Este texto não substitui o publicado no DOU de 18.6.2015
A extinção do fator
previdenciário
Odasir Piacini Neto
A extinção não é tão simples quanto parece e caso haja sua efetiva
extinção, deverá se estabelecer uma série para preservar o equilíbrio
financeiro e atuarial do sistema previdenciário.
quarta-feira, 17 de julho de 2013
Em 11 de julho de 2013, em mais um dia de protestos
em nosso país, dessa vez, promovidos por entidades sindicais, uma das
principais reinvindicações, ponto em comum entre todos os protestos, foi a
exigência do fim do fator previdenciário.
No entanto, a extinção do fator em questão não é
tão simples quanto parece, sendo certo que caso haja sua efetiva extinção,
deverá se estabelecer uma série de medidas no intuito de preservar o equilíbrio
financeiro e atuarial do sistema previdenciário.
O
fator previdenciário foi criado com o advento da lei
9.876/99, que acrescentou o §7° ao artigo 29 da lei
8.213/91, estabelecendo que o fator previdenciário será calculado
considerando-se a idade, a expectativa de sobrevida e o tempo de contribuição
do segurado ao se aposentar, segundo complexa fórmula estabelecida no anexo do
referido diploma legal[1].
O fator é utilizado para o cálculo do salário de
benefício, uma vez que incide sobre a média aritmética dos maiores salários de
contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo período contributivo,
nos termos do artigo 29, inciso I, da lei 8.213/91[2].
Ao criar o fator previdenciário, a intenção foi
corrigir o equivoco legislativo originado pela Emenda Constitucional 20/98, que
deixou de incluir um limite mínimo de idade para as aposentadorias por tempo de
contribuição do Regime Geral de Previdência Social.
A intento legis, portanto, foi evitar que segurados
que venham a preencher o requisito tempo de contribuição (30 anos para mulheres
e 35 anos para homens), venham a se aposentar de forma precoce, uma vez que
quanto mais cedo o segurado venha a se aposentar, maior será a incidência do
fator previdenciário sobre a média aritmética de contribuições, e,
consequentemente, menor será o salário de benefício.
Ocorre que a extinção da fórmula em análise, como
vindicada pelas entidades sindicais do país, não pode ocorrer sem que sejam
tomadas medidas no intuito de preservar o equilíbrio financeiro e atuarial do
sistema.
Isso por que a extinção do fator previdenciário,
sem o estabelecimento de um limite de idade mínimo, permitiria aposentadorias
precoces, sem a devida fonte de custeio, o que, aliado a alta expectativa de
vida dos segurados, acabaria, inequivocamente, por comprometer a saúde
financeira do sistema, uma vez que os segurados contribuiriam por um período
menor, ao passo que gozariam dos benefícios por um período maior.
Quebra-se, portanto, o dito "pacto
intergeracional" em que uma geração de segurados trabalha para custear os
benefícios das gerações passadas, aqueles que já se encontram aposentados, uma
vez que os segurados estariam se aposentando mais cedo, e aqueles que já se
encontram aposentados estariam vivendo mais, sem, no entanto, possuir a devida
fonte para custear seus benefícios, tendo em vista que o
"responsável" por custear seu benefício, também estará aposentado.
Dessa forma, a extinção do fator previdenciário
deve ser vista com ressalvas, sempre considerando o equilíbrio financeiro e
atuarial do sistema, que pode ser preservado alterando-se a legislação de modo
a incluir um limite de idade mínimo para aposentação, como ocorre no Regime Próprio
de Previdência dos Servidores Públicos, em que o requisito tempo de
contribuição e cumulativo com o requisito idade[3].
_____________
[1] F = Tc x a x [1+ Id + Tc x a) ]
Es 100
F= fator previdenciário;
Es = Expectativa de sobrevida no momento da aposentadoria;
Tc = Tempo de contribuição até o momento da
aposentadoria;
Id = Idade no momento da aposentadoria;
A = alíquota de contribuição.
[2] Art. 29. O salário-de-benefício consiste
I - para os benefícios de que tratam as alíneas b e
c do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores
salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período
contributivo, multiplicada pelo fator previdenciário
[3] Art. 40. Aos servidores titulares de cargos
efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas
suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter
contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos
servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que
preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo
III - voluntariamente, desde que cumprido tempo
mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no
cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, observadas as seguintes
condições: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
a) sessenta anos de idade e trinta e cinco de
contribuição, se homem, e cinqüenta e cinco anos de idade e trinta de
contribuição, se mulher; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de
1998) (Vide Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
b) sessenta e cinco
anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, com proventos
proporcionais ao tempo de contribuição. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 20, de 1998)
O Brasil ainda é um país de jovens?
