BSPF - 06/04/2019
Para o ingresso no serviço público, na Administração Direta, é indispensável que o candidato se submeta a concurso público de provas ou de provas e títulos; desde 05/10/1988 – data da promulgação da Constituição Federal em vigor –, o concurso é exigido, também, para a Administração Indireta e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, e ainda para a mudança de cargo ou emprego.
Parece elementar que o esforço desenvolvido pela Administração em ampliar a competitividade reverterá em seu próprio benefício, selecionando, em tese, um candidato melhor qualificado num universo de maior dimensão. Assim, a cobrança de taxa de inscrição só é justificável como forma de afastar aventureiros, mas não deveria, de modo algum, ser fonte de captação de recursos para a realização do concurso ou possuir valores que verdadeiramente afastam candidatos. Tem faltado, lamentavelmente, a várias autoridades, a noção de que, em muitos casos, o candidato melhor qualificado pode estar desempregado, hipótese em que qualquer valor cobrado o afastará do certame.
Salutar iniciativa pioneira, presenciamos na Justiça Federal do Rio de Janeiro que, em maio de 1995, realizou concurso público para provimento do cargo de juiz federal, sem cobrança da taxa de inscrição. Essa não tem sido, porém, a regra. Novamente, a lei veio reforçar esse entendimento, ao estabelecer:
Art. 11. O concurso será de provas ou de provas e títulos, podendo ser realizado em duas etapas, conforme dispuserem a lei e o regulamento do respectivo plano de carreira, condicionada a inscrição do candidato ao pagamento do valor fixado no edital, quando indispensável ao seu custeio, e ressalvadas as hipóteses de isenção nele expressamente previstas.[1]
Além desse aspecto, sob a perspectiva do controle, o procedimento que se vem observando não tem sido o correto. De fato, conforme o Decreto-Lei nº 1.755, de 31 de dezembro de 1979, o valor da taxa de inscrição deve ser recolhido aos cofres públicos, não integrando os recursos da unidade que promove o certame. Aliás, o TCU, em louvável atitude, já sumulou que:
Súmula nº 214 – Os valores correspondentes às taxas de inscrição em concursos públicos devem ser recolhidos ao Banco do Brasil S.A., à conta do Tesouro Nacional, por meio de documento próprio, de acordo com a sistemática de arrecadação das receitas federais prevista no Decreto-Lei nº 1.755, de 31.12.79, e integrar as tomadas ou prestações de contas dos responsáveis ou dirigentes de órgãos da Administração Federal direta, para exame e julgamento pelo Tribunal de Contas da União.[2]
Mesmo constando de súmula do TCU e expressamente prevista em Decreto-Lei, a grande maioria dos órgãos da Administração Federal – únicos destinatários de tais normas – vêm descumprindo esse procedimento. Desenvolveu-se, no âmbito da Administração Pública, em linha diametralmente oposta à legalidade, o procedimento de transferir a realização do concurso público para uma outra instituição pública ou privada, sem licitação, e que se remunera das despesas mediante os valores cobrados nas taxas de inscrição.
É um tipo de terceirização que vem sendo mal utilizado, porque ocorre muitas vezes sem qualquer controle. Como a contratação para a realização do concurso público é feita sem licitação, não raro a instituição a ser contratada participa até da definição do valor a ser cobrado como taxa de inscrição e que, por economia, é recolhido diretamente aos cofres da mesma. A terceirização não pode ser precipitadamente afastada; o que se não admite é a transferência de uma atividade para outro órgão da Administração, ou para particular, sem qualquer controle, estabelecendo em seu favor notável fonte de recursos para o desempenho de uma atividade sem planejamento, fiscalização e/ou punição por descaminhos.
O procedimento adequado, à luz da fundamentação exposta, é definir precisamente a que o candidato deve atender para desempenhar adequadamente o cargo, parâmetro que será o vetor no momento da elaboração das provas; o custo estimado da realização do certame, as etapas de aferição, programação e resultado, o tempo estimado para a realização e correção de provas e a elaboração do projeto básico; recolhimento das taxas de inscrição aos cofres públicos – Banco do Brasil S.A. – e pagamento das despesas do concurso ou remuneração da instituição contratada com recursos previstos no orçamento para esse fim.
Nesse sentido, em decisão pioneira sobre o tema, o TCU determinou:
9.3.3. registre, no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal – Siafi, as receitas próprias geradas pela autarquia a partir da arrecadação de taxas de inscrição de candidatos a exames seletivos de alunos e professores, consoante as disposições contidas no art. 2º, inciso III, da Lei Complementar 101, de 4/5/2000, e dispositivos das leis de diretrizes orçamentárias de cada exercício aplicáveis ao tema;
[…]
9.3.5. suspenda a arrecadação, gestão e contabilização paralelas dos recursos auferidos a título de taxa de inscrição, em observância ao princípio da unidade de caixa previsto entre outros no art. 56 da Lei 4.320, de 17/3/1964, 74, § 2º, do Decreto-lei 200, de 25/2/1967, 1º e 2º, § 1º, do Decreto 93.872, de 23/12/1986;[3]
Prestar-se-á contas de tudo, devidamente documentado, juntamente com a prestação ou tomada de contas anual. Recomenda-se que os demonstrativos contábeis e extratos bancários, com sucinto relatório, constituam autos apartados a serem apensados às contas anuais. Deixando de adotar esse procedimento, caracterizar-se-á a omissão, parcial, no dever de prestar contas. Parcial porque se as contas anuais forem prestadas sem referência aos recursos do concurso público estarão, a rigor, incompletas.
Caberá, assim, a instauração de TCE diante dessa omissão.
[1] Brasil. Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8112cons.htm. Acesso em: 03 abr. 2019.
[2] Brasil. Tribunal de Contas da União. Súmula nº 144. Boletim do Tribunal de Contas da União – Especial. SÚMULAS (nºs 1 a 251) da Jurisprudência predominante do Tribunal de Contas da União. Brasília, 4 dez. 2013 – Ano XL – nº 6. Disponível em: http://www.tcu.gov.br. Acesso em: 3 abr. 2014.
[3] Brasil. Tribunal de Contas da União. Processo TC nº 018.385/2007-1. Acórdão nº 6107/2009 – 2ª Câmara. Relator: Ministro Aroldo Cedraz. Brasília, 17 de novembro de 2009. Disponível em: http://www.tcu.gov.br. Acesso em: 03 abr. 2019.
Por J. U. Jacoby Fernandes
Fonte: Canal Aberto Brasil