Ação mutagênica do inseticida organofosforado temefós em células de medula óssea de camundongos
Mutagenic effects of the organophosphate insecticide temephos on mice bone marrow cells
Maria Eliane Bezerra de MéloI, *; Kleison da Costa MerloI; Raul Rodrigo de Carvalho FernandesI; Carlos Feitosa LunaI; George Tadeu Nunes DinizI; Maria Teresa Jansem de Almeida CatanhoII; Leda RegisI
ICentro de Pesquisas Aggeu Magalhães / Fundação Oswaldo Cruz, Recife, PE/Brasil
IICentro de Ciências Biológicas / Depto. Biofísica e Radiobiologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Av. Morais Rego, s/n, Campus da UFPE, CEP 50670-420, Recife, PE/Brasil. TEL/FAX: 0**81 2126-8355 / 0**81 2126-8869
RIALA6/1175
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RESUMO
Foram investigados os efeitos mutagênicos do organofosforado temefós através da observação da formação de micronúcleos em eritrócitos policromáticos (PCEMN) da medula óssea de camundongos. Em camundongos Swiss Webster de ambos os sexos, foram administradas diferentes doses de temefós (27,75; 55,5 e 111,0 mg/kg) por via bucal-gástrica e água destilada (10 mL/kg) no grupo controle negativo; e ciclofosfamida (CPA) (25 mg/kg) foi administrada pela via i.p. no grupo controle positivo. Foram analisadas dez mil células da medula óssea por grupo experimental. Os efeitos mutagênicos foram avaliados nos períodos de 24, 48 e 72h após ministrar a dose única e após nove doses de 111,0 mg/kg (1/semana). Em 24h após a dose única de CPA, a formação de PCEMN foi observada em 1,63% dos camundongos machos e 2,77% em fêmeas. Não houve formação de PCEMN no grupo controle negativo. O temefós induziu PCEMN em 2,61%, 3,50% e 3,69% de animais machos e 1,02%, 1,37% e 1,33% em fêmeas. Após 72h, CPA induziu PCEMN em 0,05% de camundongos de ambos sexos e o temefós em 0,92% de machos e 0,18% em fêmeas. Após nove doses de CPA, houve a formação de PCEMN em 0,15% de machos e em 0,8% de fêmeas; para o temefós, os valores observados foram respectivamente de 0,53% e 0,11%. A ação mutagênica de temefós foi demonstrada pela indução de micronúcleos em camundongos de ambos sexos.
Palavras-chave: temefós, organofosforado, mutagênico, teste de micronúcleo, eritrócitos policromáticos micronucleados.
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ABSTRACT
The mutagenic effects of organophosphorate temephos on mice bone marrow cells was investigated through the micronucleus formation test. Doses of temephos (27.75; 55.5 e 111.0 mg/kg) were orally administered to males and females Swiss Webster mice. Cyclophosphamide (CPA, 25 mg/kg) per via i.p. and water (10 mL/kg) were administered in mice as positive and negative control groups, respectively. Mutagenic effects were evaluated from 24h to 72h after giving a single dose, and after nine doses of 111.0 mg/kg weekly administered. Ten thousand bone marrow cells per experimental group were analyzed. In the positive controls, the percentages of polychromatic erythrocytes micronucleus (PCEMN) at 24h after a single dose were1.63% in male and 2.77% in female mice. No PCEMN was observed in the negative controls group. Gradually increasing temephos doses induced PCEMN in 2.61, 3.50, and 3.69% males and 1.02, 1.37, and 1.33% females, respectively. After 72h, CPA caused 0.05% of PCEMN in both males and females; and the temephos caused 0.92% in males and 0.18% in females. In mice administered with nine doses of CPA, PCEMN was detected in 0.15% males and 0.8% females, although PCEMN values were significantly higher in temephos receiving mice group. The mutagenic effects of temephos on both male and female mice were evidenced by chromosome alterations inducing micronucleus formation.
Key words: temephos, organophosphorate, mutagenic, micronucleous test, micronucleate Polychromatic erythrocytes.
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INTRODUÇÃO
O Brasil é, em nível mundial, um dos maiores consumidores de inseticidas, os quais são usados principalmente na agricultura1,2. O uso continuado ou intermitente durante quase 6 décadas de milhares de toneladas de tais compostos, acarretou problemas decorrentes do seu modo de ação não seletiva, ao eliminar organismos alvo e não alvo, tanto invertebrados quanto vertebrados, causando impacto ambiental e desequilíbrio nos ecossistemas3,4,5
Há décadas, inseticidas químicos vêm sendo largamente utilizados para o controle de insetos transmissores de doenças1,2 . Desde a implantação do Plano para Erradicação do Aedes aegypti (PEAa) o uso de organofosforados em programas de saúde pública no Brasil foi ampliado consideravelmente pela adição de cerca de 5 mil toneladas de temefós por ano3,4,5 Este composto é aplicado como larvicida, em ciclos bimestrais, em água estagnada e em reservatórios de água potável para uso doméstico, na concentração final de 1ppm. A adição de temefós em água para consumo humano tem como argumento baixa toxicidade aguda e a pouca persistência no ambiente6,7
O temefós, empregado como princípio ativo de produtos como Abate, Difos, Biothion, Abathion, Nimitex e Swebate, é um pesticida organofosforado usado extensivamente em várias partes do mundo no controle de vetores biológicos de diversas doenças e foi introduzido no mercado em 1965, pela American Cyanamid Company.