Melhor dizer que é um país em franco processo de envelhecimento. A proporção de idosos, que hoje é de 9%, passará a 14% (limiar a partir do qual os países são chamados 'envelhecidos') por volta de 2018 e, em 2050, deverá ser superior a 25% – o que atualmente ocorre apenas no Japão e na Itália, hoje os países com mais envelhecimento respectivamente do mundo e da Europa. Veja, para a França dobrar a proporção de idosos de 7% para 14% foram necessários 115 anos (1865-1980); nós o faremos no equivalente a uma geração. Portanto, chamar o Brasil de país 'jovem' não reflete a velocidade de seu envelhecimento populacional e é perigoso: gera uma inércia, a idéia de que isto não deve ser uma preocupação para a sociedade e de que políticas pertinentes sejam 'coisa do futuro'.
Quais as causas dessa mudança tão rápida na pirâmide etária?
Para que uma população envelheça é necessário um aumento da expectativa de vida e uma diminuição das taxas de fecundidade. No Brasil, o aumento da expectativa de vida nas últimas décadas foi espantoso. Quando eu nasci, em 1945, por exemplo, essa expectativa era de 43 anos. Hoje é de 73 anos! Trinta anos no meu tempo de vida. Ao mesmo tempo, houve uma queda drástica da taxa de fecundidade nas últimas três décadas. O número médio de crianças que uma mulher espera ter até o final de sua vida reprodutiva, que era por volta de 6 em 1975, caiu para 2 em 2005. Ou seja, 2/3 a menos em praticamente uma geração! Duas crianças por mulher significa estar no limiar de reposição – se os casais têm menos que dois filhos não se 'repõem'. Em 1970, apenas 22 países se encontravam nessa situação (todos do mundo desenvolvido); hoje são cerca de 70 e, no ano 2020, serão mais de 120 (a maioria do mundo em desenvolvimento). Apenas os países mais pobres (e, no geral, pequenos) terão taxas de fecundidade acima do limiar de reposição.
Que implicações socioeconômicas isso trará para o Brasil?
Imensas. Não só para o Brasil, mas para o mundo em geral. Os países desenvolvidos primeiro enriqueceram e depois envelheceram. Países como o Brasil estão envelhecendo antes de serem ricos. A população total do mundo crescerá dos 6 bilhões em 2000 para 9 bilhões em 2050. Nesses mesmos 50 anos, a população de idosos terá aumentado de 600 milhões para 2 bilhões – 350%. Contando apenas os países em desenvolvimento, o aumento será de 450%: de 400 milhões em 2000 para 1,7 bilhão em 2050. Isso significa que cerca de 85% do total de idosos do mundo estará vivendo nos países mais pobres. Se essas nações não conseguirem dar uma arrancada significativa para melhorar sua situação econômica, enfrentarão um desafio enorme.
Observe os exemplos do Japão e da Itália. São países que estão preocupadíssimos com sua situação demográfica. Nós teremos esse mesmo perfil daqui a 40 anos, e, o que é crítico, com menos recursos. Quem sustentará essa proporção de idosos? Que políticas estão sendo postas em prática? Como estão sendo preparados os profissionais que estão se formando hoje? Que investimentos estão sendo feitos para que os futuros idosos envelheçam com saúde, continuando ativos e inseridos na sociedade?
Quais as maiores carências hoje no Brasil para atender às necessidades dos idosos?
A OMS norteia sua política para o envelhecimento de acordo com um documento lançado em 2002, intitulado "Envelhecimento Ativo, um Marco Político". Ele define o ‘envelhecimento ativo’ como o "processo através do qual se possam otimizar as oportunidades para saúde, participação e segurança, de modo a assegurar qualidade de vida à medida que se envelhece". Isso é fundamental. Todos queremos envelhecer, mas com boa saúde, para poder continuar participando da vida em sociedade. E é preciso implantar sistemas que garantam essa segurança também aos mais pobres e vulneráveis. Nossas carências ainda são enormes em relação a esses três pilares do ‘envelhecimento ativo’. Temos um estatuto do idoso excelente, alicerçado em três áreas estratégicas – envelhecimento como tema de desenvolvimento, saúde na velhice e questões sociais relacionadas a essa fase da vida –, porém, falta muito para tê-lo colocado em prática.
