Ana Paula Lisboa
Correio Braziliense - 24/07/2016
Bancos Central e do Brasil, polícias Federal e Rodoviária Federal, Receita e agências reguladoras estão entre as carreiras com maior deficit de pessoal e clamam pela realização de concursos
Maria Tereza Sombra, diretora executiva da Associação Nacional de Apoio e Proteção aos Concursos (Anpac) há 11 anos, avalia que o país está em um momento crítico no que diz respeito ao funcionalismo público. "Se não houver certames, o país vai fechar para balanço, vai ser um pânico geral. Quem vai sofrer o prejuízo é a população brasileira. Em alguns órgãos, não dá para esperar até 2018", alerta. "A Dilma cortou concursos há dois anos. Estamos numa situação gravíssima, principalmente no Banco Central, no Banco do Brasil, na Polícia Federal, na Polícia Rodoviária Federal, na Receita Federal e nas agências reguladoras", comenta. A necessidade de contratação é reiterada por representantes de associações de trabalhadores.
Daro Marcos Piffer, presidente do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal), diz que a instituição está em "situação caótica" pela ausência de reposição de aposentados. "O Banco Central chegou a solicitar 1,5 mil vagas ao Ministério do Planejamento, das quais 500 foram aprovadas com um adicional de 100, que foram empossados no ano passado. Mas não é suficiente. Estamos com um quadro de 4 mil funcionários - 20% a menos que a lotação legal do banco; sem contar que cerca de 800 pessoas se aposentarão entre este ano e o próximo", revela. As consequências são sobrecarga de trabalho em quem fica e serviços não urgentes que deixam de ser prestados.
"O que é prioridade não é prejudicado; mas não conseguimos fazer fiscalização como poderíamos", reforça ele que observa que o objetivo agora não é criar vagas, mas repor as abertas. "Não estamos otimistas com abertura de concurso antes de 2018; seja com Dilma - que tinha a política de tirar vagas de fiscalização para priorizar educação e seguridade social - seja com Temer - o qual ainda não conhecemos bem para entender os interesses. Resta esperar e pressionar o governo", finaliza.
A Associação Nacional dos Funcionários do Banco do Brasil (Anabb) não comentou a situação no Banco do Brasil, mas, de acordo com Rafael Zanon, secretário de Imprensa do Sindicato dos Bancários de Brasília e empregado do Banco do Brasil, "a ausência de contratações gera sobrecarga e adoecimento da mão de obra, além da precarização do atendimento à população, no banco com maior número de clientes do país". Na visão de Zanon, a expectativa que concursos demorem ainda mais a serem abertos num eventual governo Temer até 2018. "A política dele é claramente de arrocho, e a tendência é contratar cada vez menos. E o problema é que, no DF, não temos nem concurso vigente para chamar pessoas", lamenta.
Na Receita Federal, as duas principais carreiras enfrentam situações discrepantes. Vilson Antonio Romero, presidente da Associação Nacional dos Auditores-fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), percebe que os 10.315 servidores na função "atendem o trabalho de fiscalização e cobrança" e que a casa precisa de mais profissionais de apoio e assessoria, a fim de tirar auditores de desvio de função para que eles foquem ainda mais na própria atividade. Por isso, é consenso que o número de analistas, hoje na casa dos 7.190, aumente. O vice-presidente do Sindicato Nacional dos Analistas Tributários da Receita Federal (Sindireceita), Geraldo Seixas, defende uma inversão da pirâmide. "A necessidade de pessoas nessa função é evidente, e falo da primordialidade de criar vagas. Não sabemos ainda precisar o tamanho da carência, mas está em curso um trabalho da Receita Federal para definir uma nova lotação para o órgão. No entanto, o número de analistas precisa ser maior que o de auditores."
Segundo ele, é preciso priorizar a instituição, pois ela contribui para amenizar a dificuldade orçamentária do governo por meio da arrecadação. "Por isso, acreditamos que existe a chance de abrir um eventual concurso; mas isso ainda depende de como será o contexto político daqui para a frente", pondera. A Receita Federal conta ainda com 2.536 auditores do trabalho.
Segurança em crise
Fundamentais para garantir o bem-estar do país, as polícias se encontram em situação crítica e demandam, além da reposição de vagas, a criação de postos. Para as duas corporações federais, as posições criadas pelo Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 38/2016 vieram bem a calhar. O presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Luís Boudens, observa que a instituição sofre de carência de agentes (o quadro atual é de 7 mil) e de servidores do quadro administrativo (que somam 3 mil), apesar de ter delegados (são 1,6 mil) em demasia. "Essa área ficou abandonada muito tempo, mas temos uma extensa faixa de fronteira, além de portos e aeroportos, para cuidar. Estamos numa proporção absurda de um delegado para três agentes (que são os profissionais que fazem fiscalização e investigação) - sendo que, no passado, chegou a ser de um para 12. Para escrivães (que hoje são 1,7 mil) e peritos (1,1 mil), a demanda também é muito alta."