Análises dos danos causados pelo uso de compostos organofosforados à saúde humana têm sido, em sua maioria restrita aos efeitos agudos, entretanto sabe-se que os inseticidas sintéticos não são seletivos, agridem o meio ambiente e apresentam efeitos tóxicos agudos e crônicos sobre invertebrados e vertebrados, resultantes da exposição prolongada a diferentes moléculas de organofosforados, caracterizando, portanto um problema de Saúde Pública8,9,10.
Os organofosforados são inibidores de colinesterase ativos em todos os grupos animais que usam a acetilcolina como neurotransmissor, com conseqüente acúmulo desta molécula no organismo, acarretando, cronicamente, alterações no funcionamento dos sistemas muscular, nervoso, endócrino e imunológico11,12,13,14 . Os efeitos agudos da exposição a estes compostos são mensurados em modelos animais, estabelecendose a dose letal de 50% (DL50) para o grupo exposto em bioensaios. Entretanto, a extensão dos danos, sobretudo no que concerne aos efeitos crônicos e em especial os mutagênicos e/ou genotóxicos é pouco conhecida8,15,16.
Em virtude da correlação estabelecida entre mutagenicidade e carcinogenicidade, segundo a qual substâncias reconhecidamente mutagênicas podem ser também carcinogênicas17,18,19 é relevante investigar o potencial mutagênico e/ou genotóxico de compostos organofosforados, como o temefós, em virtude dos riscos da periculosidade dos produtos aos quais os seres vivos estão expostos por períodos prolongados10,6
A análise genotóxica foi realizada através do teste de micronúcleo em células de medula óssea de camundongos (Mus musculus) Swiss Webster de ambos os sexos.
O teste de micronúcleo, desenvolvido por Von Ledebur & Schmid20 e Heddle et al.,21 é utilizado para a detecção de agentes genotóxicos, com especial relevância para os programas de screening na vigilância à saúde,22, 23,24 em ensaios in vivo ou in vitro, tendo sido apontado como um método para determinar a capacidade genotóxica (clastogênica) de uma substância e, conseqüentemente, seu potencial carcinogênico. O micronúcleo representa uma perda estrutural ou numérica de fragmentos cromossômicos ou cromossomos inteiros, induzida por agentes genotóxicos (clastogênicos)21,24.
Neste estudo foram investigados os efeitos genotóxicos (clastogênicos) nas células da medula óssea de camundongos de ambos os sexos, através da formação de eritrócitos policromáticos micronucleados (PCEMN), expostos as diferentes doses de temefós 95,5% (grau técnico).
Mediante a escassez, na literatura, a respeito do potencial mutagênico e/ou genotóxico do temefós, o objetivo e a relevância desse estudo consistem em produzir conhecimentos sobre os efeitos mutagênico em células de mamíferos, induzidos pela exposição ao inseticida organofosforado temefós.
Espera-se que os conhecimentos gerados deste estudo, contribuam aos serviços de Saúde, no sentido de re-avaliar as práticas dos programas oficiais de controle de vetores, assim como, os potenciais riscos destes produtos para a saúde humana.
MATERIAL E MÉTODOS
Animais experimentais
Nos experimentos foram utilizados 180 camundongos (Mus musculus) albinos Swiss Webster de ambos os sexos, com 40 dias de vida e peso médio de 30 a 32g, fornecidos pelo biotério de criação do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães/FIOCRUZ-Recife PE, onde foram mantidos em gaiolas apropriadas, aclimatados a temperatura de 20ºC, com ciclos de iluminação (claro / escuro) a cada 12 horas. Foi oferecido diariamente ração balanceada e água filtrada, sem restrição nem interrupção. Antes da realização dos experimentos os animais passaram por um período de 8 dias em "quarentena" no biotério experimental, sob as mesmas condições ambientais e nutricionais que estavam no biotério de criação, até a hora do experimento.
Produtos químicos
Temefós, grau técnico 95,5% w/w (FERSOL R - 0259/05), inseticida organofosforado. A solução estoque foi preparada em etanol P.A. (32,14 mg/mL) e a solução de uso em água destilada estéril. A partir da DL50, (444 mg/kg) foi determinada, através de testes prévios, a dose de 111 mg/kg como a dose máxima tolerada (DMT) por camundongos de ambos os sexos. Foram utilizadas nos experimentos as doses de 27,75; 55,5 e 111mg /kg.
Ciclofosfamida (SIGMA®) fármaco antineoplásico citostático, universalmente empregado em testes para detecção de genotoxicidade, foi utilizada como padrão de controle positivo na dose de 25 mg/kg, em virtude dos resultados apresentados em experimentos preliminares. A solução de uso foi preparada em água destilada estéril a 1%.
Protocolo experimental
Os ensaios consistiram em administrar nos camundongos, via oral (gavagem), o temefós como substância teste. A Ciclofosfamida, via i.p., como padrão de controle positivo e água destilada estéril, via oral (gavagem), como controle negativo. Todos os animais receberam um volume total de 0,2 mL das respectivas soluções das substâncias.
