Contas Abertas - 20/05/2016
A extinção do Ministério da Cultura e a transformação da Controladoria-Geral da União (CGU) em Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle geraram críticas pesadas ao presidente interino Michel Temer (PMDB). Para o diretor do Contas Abertas, Gil Castello Branco, as mudanças, em si, não são o problema. A questão é mudar sem que haja um planejamento prévio e sem que haja qualquer critério.
Para Castello Branco, o corte nos ministérios passa uma falsa impressão de que o governo está reduzindo gastos, quando, na realidade, as mudanças têm peso ínfimo no orçamento da União – que muitas vezes são absorvidas pelos custos da própria mudança. Entretanto, ao fazer isso de forma abrupta e sem critérios, as medidas não contribuem para tornar o estado mais eficiente – pior, geram mais dificuldades administrativas para o governo. O diretor do Contas Abertas frisa, entretanto, que o excesso de ministérios é um problema, umas vezes que, na prática, grande parte dos ministros tem pouco poder de interlocução com a presidência.
Entretanto, o governo não ficará mais eficiente apenas cortando pastas. No seu entendimento, é necessário estudo aprofundado sobre o estado brasileiro, contemplando experiências de outros países, antes de simplesmente cortar por cortar. A transformação da CGU em ministério também foi bastante criticada, especialmente por colocar o órgão de fiscalização interna do governo no mesmo patamar que outros ministérios – antes, o órgão era vinculado à presidência. Para Castello Branco, a nova configuração é uma questão que deve ser observada, mas o modelo anterior também trazia problemas de ingerência política para dentro da pasta. Ele diz que o ideal seria transformar a CGU em uma espécie de agência, com funcionamento independente do governo central. Leia a entrevista completa abaixo.
Gazeta do Povo - Uma das primeiras medidas do presidente Temer foi cortar de 31 para 23 ministérios. Além disso, várias alterações, como a transformação da CGU em ministério, foram realizadas. Qual o balanço geral de toda essa mudança na Esplanada?
Gil Castello Branco - A medida de corte foi tomada fundamentalmente na ótica da redução de despesas, sem critérios. Na Esplanada dos Ministérios, há muitos anos, o verbo mais conjugado é o “cortar”. E, muitas vezes, esses cortes não tem qualquer racionalidade. Seja na despesa ou na estrutura, geram uma polêmica enorme e um efeito discutível. Devo ressaltar, porém, que sou contra a quantidade absurda toda de ministérios. Acho, aliás, que [o número de ministérios] poderia sofrer uma redução ainda maior. A Alemanha tem 15 ministérios, por que o Brasil precisa de 39, ou mesmo 23? Agora, isso tem que ser feito com racionalidade e critério.
Gazeta do Povo - E o que deveria ser feito?
Gil Castello Branco - Há muitos anos no Brasil falta realmente um estudo sério sobre o estado. A racionalização do estado precisa ser implementada, mas de forma consciente. Na década de 30, o presidente Getúlio Vargas criou um grupo de trabalho que passou quase um ano estudando a questão, viajou mundo afora e, entre outras medidas, criou o DASP, para aplicar o “fordismo” na administração pública, visto que as ideias de Ford implantadas na iniciativa privada estavam na moda naquela época. Depois disso, as experiências desse tipo se contam nos dedos. Reconstruir a administração pública praticamente do dia para a noite, em uma situação de emergência, é muito difícil. É impossível que haja um estudo técnico nesse cenário. Daí, você não tem explicação para tudo o que aconteceu. Essa reforma, por exemplo, foi apenas para dar uma satisfação à sociedade quanto ao corte de gastos. Meramente uma satisfação pública.
Gazeta do Povo - Por que uma satisfação pública?
