Correio Braziliense - 28/10/2018
Projetos no Congresso defendem redução do piso inicial dos salários, elevação da contribuição para a aposentadoria e adiamento do reajuste
Na data em que os brasileiros vão às urnas, é comemorado o Dia do Servidor. Para a maioria, há poucos motivos para festejar diante de projetos em tramitação que defendem reforma da Previdência, redução da jornada e do piso inicial dos salários, elevação da contribuição para a aposentadoria de 11% para 14% da remuneração, mudanças na lei de greve e adiamento de reajustes salariais assinados, de 2019 para 2020. O atual governo se prepara para a transição, apresentando pontos que considera fundamentais para o equilíbrio das contas públicas.
Principal responsável pela reforma, o secretário da Previdência, Marcelo Caetano, afirma que o presidente Michel Temer vai conversar com o eleito para defender que o texto se mantenha como está na Proposta de Emenda Constitucional 287/2016, que só poderá ser tocada após o fim da intervenção de segurança no Rio de Janeiro. “Direitos adquiridos não serão tocados. A reforma prevê economia de R$ 88 bilhões em 10 anos. Contenção que vai aumentar ao longo do tempo, à medida que se altera o fluxo de novas concessões”, afirma. Ele não deu estimativas de quando o Regime Próprio de Previdência dos Servidores (RPPS) entraria em colapso. “As estatísticas já indicam infiltrações no sistema. O problema previdenciário é estrutural. Ou seja, não é uma situação que, em caso de crescimento econômico, vá se resolver”, destaca.
O economista Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, ressalta que, amanhã, começa o “terceiro turno” das eleições em relação à Previdência e ao funcionalismo. Para ele, o problema central não é a ausência de diagnóstico, mas a falta de ambiente político para concretizar as medidas necessárias. “A divisão do país e o clima político exacerbado geram um Fla x Flu a cada debate essencial. Para os governistas, tudo deve ser aprovado; para os oposicionistas, tudo deve ser reprovado. O consenso é quase impossível. A discussão das reformas envolve a redução de privilégios e não é popular. No Brasil atual, privilégio é uma vantagem que os outros usufruem. Nos casos pessoais, são sempre direitos adquiridos”, ironiza.
Castello Branco diz que as campanhas eleitorais não trataram propostas para a crise fiscal. “Sem o reequilíbrio das contas públicas, o país se tornará ingovernável. Para 2019, o deficit previsto é de R$ 139 bilhões. Mas as despesas obrigatórias continuam crescendo. O cumprimento da regra do teto de gastos exigirá redução ainda maior das despesas discricionárias, que chegarão a um montante pouco superior a R$ 100 bilhões”, assinala. Ele avalia que a reforma da Previdência é essencial — o deficit em 2017 foi de R$ 268,8 bilhões — e tem que atingir a todos, setor privado, funcionários públicos (inclusive os militares) e os beneficiados pelo Fundo Constitucional do Distrito Federal. “Qualquer discussão séria das categorias profissionais com o Executivo, Legislativo ou Judiciário deve partir desse cenário de desequilíbrio”.
Injustiças
Também há injustiças com os servidores, alerta Castello Branco. Nas últimas décadas, a “reforma do Estado” foi, sempre, sob a ótica financeira, com base em “aumentar e cortar”, sem qualquer racionalidade, o que deformou a estrutura administrativa. “A crise atual nos dará a oportunidade de repensar e reestruturar o Estado. Considerando que a despesa com pessoal consome cerca de 14% do PIB (Produto Interno Bruto), se os aumentos salariais continuarem a ser concedidos com base no poder de pressão das categorias, com a conivência das autoridades e dos parlamentares, viveremos o caos. Em algum momento terá que ser discutida a estabilidade”, reforça.
Foi justamente a garantia do emprego público que atraiu a servidora Cícera da Silva, 54 anos, agente administrativa do Ministério do Meio Ambiente, moradora de Ceilândia Norte. Concursada há 24 anos, ela reconhece que algumas coisas devem mudar, como cargos com muitos benefícios, comissionados e indicações políticas. “Eles já chegam ganhando bem e não têm preparo”, critica.
Cadeirante, Cícera foi chamada para preencher a quarta das cinco vagas especiais oferecidas na época. “Em três meses fui nomeada. Mas, para os cadeirantes, falta acesso na Esplanada”, reclama. Até o último momento, Cícera estava em dúvida sobre em quem votar para presidente. “Considero as propostas do Haddad para o funcionalismo boas. A expectativa é a de que, quem quer que ganhe, faça um bom trabalho, sem corrupção, para a construção de um país melhor”.
A discussão das reformas envolve a redução de privilégios e não é popular. No Brasil atual, privilégio é uma vantagem que os outros usufruem. Nos casos pessoais, são sempre direitos adquiridos”
Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas
Mais de 11 milhões de funcionários públicos
O Brasil tem 11,5 milhões de servidores, sendo 1,2 milhão apenas no Executivo federal. Dados do Banco Mundial apontam que o país gasta mais com funcionalismo do que Estados Unidos, Portugal e França. Em todas as esferas, os gastos alcançaram 13,1% do Produto Interno Bruto em 2015, último dado disponível. Segundo a instituição, a causa é a remuneração acima da média e não o inchaço da máquina pública. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) contabiliza 5,6% da população brasileira empregada no setor público. Nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico ou Econômico (OCDE), esse índice é de quase 10%.
Por Vera Batista e Ingrid Soares