Os camundongos foram divididos em 36 grupos formados por 05 animais / dose / sexo, para cada produto.
Os tratamentos foram administrados aos camundongos divididos em 6 grupos experimentais:
Grupo 1 – efeitos avaliados 24h após tratamento único. 1a: 5 machos e 5 fêmeas tratados com temefós, dose 27,75 mg/kg de peso corporal; 1b: 5 machos e 5 fêmeas receberam ciclofosfamida 25 mg/kg; 1c: 5 machos e 5 fêmeas receberam água destilada estéril 10 mL/kg.
Grupo 2: Efeitos avaliados 24h após tratamento único. 2a: 5 machos e 5 fêmeas tratados com temefós, dose 55,5 mg/kg de peso corporal; 2b: 5 machos e 5 fêmeas receberam Ciclofosfamida 25 mg/kg; 2c: 5 machos e 5 fêmeas receberam água destilada estéril 10 mL/kg.
Grupo 3: Efeitos avaliados 24h após tratamento. 3a: 5 machos e 5 fêmeas tratados com temefós, dose 111,0 (DMT) mg/kg de peso corporal; 3b: 5 machos e 5 fêmeas receberam Ciclofosfamida 25 mg/kg; 3c: 5 machos e 5 fêmeas receberam água destilada estéril 10 mL/kg.
Grupo 4: Efeitos avaliados 48h após tratamento. 4a: 5 machos e 5 fêmeas tratados com temefós, dose 111,0 (DMT) mg/kg de peso corporal; 4b: 5 machos e 5 fêmeas receberam Ciclofosfamida 25 mg/kg; 4c: 5 machos e 5 fêmeas receberam água destilada estéril 10 mL/kg.
Grupo 5: Efeitos avaliados 72h após tratamento. 5a: 5 machos e 5 fêmeas tratados com temefós, dose 111,0 (DMT) mg/kg de peso corporal; 5b: 5 machos e 5 fêmeas receberam Ciclofosfamida 25 mg/kg; 5c: 5 machos e 5 fêmeas receberam água destilada estéril 10 mL/kg.
Grupo 6: Foram administradas 9 doses do produto-teste, uma por semana. Os efeitos foram avaliados 24h após administração da 9ª dose. 6a: 5 machos e 5 fêmeas tratados com temefós, dose 111,0 (DMT) mg/kg de peso corporal; 5b: 5 machos e 5 fêmeas receberam Ciclofosfamida 25 mg/kg; 5c: 5 machos e 5 fêmeas água destilada estéril 10 mL/kg.
Obtenção das células da medula óssea
Os camundongos foram sacrificados por deslocamento cervical, os fêmures foram extirpados, dissecados, as epífises proximais foram cortadas para a extração da medula óssea. A medula foi extraída injetando-se 1,0 mL de soro fetal bovino no canal medular dos fêmures, colocando-se a suspensão de células dentro de um tubo de centrífuga contendo 2,0 mL de soro fetal bovino.
Teste de micronúcleos em células de medula óssea de camundongos24
A suspensão de células da medula óssea foi homogeneizada várias vezes com pipeta Pasteur fina e, em seguida, centrifugada a 1.000 r.p.m. durante 5 minutos. Dos 3 mL da suspensão celular, descartou-se 2 mL do sobrenadante. Ressuspendeu-se o sedimento e foram feitos os esfregaços (4 lâminas / animal), com 3 gotas da suspensão celular em lâminas limpas e secas, deslizando-se uma sobre a outra. Após secagem total das preparações citológicas, as lâminas foram colocadas em berço para coloração e fixadas em metanol PA, durante 10 minutos.
As lâminas foram coradas 24 horas após a fixação do material, através de uma bateria de coloração, composta por 4 cubas onde as lâminas foram submersas em seqüência: 1ª cuba com corante Leishman puro (3 minutos); 2ª cuba com solução Leishman em água destilada (1:6) durante 15 minutos, e em seguida lavadas várias vezes em água corrente; 3ª cuba contendo acetona PA (10 minutos). As preparações citológicas foram protegidas por lamínulas fixadas com bálsamo do Canadá / xilol (1:1).
Foram analisadas, em sistema duplo cego, 2.000 células / animal em microscópio óptico (10 x 100x), perfazendo um total de 10.000 células / grupo, sendo contabilizados os eritrócitos policromáticos (PCE) e os eritrócitos policromáticos micronucleados (PCE MN).
Análise estatística
Foi aplicado o teste do qui-quadrado de proporções do Soft Epi - Info - 6.04, ao nível de significância de 5%. Na escolha do teste levou-se em consideração o esquema experimental, e as transformações necessárias para que se fizessem comparações múltiplas dos resultados.
Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA) da Fundação Oswaldo Cruz – Rio de Janeiro, registrado e licenciado sob o número L-0054/08 – Val. 30/06/2012.