Gil Castello Branco - Você diz: vou cortar 4 mil DAS. Tudo bem. A questão, contudo, é que aproximadamente 70% dos DAS são funcionários do estado, ou seja, serão cortadas apenas as gratificações. Aquilo tudo que era o Ministério da Cultura deverá se tornar a Secretaria da Cultura no Ministério da Educação. Você reduz alguns cargos no nível hierárquico, o que reduz algumas despesas, mas cria outras, como a modificação da estrutura física, contratação de mudança, remanejamento de divisórias, substituição de carpetes, transferência de telefones etc… Então, não foi uma redução relevante. Foi apenas uma satisfação pública. Esses cortes [em ministérios] não devem ser feitos simplesmente como uma forma de redução de custos, mas, sim, de tornar a máquina pública mais eficiente.
Gazeta do Povo - A crítica à extinção do Ministério da Cultura é mais pela própria extinção do que pela maneira como ela foi realizada. Como o senhor enxerga essa crítica?
Gil Castello Branco - As pessoas estão preocupadas com a estrutura administrativa porque acham que, deixando de ser ministério, o setor deixa de ter prestígio. Mas talvez elas não investiguem que, quando era um ministério, o prestígio já não existia, o órgão sofria restrições orçamentárias e de pessoal. Nos últimos 15 anos, o governo federal executou menos de 50% do orçamento previsto para o setor. O que eu acho que aconteceu no Brasil foi que nós nos acostumamos com 39 ministérios. Quando você reduz para 31, depois para 23, isso provoca uma crítica generalizada. Todos imaginam que o prestígio de um setor depende de ter ou não um ministério, e isso é falso.
Gazeta do Povo - Por que é falso?
Gil Castello Branco - No início do governo Lula, a ministra Marina [Silva] declarou que, em seis meses, conseguiu despachar com o presidente uma única vez. Quando o governo Lula começou, em 2003, eu trabalhava como secretário executivo do ministério do Esporte. Assim, testemunhei que o então ministro Agnelo [Queiroz] teve um único despacho com o presidente até eu sair, em outubro. Ou seja, em dez meses, apenas um despacho. Só encontrava o presidente em solenidades oficiais. Dessa forma, não há de fato prestígio para um setor simplesmente porque ele se torna um ministério. Ao meu ver, era até mais razoável que você tivesse uma menor quantidade de ministros, mas ministros com capacidade de decisão e interlocução com o presidente da República.
Gazeta do Povo - No caso da CGU, houve uma modificação em sua estrutura funcional – passou a integrar o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle. Isso gerou muitas críticas, por sua mudança de escalão. Elas procedem?
Gil Castello Branco - É preciso levarmos em consideração que a CGU já vinha sofrendo cortes dramáticos no governo anterior. Nós já tínhamos notícias de cortes em programas importantes, como o da fiscalização de municípios, no qual a CGU sorteava alguns municípios para auditar. Em valores constantes, atualizados pelo IPCA, o orçamento autorizado da CGU para 2016 é o pior dos últimos sete anos. Nos valores efetivamente pagos, o de 2015 foi o menor desde 2013.
Gazeta do Povo - Mas a mudança na situação hierárquica é ou não um problema? A situação hierárquica do órgão não é determinante para que o órgão tenha menor ou maior projeção. A Polícia Federal é um órgão de terceiro escalão e, no entanto, por sua atuação, conseguiu se tornar um órgão verdadeiramente de estado. A CGU nunca conseguiu, mesmo estando ligada diretamente à Presidência. O que valoriza efetivamente um órgão é ter uma blindagem contra as influências políticas externas, um quadro de funcionários valorizado, bem remunerado, perspectivas de ascensão e com aperfeiçoamento permanente.
Gazeta do Povo - E qual seria a situação ideal: ministério ou controladoria? Ou outro?
Gil Castello Branco - Para mim, o ideal é que não fosse nem um ministério, nem uma controladoria. O ideal seria a CGU ter a configuração de uma espécie de agência, com mandatos de dirigentes fixados de forma não coincidente com o do presidente da República, para que essa estrutura fosse realmente independente. No caso da situação atual, de fato, poderá existir alguma dificuldade, em tese, uma vez que o órgão de auditoria está em situação hierárquica idêntica à dos órgãos que irá auditar. Isso deve ficar sob observação.