O que deveria ser feito com urgência para que a população tenha qualidade de vida nessa fase de envelhecimento?
Acesso a serviços básicos de saúde – por meio da rede de atenção primária (centros de saúde que prestam assistência à comunidade local) – e garantia de uma renda mínima são os dois pontos essenciais. Nosso país tem feito progressos importantes nesses dois sentidos, principalmente nas regiões mais pobres. Mas ainda há muito a conquistar, sobretudo no tocante a adequar os serviços básicos de saúde para a população idosa.
A OMS tem um projeto sendo implantando em caráter piloto em sete países, entre os quais, o Brasil. Trata-se do ‘Centro de Saúde Amigo do Idoso’, que está sendo testado em São Miguel Paulista e no bairro de Manguinhos, no Rio. Com estrutura apropriada e profissionais especializados, o intuito é prestar assistência efetiva aos problemas comuns nessa faixa etária, como perda de capacidades e doenças crônico-degenerativas, evitando que os idosos precisem recorrer a hospitais.
De suma importância também é o experimento social que o Brasil (e a África do Sul, outro país em desenvolvimento com um esquema similar) está implantando: a aposentadoria não contributiva. Mais de 6 milhões de brasileiros com mais de 65 anos – os mais pobres, a maioria vivendo em zonas rurais – hoje se beneficiam dessa pensão, mesmo que não tenham contribuído para o sistema de seguro social. São os que trabalharam como camponeses sem direitos trabalhistas, no sistema informal da economia. Mesmo pequena, essa pensão tem sido, com freqüência, a única fonte regular de renda de toda a família. Que fazem com o que recebem? Compram alimentos, medicamentos e roupas para todos na casa. Têm acesso a crédito pela primeira vez na vida. Ganham um sentido de dignidade e auto-estima nunca antes sonhados. Calcula-se que mais de 2.000 municípios no Brasil têm suas economias hoje gravitando em torno dessas pensões. Estudos preliminares, tanto no Brasil como na África do Sul, mostram que a sociedade toda sai lucrando.
Além dos programas emergenciais, que outros aspectos deveriam ser repensados?
Quando se passa por uma transformação tão rápida como a demográfica em nosso país, é necessário reinventar a sociedade. Não se pode esperar que as regras e estruturas permaneçam as mesmas, intocáveis, como se fossem reagir naturalmente. É preciso ter visão, antecipar, liderar.
Nesse sentido, a OMS lançou em 2005 um projeto mais amplo: "Cidades Amigas dos Idosos". Tudo começou em Copacabana – onde nasci, numa maternidade transformada em hospital geriátrico. Um bairro que reflete os contrastes e contradições do país como um todo, abrangendo desde as classes alta e média até as mais baixas, inclusive várias favelas que a circundam, e hoje tem uma estrutura etária mais envelhecida do que a do Japão, da Itália ou dos países escandinavos. Urbanizada nos anos 1930, 40, 50, abriga hoje milhares de idosos, adultos que lá permaneceram, enquanto seus filhos e netos migraram para outros bairros. Alguns continuam ativos, fazendo suas caminhadas, indo às compras, freqüentando restaurantes. Mas muitos outros são 'invisíveis'. Estão em suas casas com graus diversos de incapacidade, fragilizados, sem condições de uma vida melhor. Daí a idéia do ‘Copacabana Amiga dos Idosos’, buscando deles as sugestões e preferências, para depois ver o que é viável e colocar em prática por meio de parcerias com o governo, as organizações não-governamentais e o setor privado – todos juntos.
"Cidades Amigas dos Idosos", que de início era apenas ‘Copacabana’, acabou se estendendo ao mundo. Aproveitamos a metodologia para lançar outros, paralelos: ‘Londres Amiga do Idoso’, Xangai, Tóquio, Moscou, Istambul, Nova Délhi, Melbourne, Buenos Aires... São 40 cidades implementando a idéia. No dia internacional do idoso, 1º de outubro, divulgaremos o relatório final do projeto. Ele constitui uma das ações primordiais do Programa de Envelhecimento e Saúde da OMS, que v ê a questão do idoso de forma positiva. É sempre bom lembrar que todos estamos em envelhecimento e que o idoso tem um passado importante. Envelhecer é bom – o ruim é morrer precocemente.
Ler 2216 vezes