RESULTADOS
Um dia após tratamento, foram detectados 1,63% de eritrócitos policromáticos micronucleados (PCEMN) nos camundongos machos e 2,77% nas fêmeas do grupo controle positivo (CPA 25 mg/kg). Não foram observados PCEMN nos grupos controle negativo em nenhum dos momentos estudados nos experimentos
Houve divergência de proporcionalidade entre camundongos machos e fêmeas, onde os camundongos machos apresentaram maior proporção. Com significância estatística ao nível de 5% (p<0,0001), tanto após as 72h da dose única, quanto após as 9 doses de 111,0 mg/kg.
DISCUSSÃO
Os resultados deste estudo mostram que o organofosforado temefós produz alterações do material genético de camundongos, demonstradas pela formação de micronúcleo em eritrócitos policromáticos (PCE) da medula óssea de animais de ambos os sexos, expostos às doses de 27,75; 55,5 e 111,00 mg/kg (DMT) via oral e avaliados 24h após tratamento. A dose de 27,75 mg/kg é quatro vezes menor do que a DMT para a linhagem de camundongos utilizada neste estudo. Nos grupos de machos expostos ao temefós a relação dose-efeito foi clara, e os percentuais de PCE com micronúcleo (PCEMN) foram, nas 3 doses avaliadas, estatisticamente mais altos do que os observados com a ciclofosfamida (CPA), como controle positivo. Nos machos, a indução de PCEMN pelo temefós foi observada mesmo em PCE recolhidos da medula óssea até 72h após dose única de 111mg/kg. As fêmeas foram, por outro lado, menos susceptíveis à CPA emais tolerantes ao temefós do que os machos. É muito freqüente, na literatura científica, constatações de diferenças entre sexo, quanto à resposta a agentes patogênicos, biológicos ou químicos, que podem ser atribuídos a aspectos comportamentais (diferentes graus de exposição aos agentes, por exemplo) ou biológicos, para os quais nem sempre há explicações convincentes. Os nossos resultados demonstram claramente uma maior tolerância das fêmeas ao temefós, mas os dados não indicam as prováveis causas deste fato. Nos grupos de fêmeas, a indução de PCEMN tanto pelo temefós quanto pela CPA foi constatada quando os PCE foram colhidos as 24 e 48h após administração de dose única. A avaliação dos efeitos 24h após a ultima aplicação de uma série de 9 doses administradas semanalmente, confirmou os efeitos do temefós em camundongos nos dois sexos, mas não houve aumento das taxas de PCEMN quando comparadas com as induzidas por dose única do organofosforado. A análise estatística mostrou diferença significativa (p = 0,0001) ao nível de 5%, entre dose única de 111mg/kg e as 9 doses (111 mg/kg), administradas semanalmente (Figuras 1 e 4).
Ficou evidente que o temefós possuí efeito mutagênico em ambos os sexos, para as três concentrações testadas, permitindo ser detectado mesmo 72h após tratamento único.
Em nossos experimentos não foram detectados PCE micronucleados nos controles negativos (tratados com água), embora haja relatos na literatura científica de observação de taxa espontânea de PCE micronucleados, da ordem de 3/1000 células examinadas22,23 . O uso da CPA é recomendado nos protocolos de testes para detecção de genotoxicidade, como controle positivo, para assegurar a confiabilidade dos experimentos, realizados conforme os padrões estabelecidos.
Os resultados deste estudo corroboram conclusões, obtidas por outros autores, referentes à ação genotóxica (clastogênica), induzida pelo organofosforado temefós. Em estudos utilizando testes padronizados para mensurar mutagenicidade/genotoxicidade, Aiub et al8 concluíram que o temefós mostrou-se mutagênico: através do ensaio Cometa (SCGE), induzindo lesões grosseiras no DNA; no sistema SOS cromoteste para a linhagem PQ37 de Escherichia coli e através do teste de Ames com as linhagens de Salmonella typhimurium. Inclusive em testes com concentrações similares às utilizadas rotineiramente para combate ao Aedes. aegypti3,5. Pavão e Leão (2005) 10 a partir de análise através de método químico-quântico de caracterização de carcinogênicos, concluíram que o temefós, assim como outros inseticidas utilizados no combate ao Ae. aegypti, apresenta um forte caráter eletrofílico, uma das características de agentes químicos carcinogênicos.
Estudos anteriores já haviam demonstrado que outros organofosforados, dentre eles, o malation, são um potentes agentes genotóxicos (clastogênicos), causando sérias alterações citogenéticas e provocando danos em células germinativas9, e induzindo, além de aberrações cromossômicas, aumento na freqüência de micronúcleos 16 .
Estes dados, entre outros disponíveis na literatura, alertam sobre o potencial risco para a saúde humana que representa o uso contínuo e rotineiro, durante mais de uma década de milhares de toneladas de produtos à base de temefós, em criadouros do vetor da dengue e que são, em sua grande maioria, recipientes com água armazenada para uso humano, impondo à população a ingestão e o contato dérmico com água contendo este organofosforado.
Frente aos potenciais riscos e danos que inseticidas organofosforados possam causar à saúde humana, bem como à fauna não alvo, pelo uso esporádico, sistemático e/ou constante, no âmbito doméstico, na agricultura ou em campanhas de Saúde Pública, enfatizamos ser imprescindível, como medida preventiva, considerar o potencial mutagênico e/ou genotóxico de produtos utilizados para o controle de insetos.
