O futuro presidente da República assume em janeiro com a missão de deixar claro que papel terá o funcionalismo do Poder Executivo no futuro do País. Eterno boi de piranha, recentemente foi culpado pela situação da Previdência – que, na visão de muitos, está à beira da insolvência, embora haja correntes que digam o contrário e preconizem debates mais amplos sobre o tema antes de reformá-la radicalmente.
Minha preocupação se justifica: há candidatos com chances de chegarem ao Palácio do Planalto vendendo a tese de que, com eles, a administração do Estado diminuirá de tamanho para se tornar, enfim, eficiente. Não dão a menor indicação de como farão, mas é previsível sobre a cabeça de quem o tacape vai vibrar. Isso porque, sem qualquer base lógica ou palpável, atribuem ao serviço público um dos gargalos para que o Brasil não ocupe local de destaque no mundo.
Sabemos todos que campanhas eleitorais são terra fértil para promessas delirantes e messiânicas. E que, também, em debates e sabatinas, dificilmente os candidatos se aprofundam em propostas que possam lhes tirar votos. Assim, vendem diagnósticos genéricos, habitualmente errados, mas que soam como sinfonia para alguns grupos. Como aqueles que acham o servidor uma saúva a ser exterminada, tal qual a praga da frase de Monteiro Lobato.
Isso já foi tentado 28 anos atrás, no governo Collor. Nada menos que aproximadamente 110 mil foram mandados embora, linearmente, sem critérios específicos ou claros. Motivo: dar ‘agilidade’ ao Estado, obsessão daquele que cassava marajás e pretendia inserir, na marra, o Brasil no Primeiro Mundo.
“Duela a quién duela”, disse sobre sua disposição de tornar este País uma potência. Deu no que deu: Collor caiu e muitos voltaram por força da Lei 8.878, do governo Itamar, que revogou as demissões. Então, antes que novos erros desse tamanho e gravidade aconteçam, é preciso alertar. Caso as campanhas ainda se deem ao trabalho, há um estudo da ODCE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) que vai na direção oposta:
Government at a Glance 2015 mostra a situação do funcionalismo em vários países, dentre os quais o Brasil.
Faz várias conexões entre tamanho da administração pública (independentemente da esfera), quantidade de pessoal, eficiência, reconhecimento da população etc., incluindo máquina de gestão, autarquias e estatais. Pelo que é voz corrente na nossa sociedade, era para estarmos em situação vexatória. Só que não é isso que se vê no compêndio.
Ainda que a pesquisa da OCDE não inclua dados dos Estados Unidos e da China na série histórica, alguns resultados são surpreendentes. No gráfico que mostra o quantitativo de servidores na massa total de trabalhadores de um país (Public sector employment as a percentage of total employment, 2009 and 2013), a liderança é da Dinamarca (35%), seguida pela Noruega (aproximadamente 34%) e pela Suécia (em torno dos 28%). O Brasil fica nos 12%. Importante salientar a questão dos números absolutos, pois uma população maior influencia o estoque total de trabalhadores.
Segue a introdução do capítulo 3, página 139, da versão em espanhol do estudo:
“El volumen del empleo en el sector público varía considerablemente entre los países de la OCDE. Los países nórdicos como Dinamarca, Noruega y Suecia reportan altos niveles de empleo del sector público alcanzando el 30% del empleo total o incluso superándolo. Por otra parte, los países de la OCDE de las regiones de Asia y América Latina dependen menos de los empleados del sector público. Solo alrededor del 8% del empleo total de Japón es empleo em el sector público, mientras que Chile y México tienen poco más del 10%”. (A metodologia do levantamento pode ser vista nas páginas 140 e 141.)
Segundo a
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Divulgação Especial – Medidas de Subutilização da Força de Trabalho no Brasil Primeiro Trimestre de 2018, compilada pelo IBGE, de maio passado, a força de trabalho do País é de 104,2 milhões. Assim, transferindo-se os dados da OCDE, o quantitativo de servidores estaria na casa dos 2 milhões – número corroborado pelo Boletim Estatístico de Pessoal e Informações Organizacionais, do Ministério do Planejamento, de dezembro de 2017, nas páginas 65, 66 e 67 -, para 169 milhões de pessoas em idade de trabalhar (14 anos ou mais de idade), de um total estimado em 207,7 milhões de cidadãos. Para um país de 8.516.000 km², não é absurdo.
