BSPF - 21/08/2017
Com salário de R$ 30 mil, ministra é uma das contempladas pelos repasses
Brasília - Enquanto faz discurso de ajuste fiscal e arrocho no salários dos servidores públicos, o governo federal implementou um benefício extra que, no primeiro semestre de 2017, já direcionou R$ 283,3 milhões para 12,5 mil servidores ativos e inativos da Advocacia Geral da União (AGU). Os valores não estão sujeitos ao teto constitucional, permitindo aos profissionais da carreira de advocacia pública ultrapassar o limite de remuneração de R$ 33,7 mil mensais.
Como os dados sobre estes pagamentos estão fora do Portal da Transparência, não é possível informar em quantos casos o limite de remuneração do funcionalismo foi ultrapassado. A carreira da AGU já é uma das mais atrativas do funcionalismo público, com salário inicial de R$ 17,3 mil.
Uma portaria assinada em novembro passado pelos ministros Grace Mendonça (AGU), Dyogo Oliveira (Planejamento), Eliseu Padilha (Casa Civil) e Eduardo Guardia (que ocupava a Fazenda de forma interina substituindo Henrique Meirelles) regulamentou o repasse aos advogados públicos dos chamados honorários de sucumbência, valores pagos pelas partes que são derrotadas em processos judiciais a quem venceu as causas. Antes, o montante ficava nos cofres da União. O benefício foi concedido por duas leis aprovadas nos últimos anos. A ministra Grace, que tem salário de R$ 30,9 mil, é uma das beneficiadas.
Dados da AGU informam o repasse dos R$ 283,3 milhões nos primeiros seis meses do ano ao Conselho Curador montado para administrar os repasses. Em nenhum mês o montante foi inferior a R$ 40 milhões e, em março e maio, os valores superaram R$ 50 milhões. Deste total, o Conselho pode reter até 5% para custear suas despesas e fazer uma reserva de contingência para, eventualmente, devolver valores depositados de forma equivocada.
A lei sobre o tema determina que, no primeiro momento, os advogados inativos recebam mais do que os ativos. Essa relação se inverterá ao longo dos anos. Os recursos são pagos fora do contracheque e não há informações sobre quanto cada servidor recebeu no Portal da Transparência. Os valores brutos repassados já se aproximam de R$ 5 mil mensais em alguns casos. Os valores líquidos variam entre R$ 1,2 mil e R$ 3,5 mil.
A reivindicação da categoria para passar a repartir esse dinheiro entre os servidores ganhou força depois que o STF decidiu, em 2009, que os honorários de sucumbência pertencem aos advogados e não à parte. A decisão, porém, declarou inconstitucional um artigo do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil e permitiu que os profissionais abram mão dos recursos por meio de contrato ou convenção coletiva.
A partir daí, os advogados públicos começaram a pressionar o Congresso para que o direito aos recursos lhes fosse garantido. Após mobilização intensa e pressão corpo a corpo com parlamentares, a carreira conseguiu incluir no Novo Código de Processo Civil, em 2015, a previsão de que “os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei”.
Como houve a necessidade de lei para disciplinar os pagamentos, a pressão continuou e, em julho de 2016, a lei foi sancionada pelo presidente Michel Temer. Menos de quatro meses depois, em 23 de novembro, a portaria regulamentou os recursos e, após os trâmites burocráticos, o dinheiro começou a migrar para a conta dos servidores.
ORIGEM
Disputas. Os recursos que são repassados a servidores ativos e inativos da Advocacia Geral da União (AGU), por meio do Conselho Curador, vêm de empresas, pessoas físicas e até outros entes federados que disputam judicialmente com a União.
Mato Grosso. Na semana passada, por exemplo, o estado de Mato Grosso foi condenado a pagar R$ 100 mil a este título após ser derrotado no Supremo Tribunal Federal (STF) na busca por indenização da União pela demarcação de terras indígenas em seu território.
REPASSE ESTIMULA A “MERITOCRACIA”
O Conselho Curador, que tem na linha de frente funcionários eleitos pelos servidores, afirma que o recebimento dos honorários é um instrumento que estimula a “meritocracia”, ainda que os recursos não sejam pagos somente aos profissionais que efetivamente trabalharam em cada causa. “Importante destacar também que tal modalidade de remuneração variável é a forma mais moderna e eficiente à disposição, já que se trata de remuneração de acordo com produtividade, atendendo aos preceitos da meritocracia”, diz o Conselho.
O órgão argumenta que os recursos são privados, por virem das partes que litigam contra a União. Observa ainda que a medida seria benéfica para a União por não ter repercussão previdenciária, diferente dos reajustes concedidos ao funcionalismo.
Sobre a publicação dos valores de forma individualizada no Portal da Transparência, o Conselho afirma que “por liberalidade e em atenção aos princípios republicanos” encaminha para o Ministério da Transparência (ex-CGU) os dados. Esta pasta, por sua vez, diz que a divulgação está em fase de implementação.
O Ministério do Planejamento informou haver um entendimento de que por terem origem “privada” os recursos não são enquadrados dentro do conceito de finanças públicas nem como receita nem como despesa. Por este motivo também não estão sujeitos ao teto constitucional. A pasta disse que “a nova realidade já foi considerada no Orçamento de 2017” e que não trata o tema como “benefício”.
A AGU repassou os questionamentos da reportagem ao Conselho Curador.
Justificativa
Ministra. A AGU limitou-se a confirmar que Grace Mendonça recebe o benefício: “Como todos os demais advogados públicos de carreira, a ministra faz jus aos honorários de sucumbência”.
Fonte: Jornal do Tempo