AGRADECIMENTOS
A Gilvan Mariano (designer gráfico)
REFERÊNCIAS
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Recebido: 15/08/2008
Aceito para publicação: 24/10/2008
* Endereço para correspondência: Av. Morais Rego, s/n, Campus da UFPE, CEP 50670-420. Recife, PE/Brasil. e-mail: melomeb@cpqam.fiocruz.br TEL/FAX: 0**81 2101-2578 / 0**81 2101-2640.
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ICentro de Pesquisas Aggeu Magalhães / Fundação Oswaldo Cruz, Recife, PE/Brasil
IICentro de Ciências Biológicas / Depto. Biofísica e Radiobiologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Av. Morais Rego, s/n, Campus da UFPE, CEP 50670-420, Recife, PE/Brasil. TEL/FAX: 0**81 2126-8355 / 0**81 2126-8869
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RESUMO
Foram investigados os efeitos mutagênicos do organofosforado temefós através da observação da formação de micronúcleos em eritrócitos policromáticos (PCEMN) da medula óssea de camundongos. Em camundongos Swiss Webster de ambos os sexos, foram administradas diferentes doses de temefós (27,75; 55,5 e 111,0 mg/kg) por via bucal-gástrica e água destilada (10 mL/kg) no grupo controle negativo; e ciclofosfamida (CPA) (25 mg/kg) foi administrada pela via i.p. no grupo controle positivo. Foram analisadas dez mil células da medula óssea por grupo experimental. Os efeitos mutagênicos foram avaliados nos períodos de 24, 48 e 72h após ministrar a dose única e após nove doses de 111,0 mg/kg (1/semana). Em 24h após a dose única de CPA, a formação de PCEMN foi observada em 1,63% dos camundongos machos e 2,77% em fêmeas. Não houve formação de PCEMN no grupo controle negativo. O temefós induziu PCEMN em 2,61%, 3,50% e 3,69% de animais machos e 1,02%, 1,37% e 1,33% em fêmeas. Após 72h, CPA induziu PCEMN em 0,05% de camundongos de ambos sexos e o temefós em 0,92% de machos e 0,18% em fêmeas. Após nove doses de CPA, houve a formação de PCEMN em 0,15% de machos e em 0,8% de fêmeas; para o temefós, os valores observados foram respectivamente de 0,53% e 0,11%. A ação mutagênica de temefós foi demonstrada pela indução de micronúcleos em camundongos de ambos sexos.
Palavras-chave: temefós, organofosforado, mutagênico, teste de micronúcleo, eritrócitos policromáticos micronucleados.
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ABSTRACT
The mutagenic effects of organophosphorate temephos on mice bone marrow cells was investigated through the micronucleus formation test. Doses of temephos (27.75; 55.5 e 111.0 mg/kg) were orally administered to males and females Swiss Webster mice. Cyclophosphamide (CPA, 25 mg/kg) per via i.p. and water (10 mL/kg) were administered in mice as positive and negative control groups, respectively. Mutagenic effects were evaluated from 24h to 72h after giving a single dose, and after nine doses of 111.0 mg/kg weekly administered. Ten thousand bone marrow cells per experimental group were analyzed. In the positive controls, the percentages of polychromatic erythrocytes micronucleus (PCEMN) at 24h after a single dose were1.63% in male and 2.77% in female mice. No PCEMN was observed in the negative controls group. Gradually increasing temephos doses induced PCEMN in 2.61, 3.50, and 3.69% males and 1.02, 1.37, and 1.33% females, respectively. After 72h, CPA caused 0.05% of PCEMN in both males and females; and the temephos caused 0.92% in males and 0.18% in females. In mice administered with nine doses of CPA, PCEMN was detected in 0.15% males and 0.8% females, although PCEMN values were significantly higher in temephos receiving mice group. The mutagenic effects of temephos on both male and female mice were evidenced by chromosome alterations inducing micronucleus formation.
Key words: temephos, organophosphorate, mutagenic, micronucleous test, micronucleate Polychromatic erythrocytes.
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INTRODUÇÃO
O Brasil é, em nível mundial, um dos maiores consumidores de inseticidas, os quais são usados principalmente na agricultura1,2. O uso continuado ou intermitente durante quase 6 décadas de milhares de toneladas de tais compostos, acarretou problemas decorrentes do seu modo de ação não seletiva, ao eliminar organismos alvo e não alvo, tanto invertebrados quanto vertebrados, causando impacto ambiental e desequilíbrio nos ecossistemas3,4,5
Há décadas, inseticidas químicos vêm sendo largamente utilizados para o controle de insetos transmissores de doenças1,2 . Desde a implantação do Plano para Erradicação do Aedes aegypti (PEAa) o uso de organofosforados em programas de saúde pública no Brasil foi ampliado consideravelmente pela adição de cerca de 5 mil toneladas de temefós por ano3,4,5 Este composto é aplicado como larvicida, em ciclos bimestrais, em água estagnada e em reservatórios de água potável para uso doméstico, na concentração final de 1ppm. A adição de temefós em água para consumo humano tem como argumento baixa toxicidade aguda e a pouca persistência no ambiente6,7
O temefós, empregado como princípio ativo de produtos como Abate, Difos, Biothion, Abathion, Nimitex e Swebate, é um pesticida organofosforado usado extensivamente em várias partes do mundo no controle de vetores biológicos de diversas doenças e foi introduzido no mercado em 1965, pela American Cyanamid Company.
