativos e inativos que têm governos municipais, estaduais e a União como pagadores no contracheque, além dos 33,8 milhões que recebem aposentadorias e benefícios do INSS. Soma-se a isso os 13,4 milhões de inscritos no Bolsa Família, além de alguns milhares de destinatários de repasses mais pontuais, como seguro-defeso e bolsas de estudo.
O volume de pagamentos chegou a R$ 941 bilhões em 2016, cerca de 15% do PIB daquele ano (de R$ 6,3 trilhões). No caso da remuneração de servidores de estados e municípios, a base considerada foi de 2015, a mais atual disponível. A maior folha de pagamento é a do INSS (R$ 507,8 bilhões anuais), seguida pela União (R$ 273,6 bilhões), estados (R$ 106,3 bilhões) e municípios (R$ 24,7 bilhões). Dos programas assistenciais, o Bolsa Família tem o maior orçamento (R$ 27,4 bilhões em repasses).
Na avaliação de especialistas, os números estratosféricos apontam que o Estado, que provê diretamente ou complementa a principal renda de praticamente um terço da população, é grande, mas nem sempre inchado. Eles chamam a atenção para a distribuição extremamente desigual dos recursos e como esse aspecto deve ser levado em consideração na análise do impacto dos pagamentos nas contas públicas.
Na avaliação de Raul Velloso, consultor econômico e ex-secretário do Ministério do Planejamento, a “grande folha de pagamento” da União hoje não tem paralelo no mundo ocidental. Os números apontam, segundo o especialista, uma dependência enorme das pessoas em relação ao Estado, com consequências nefastas nas escolhas políticas em virtude da posição do governo como patrão ou provedor principal.
— Duvido que haja um país desenvolvido na Europa que gaste tanto com pessoas em relação ao orçamento central como nós gastamos. Significa que as pessoas dependem muito do Estado, o que leva a uma captura mútua — afirma Velloso. — Os beneficiários capturam o político pelos seus anseios e o político captura o beneficiário-eleitor com medidas nem sempre adequadas naquele momento, aumentando salário, por exemplo.
Velloso ressalta, porém, que apesar de um grande número de destinatários dos pagamentos do governo, os valores repassados à maioria fazem parte do “bolo do salário-mínimo”. Ou seja, há uma massa de pessoas que recebem um valor extremamente baixo.
impacto de servidores inativos
Entre os aposentados da iniciativa privada, mais de 70% ganham um salário-mínimo. E o teto não passa de R$ 5,5 mil. No caso dos cerca de 1 milhão de inativos da União, o pagamento médio girou em torno de R$ 10 mil por mês em 2016.
— Tudo isso tem que ser levado em consideração nas reformas discutidas atualmente. É preciso ponderar a questão da justiça social com o ajuste quando se tem grandes grupos consumindo somas elevadas, mas também grupos pequenos com quinhões tão grandes.
Para Cláudio Hamilton Matos dos Santos, coordenador de Finanças Públicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mais importante do que a quantidade de pessoas alcançadas é verificar o foco e a equidade dos pagamentos. Ele separa o grande grupo de 57,9 milhões de pessoas em três blocos — os servidores públicos (ativos, inativos e pensionistas), os recebedores pelo INSS e a população atendida por benefícios assistenciais — para analisar cada gasto.
— É preciso diferenciar juízes que ganham R$ 30 mil e pessoas que recebem R$ 200 de benefício assistencial. São perfis muito diferentes — justifica Santos.
Segundo ele, antes de afirmar que um subgrupo custa muito ao Estado, olhando para o orçamento que consome, é necessário avaliar o tamanho daquela população. O exercício mostra o impacto significativo dos servidores públicos inativos na folha de pagamentos.
— O gasto com inativos do INSS representa 7% do PIB, o que é muito elevado, mas atinge 28 milhões de pessoas, enquanto os servidores públicos inativos são apenas 4 milhões de brasileiros que consomem 4% do PIB — diz Santos.
O economista do Ipea não considera que haja inchaço no funcionalismo do Brasil, com mais de 10 milhões de servidores, o que representa 5% da população. O problema, de acordo com Santos, decorre dos aumentos salariais concedidos nos últimos anos — na esfera estadual, o salário médio dos funcionários públicos subiu 50% na última década — e da regra de paridade, que eleva o contracheque dos aposentados de acordo com os ganhos dos ativos.
Peso relacionado à alta carga tributária
Santos também destaca que o próprio regime público de Previdência adotado pelo Brasil leva naturalmente a um número maior de pessoas pagas pelo governo ao se aposentarem. Não é o caso do Chile, exemplifica o economista, que tem uma previdência gerida por órgãos não estatais.
Carlos Thadeu de Freitas Gomes, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio, afirma que o peso do Estado, responsável por tantos pagamentos diretos, tem relação direta com a tributação elevada. De acordo com ele, o lado negativo da situação é visto especialmente nos momentos de crise.
— A carga tributária é alta porque muita gente depende do Estado, é o custo de o Estado arcar com esse papel, hoje sustentado com dívidas por causa da crise. Como resultado disso, vem o aperto nos investimentos — alerta Gomes. — Diria que esse é o ponto nevrálgico de toda a engrenagem: o corte dos investimentos que leva o governo a suspender bolsas de estudos, programas científicos, projetos na área de tecnologia. Ou seja, leva a uma involução do Estado.
O economista pondera que a própria legislação proíbe que o governo deixe de honrar determinadas contas, como salários e aposentadorias. Quanto à pequena margem de manobra nos itens discricionários, Gomes considera fundamental manter programas assistenciais, cujo impacto nas contas é pequeno.
Ele aponta o Bolsa Família como exemplo de programa que custa pouco, R$ 27,4 bilhões em pagamentos em 2016, dado o alcance de 13,4 milhões de beneficiários diretos (ou cerca de 45 milhões de pessoas, considerando o tamanho médio das famílias atendidas), embora com repasses pequenos por pessoa. No entanto Gomes insiste na necessidade de incentivar o crescimento:
— Sem investimento não tem emprego. Então esse tipo de subsídio social, que é importante, passa a ser autoliquidável, ou seja, acaba em si mesmo. Não haverá porta de saída.
(Renata Mariz - O Globo)