“Ah!, mas e o peso dessa gente nas contas públicas? Podem nem ser tantos assim, mas têm alto custo”, indagarão aqueles que creem que todos os números podem ser torturados.
Mais uma vez não é bem assim.
“(b) A diferença de salário em favor do setor público se explica principalmente pelo fato de que, no setor público brasileiro, o perfil dos ocupados segundo o grau de instrução é muito melhor que no setor privado; portanto, o salário médio do setor público fica acima do salário médio do setor privado, pois este concentra uma parcela muito grande de empregados com apenas o ensino fundamental incompleto (27,7% em 2008) e mais 17,8% com apenas até o fundamental completo – justamente os graus de instrução aos quais se relacionam os salários mais baixos;
(c) Por outro lado, o setor público reúne cerca de apenas 22% de pessoas até o fundamental completo, enquanto cerca de um terço de seus integrantes tem nível superior completo (no setor privado, em 2008, apenas 11,4% de seus integrantes tinham nível superior); (…)
(g) A diferença de salário em favor do setor público, no Brasil, não se diferencia da dos demais países de forma muito destacada;
(h) A comparação internacional também mostra que, no que se refere aos trabalhadores de menor grau de instrução, a diferença em favor do setor público tende a ser maior que nos casos de trabalhadores com maior grau de instrução; em países de menor grau de desenvolvimento, essa distinção é ainda mais pronunciada, conforme mostra a tabela em que se compara o México a países desenvolvidos; de todo modo, também levando em conta essa particularidade, o caso brasileiro não difere substancialmente de outros países;” (…).
“Pode-se afirmar que os dados apontados nesta comparação internacional revelam que a participação do emprego público no Brasil é pequena, tanto se comparada com os países desenvolvidos, como também se comparada a países latino-americanos. Portanto, não há razão para se afirmar que o Estado brasileiro seja um Estado ‘inchado’ por um suposto excesso de funcionários públicos”.
Na página 8, outra constatação importante:
“A recente expansão do número de servidores públicos no Brasil não parece ter sido suficiente para referendar a tese de que esteja ocorrendo, nos anos mais recentes, um ‘inchaço’ no Estado brasileiro, uma vez que a relação calculada indica que o aumento recente do número absoluto de pessoas ocupadas no setor público parece estar sendo suficiente apenas para repor a dimensão relativa do estoque de empregos públicos que havia no Brasil durante os anos 1990”.
Falando pelos auditores-fiscais da Receita Federal, o déficit sobe permanentemente. Na época da criação da Super-Receita, em 2007, éramos 14 mil. Passados 11 anos, na ativa são aproximadamente 9,2 mil, à razão de 600 aposentadorias anuais, em média.
É de se prever que, fechado 2018, o número tenha diminuído para algo como 8,6 mil. Esse contingente será dividido para fiscalizar empresas, aduanas de portos, aeroportos e zonas de fronteiras; cruzar dados de investigações sobre lavagem de dinheiro e sonegação, como nas operações Lava Jato, Zelotes e Acrônimo; julgar ações dos contribuintes nas delegacias de Recursos e Julgamentos (DRJs) e no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais); participar de operações contra o tráfico de drogas e armas nos 17 mil km de fronteira seca; fiscalizar e cuidar da arrecadação das contribuições previdenciárias, principal motor econômico de metade dos municípios brasileiros…
Difícil construir um país seguro, menos corrupto e menos desigual com tão pouca gente especializada para tanta tarefa de alta complexidade.
Não ignoro que nossa máquina pública tem incapacidades, distorções e ineficiências. Nem tampouco comparo os resultados dos nossos serviços com os da Dinamarca ou da Suécia. Mas é histórica a satanização do funcionário do Executivo sem que sejam analisadas as causas pelas quais as coisas não rendem a contento. Poucos se dão ao trabalho de checar se a crítica faz sentido ou se é mero senso comum em menosprezar o profissional do Estado.
No manual do político astuto está escrito que vale a versão, não o fato. Também está lá que o eleitor gosta de escutar o que lhe é palatável, mesmo não sendo real. Dessa vez, porém, a malícia contra o servidor está em xeque. Pior que a falácia da administração inchada é a máquina pública desabastecida de técnicos e especialistas, fator capaz de aprofundar mais e rapidamente o nosso subdesenvolvimento.