Análises dos danos causados pelo uso de compostos organofosforados à saúde humana têm sido, em sua maioria restrita aos efeitos agudos, entretanto sabe-se que os inseticidas sintéticos não são seletivos, agridem o meio ambiente e apresentam efeitos tóxicos agudos e crônicos sobre invertebrados e vertebrados, resultantes da exposição prolongada a diferentes moléculas de organofosforados, caracterizando, portanto um problema de Saúde Pública8,9,10.
Os organofosforados são inibidores de colinesterase ativos em todos os grupos animais que usam a acetilcolina como neurotransmissor, com conseqüente acúmulo desta molécula no organismo, acarretando, cronicamente, alterações no funcionamento dos sistemas muscular, nervoso, endócrino e imunológico11,12,13,14 . Os efeitos agudos da exposição a estes compostos são mensurados em modelos animais, estabelecendose a dose letal de 50% (DL50) para o grupo exposto em bioensaios. Entretanto, a extensão dos danos, sobretudo no que concerne aos efeitos crônicos e em especial os mutagênicos e/ou genotóxicos é pouco conhecida8,15,16.
Em virtude da correlação estabelecida entre mutagenicidade e carcinogenicidade, segundo a qual substâncias reconhecidamente mutagênicas podem ser também carcinogênicas17,18,19 é relevante investigar o potencial mutagênico e/ou genotóxico de compostos organofosforados, como o temefós, em virtude dos riscos da periculosidade dos produtos aos quais os seres vivos estão expostos por períodos prolongados10,6
A análise genotóxica foi realizada através do teste de micronúcleo em células de medula óssea de camundongos (Mus musculus) Swiss Webster de ambos os sexos.
O teste de micronúcleo, desenvolvido por Von Ledebur & Schmid20 e Heddle et al.,21 é utilizado para a detecção de agentes genotóxicos, com especial relevância para os programas de screening na vigilância à saúde,22, 23,24 em ensaios in vivo ou in vitro, tendo sido apontado como um método para determinar a capacidade genotóxica (clastogênica) de uma substância e, conseqüentemente, seu potencial carcinogênico. O micronúcleo representa uma perda estrutural ou numérica de fragmentos cromossômicos ou cromossomos inteiros, induzida por agentes genotóxicos (clastogênicos)21,24.
Neste estudo foram investigados os efeitos genotóxicos (clastogênicos) nas células da medula óssea de camundongos de ambos os sexos, através da formação de eritrócitos policromáticos micronucleados (PCEMN), expostos as diferentes doses de temefós 95,5% (grau técnico).
Mediante a escassez, na literatura, a respeito do potencial mutagênico e/ou genotóxico do temefós, o objetivo e a relevância desse estudo consistem em produzir conhecimentos sobre os efeitos mutagênico em células de mamíferos, induzidos pela exposição ao inseticida organofosforado temefós.
Espera-se que os conhecimentos gerados deste estudo, contribuam aos serviços de Saúde, no sentido de re-avaliar as práticas dos programas oficiais de controle de vetores, assim como, os potenciais riscos destes produtos para a saúde humana.
MATERIAL E MÉTODOS
Animais experimentais
Nos experimentos foram utilizados 180 camundongos (Mus musculus) albinos Swiss Webster de ambos os sexos, com 40 dias de vida e peso médio de 30 a 32g, fornecidos pelo biotério de criação do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães/FIOCRUZ-Recife PE, onde foram mantidos em gaiolas apropriadas, aclimatados a temperatura de 20ºC, com ciclos de iluminação (claro / escuro) a cada 12 horas. Foi oferecido diariamente ração balanceada e água filtrada, sem restrição nem interrupção. Antes da realização dos experimentos os animais passaram por um período de 8 dias em "quarentena" no biotério experimental, sob as mesmas condições ambientais e nutricionais que estavam no biotério de criação, até a hora do experimento.
Produtos químicos
Temefós, grau técnico 95,5% w/w (FERSOL R - 0259/05), inseticida organofosforado. A solução estoque foi preparada em etanol P.A. (32,14 mg/mL) e a solução de uso em água destilada estéril. A partir da DL50, (444 mg/kg) foi determinada, através de testes prévios, a dose de 111 mg/kg como a dose máxima tolerada (DMT) por camundongos de ambos os sexos. Foram utilizadas nos experimentos as doses de 27,75; 55,5 e 111mg /kg.
Ciclofosfamida (SIGMA®) fármaco antineoplásico citostático, universalmente empregado em testes para detecção de genotoxicidade, foi utilizada como padrão de controle positivo na dose de 25 mg/kg, em virtude dos resultados apresentados em experimentos preliminares. A solução de uso foi preparada em água destilada estéril a 1%.
Protocolo experimental
Os ensaios consistiram em administrar nos camundongos, via oral (gavagem), o temefós como substância teste. A Ciclofosfamida, via i.p., como padrão de controle positivo e água destilada estéril, via oral (gavagem), como controle negativo. Todos os animais receberam um volume total de 0,2 mL das respectivas soluções das substâncias.
Os camundongos foram divididos em 36 grupos formados por 05 animais / dose / sexo, para cada produto.
Os tratamentos foram administrados aos camundongos divididos em 6 grupos experimentais:
Grupo 1 – efeitos avaliados 24h após tratamento único. 1a: 5 machos e 5 fêmeas tratados com temefós, dose 27,75 mg/kg de peso corporal; 1b: 5 machos e 5 fêmeas receberam ciclofosfamida 25 mg/kg; 1c: 5 machos e 5 fêmeas receberam água destilada estéril 10 mL/kg.
Grupo 2: Efeitos avaliados 24h após tratamento único. 2a: 5 machos e 5 fêmeas tratados com temefós, dose 55,5 mg/kg de peso corporal; 2b: 5 machos e 5 fêmeas receberam Ciclofosfamida 25 mg/kg; 2c: 5 machos e 5 fêmeas receberam água destilada estéril 10 mL/kg.
Grupo 3: Efeitos avaliados 24h após tratamento. 3a: 5 machos e 5 fêmeas tratados com temefós, dose 111,0 (DMT) mg/kg de peso corporal; 3b: 5 machos e 5 fêmeas receberam Ciclofosfamida 25 mg/kg; 3c: 5 machos e 5 fêmeas receberam água destilada estéril 10 mL/kg.
Grupo 4: Efeitos avaliados 48h após tratamento. 4a: 5 machos e 5 fêmeas tratados com temefós, dose 111,0 (DMT) mg/kg de peso corporal; 4b: 5 machos e 5 fêmeas receberam Ciclofosfamida 25 mg/kg; 4c: 5 machos e 5 fêmeas receberam água destilada estéril 10 mL/kg.
Grupo 5: Efeitos avaliados 72h após tratamento. 5a: 5 machos e 5 fêmeas tratados com temefós, dose 111,0 (DMT) mg/kg de peso corporal; 5b: 5 machos e 5 fêmeas receberam Ciclofosfamida 25 mg/kg; 5c: 5 machos e 5 fêmeas receberam água destilada estéril 10 mL/kg.
Grupo 6: Foram administradas 9 doses do produto-teste, uma por semana. Os efeitos foram avaliados 24h após administração da 9ª dose. 6a: 5 machos e 5 fêmeas tratados com temefós, dose 111,0 (DMT) mg/kg de peso corporal; 5b: 5 machos e 5 fêmeas receberam Ciclofosfamida 25 mg/kg; 5c: 5 machos e 5 fêmeas água destilada estéril 10 mL/kg.
Obtenção das células da medula óssea
Os camundongos foram sacrificados por deslocamento cervical, os fêmures foram extirpados, dissecados, as epífises proximais foram cortadas para a extração da medula óssea. A medula foi extraída injetando-se 1,0 mL de soro fetal bovino no canal medular dos fêmures, colocando-se a suspensão de células dentro de um tubo de centrífuga contendo 2,0 mL de soro fetal bovino.
Teste de micronúcleos em células de medula óssea de camundongos24
A suspensão de células da medula óssea foi homogeneizada várias vezes com pipeta Pasteur fina e, em seguida, centrifugada a 1.000 r.p.m. durante 5 minutos. Dos 3 mL da suspensão celular, descartou-se 2 mL do sobrenadante. Ressuspendeu-se o sedimento e foram feitos os esfregaços (4 lâminas / animal), com 3 gotas da suspensão celular em lâminas limpas e secas, deslizando-se uma sobre a outra. Após secagem total das preparações citológicas, as lâminas foram colocadas em berço para coloração e fixadas em metanol PA, durante 10 minutos.
As lâminas foram coradas 24 horas após a fixação do material, através de uma bateria de coloração, composta por 4 cubas onde as lâminas foram submersas em seqüência: 1ª cuba com corante Leishman puro (3 minutos); 2ª cuba com solução Leishman em água destilada (1:6) durante 15 minutos, e em seguida lavadas várias vezes em água corrente; 3ª cuba contendo acetona PA (10 minutos). As preparações citológicas foram protegidas por lamínulas fixadas com bálsamo do Canadá / xilol (1:1).
Foram analisadas, em sistema duplo cego, 2.000 células / animal em microscópio óptico (10 x 100x), perfazendo um total de 10.000 células / grupo, sendo contabilizados os eritrócitos policromáticos (PCE) e os eritrócitos policromáticos micronucleados (PCE MN).
Análise estatística
Foi aplicado o teste do qui-quadrado de proporções do Soft Epi - Info - 6.04, ao nível de significância de 5%. Na escolha do teste levou-se em consideração o esquema experimental, e as transformações necessárias para que se fizessem comparações múltiplas dos resultados.
Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA) da Fundação Oswaldo Cruz – Rio de Janeiro, registrado e licenciado sob o número L-0054/08 – Val. 30/06/2012.
RESULTADOS
Um dia após tratamento, foram detectados 1,63% de eritrócitos policromáticos micronucleados (PCEMN) nos camundongos machos e 2,77% nas fêmeas do grupo controle positivo (CPA 25 mg/kg). Não foram observados PCEMN nos grupos controle negativo em nenhum dos momentos estudados nos experimentos
Houve divergência de proporcionalidade entre camundongos machos e fêmeas, onde os camundongos machos apresentaram maior proporção. Com significância estatística ao nível de 5% (p<0,0001), tanto após as 72h da dose única, quanto após as 9 doses de 111,0 mg/kg.
DISCUSSÃO
Os resultados deste estudo mostram que o organofosforado temefós produz alterações do material genético de camundongos, demonstradas pela formação de micronúcleo em eritrócitos policromáticos (PCE) da medula óssea de animais de ambos os sexos, expostos às doses de 27,75; 55,5 e 111,00 mg/kg (DMT) via oral e avaliados 24h após tratamento. A dose de 27,75 mg/kg é quatro vezes menor do que a DMT para a linhagem de camundongos utilizada neste estudo. Nos grupos de machos expostos ao temefós a relação dose-efeito foi clara, e os percentuais de PCE com micronúcleo (PCEMN) foram, nas 3 doses avaliadas, estatisticamente mais altos do que os observados com a ciclofosfamida (CPA), como controle positivo. Nos machos, a indução de PCEMN pelo temefós foi observada mesmo em PCE recolhidos da medula óssea até 72h após dose única de 111mg/kg. As fêmeas foram, por outro lado, menos susceptíveis à CPA emais tolerantes ao temefós do que os machos. É muito freqüente, na literatura científica, constatações de diferenças entre sexo, quanto à resposta a agentes patogênicos, biológicos ou químicos, que podem ser atribuídos a aspectos comportamentais (diferentes graus de exposição aos agentes, por exemplo) ou biológicos, para os quais nem sempre há explicações convincentes. Os nossos resultados demonstram claramente uma maior tolerância das fêmeas ao temefós, mas os dados não indicam as prováveis causas deste fato. Nos grupos de fêmeas, a indução de PCEMN tanto pelo temefós quanto pela CPA foi constatada quando os PCE foram colhidos as 24 e 48h após administração de dose única. A avaliação dos efeitos 24h após a ultima aplicação de uma série de 9 doses administradas semanalmente, confirmou os efeitos do temefós em camundongos nos dois sexos, mas não houve aumento das taxas de PCEMN quando comparadas com as induzidas por dose única do organofosforado. A análise estatística mostrou diferença significativa (p = 0,0001) ao nível de 5%, entre dose única de 111mg/kg e as 9 doses (111 mg/kg), administradas semanalmente (Figuras 1 e 4).
Ficou evidente que o temefós possuí efeito mutagênico em ambos os sexos, para as três concentrações testadas, permitindo ser detectado mesmo 72h após tratamento único.
Em nossos experimentos não foram detectados PCE micronucleados nos controles negativos (tratados com água), embora haja relatos na literatura científica de observação de taxa espontânea de PCE micronucleados, da ordem de 3/1000 células examinadas22,23 . O uso da CPA é recomendado nos protocolos de testes para detecção de genotoxicidade, como controle positivo, para assegurar a confiabilidade dos experimentos, realizados conforme os padrões estabelecidos.
Os resultados deste estudo corroboram conclusões, obtidas por outros autores, referentes à ação genotóxica (clastogênica), induzida pelo organofosforado temefós. Em estudos utilizando testes padronizados para mensurar mutagenicidade/genotoxicidade, Aiub et al8 concluíram que o temefós mostrou-se mutagênico: através do ensaio Cometa (SCGE), induzindo lesões grosseiras no DNA; no sistema SOS cromoteste para a linhagem PQ37 de Escherichia coli e através do teste de Ames com as linhagens de Salmonella typhimurium. Inclusive em testes com concentrações similares às utilizadas rotineiramente para combate ao Aedes. aegypti3,5. Pavão e Leão (2005) 10 a partir de análise através de método químico-quântico de caracterização de carcinogênicos, concluíram que o temefós, assim como outros inseticidas utilizados no combate ao Ae. aegypti, apresenta um forte caráter eletrofílico, uma das características de agentes químicos carcinogênicos.
Estudos anteriores já haviam demonstrado que outros organofosforados, dentre eles, o malation, são um potentes agentes genotóxicos (clastogênicos), causando sérias alterações citogenéticas e provocando danos em células germinativas9, e induzindo, além de aberrações cromossômicas, aumento na freqüência de micronúcleos 16 .
Estes dados, entre outros disponíveis na literatura, alertam sobre o potencial risco para a saúde humana que representa o uso contínuo e rotineiro, durante mais de uma década de milhares de toneladas de produtos à base de temefós, em criadouros do vetor da dengue e que são, em sua grande maioria, recipientes com água armazenada para uso humano, impondo à população a ingestão e o contato dérmico com água contendo este organofosforado.
Frente aos potenciais riscos e danos que inseticidas organofosforados possam causar à saúde humana, bem como à fauna não alvo, pelo uso esporádico, sistemático e/ou constante, no âmbito doméstico, na agricultura ou em campanhas de Saúde Pública, enfatizamos ser imprescindível, como medida preventiva, considerar o potencial mutagênico e/ou genotóxico de produtos utilizados para o controle de insetos.
AGRADECIMENTOS
A Gilvan Mariano (designer gráfico)
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Recebido: 15/08/2008
Aceito para publicação: 24/10/2008
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