O deficit é causado por motivos como rotatividade e priorização de concursos de delegados. "O FBI (Federal Bureau of Investigation), dos Estados Unidos, tem 25 mil agentes só na parte técnica; a Argentina também tem perto de 25 mil policiais federais, sendo muito menor que o Brasil", compara ele que acredita que seria necessário contratar pelo menos mais 6 mil agentes. "Não temos opinião formada sobre o PLC 38/2016. Deveria ser algo para tranquilizar a categoria, mas o cenário atual não nos empolga. Mesmo assim, pela necessidade, acredito que terão que aprovar algum concurso em 2017", afirma Boudens que acredita que a quantidade de policiais federais enviados para garantir a segurança dos Jogos Olímpicos Rio 2016 não será suficiente e ainda deixam desfalcadas áreas de fronteiras de onde os profissionais foram tirados. "Você cobre a cabeça e descobre os pés. Além disso, a população sai prejudicada porque as investigações estão enfraquecidas, e os criminosos se aproveitam desse momento."
Deolindo Paulo Carmel, vice-presidente da Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais (FenaPRF), tem entendimento parecido. "A fronteira está fragilizada e, segundo os próprios órgãos fiscalizadores, a segurança das olimpíadas não funcionará como deveria", aponta. "Temos previsão legal de 13.098 vagas e contamos com um quadro de 10.290. Isso não quer dizer que não precismos de mais que essa quantia. O TCU (Tribunal de Contas da União) avaliou que o ideal seriam 16 mil funcionários." Carmel crê que será aberto concurso para o órgão antes de 2018. "Trabalhamos em prol de sensibilizar o governo interino sobre essa necessidade, e o certame poderia ser autorizado este ano. Por mais que estejamos em crise, é preciso entender que investir em policiais é investimento e não gasto."
Para ele, o acordo ao redor do PLC nº 38/2016 não é inusual. "Em muitos momentos, o Poder Legislativo não quer se destacar como o que impede concursos ou outras melhorias para a população e apela para o veto presidencial. Isso aconteceu muito no governo Dilma também", afirma.
Palavra de especialista
Momento delicado
Mesmo que seja uma medida impopular para o presidente vetar a criação de vagas - especialmente no DF, em que há uma legião de concurseiros -, também não seria bem-vista pela opinião pública uma atitude que aumente despesas - que perduram por 30 a 40 anos - neste momento. O governo tem um deficit monstruoso para este ano; um restante um pouco menor no que vem; para tentar eliminar o rombo em 2018. Abrir novos postos - e não estou falando de suprir vagas por saída de servidores - agora só seria bom para quem quer ser servidor. Também não acredito em alterações disso num futuro próximo, independentemente de quem fique no poder. O brasileiro e a iniciativa privada estão sentindo a crise, e o setor público não poderia passar incólume por isso.
Muitas posições podem ser supridas pelo aumento da produtividade e das tecnologias. Não se pode deixar de abrir concursos, porém, isso deve ser feito com parcimônia.
Raul Sturari, vice-presidente da Sagres, consultoria em política e gestão estratégica aplicadas, militar aposentado,
administrador, pós-graduado em pedagogia e doutor em política estratégica
Não pare de estudar
Confira dicas de Marcos Camargo, perito criminal da Polícia Civil do DF, professor de toxicologia e farmacologia do Ifar Concursos; e Carlos Augusto Souza Pereira, coach para concursos e servidor do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), para se preparar:
» Não deixe para estudar apenas quando o edital sair. Há muitas matérias, e é muito arriscado achar que conseguirá ver tudo na eminência da publicação do concurso
» Procure trabalhar com algo que tenha a ver com a área em que você quer atuar no serviço público. Quem quer ser perito, por exemplo, pode procurar uma atividade relacionada, fazer pós-graduação em química analítica ou toxicologia.
» No tempo de espera, planeje-se para se manter ativo nos estudos. Tenha sempre em mente os motivos de querer passar no concurso - seja estabilidade, remuneração, necessidade, seja qualquer outra razão - e foque no que importa: qualquer um quer passar, precisa ser uma causa forte para que você se motive
» Busque práticas de estudo que levaram outras pessoas à aprovação, como resolver questões, dominar técnicas de memorização e leitura.
» No mundo ideal, as pessoas escolheriam o certame de acordo com a própria vocação. Na realidade, porém, muitos não acham vagas na iniciativa privada e vão para o serviço público por isso.
» Procure equilíbrio entre preparação e vida pessoal. Quem está estudando não pode ir para balada todo o fim de semana; mas não deixe de ir a eventos importantes, como o aniversário de 90 anos de uma avó.
Opinião de concurseiros
Confira o que moradores do DF interessados em vagas no funcionalismo público dizem da situação atual
Fernando Matos, 21 anos, estudante de segurança pública
"Meu sonho é ser bombeiro militar. O problema é que, num momento de falta de concursos como este, muita gente sem vocação vai prestar o processo seletivo. A concorrência vai ser maior, e a rotatividade dos aprovados também."
Amanda Rodrigues, 23 anos, enfermeira
"Tentei os concursos da Secretaria de Saúde e da Rede Sarah. Agora, estou me preparando para o dos Bombeiros do DF, pois gosto de trabalho externo. Meu foco está na área militar. Eu gostaria que fossem abertas mais seleções para ter mais opções."
Huggo Bueno, 26 anos, engenheiro florestal
"Meu interesse está em carreiras policiais e em outras oportunidades, por exemplo, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Me preocupa o fato de haver uma restrição para concursos até 2018. Se o governo determinou que não vai abrir concurso, seria estranho que ele deixasse que novas vagas fossem criadas. Acho que não vai mudar muita coisa depois do impeachment, ficando Dilma ou Temer."
Fernanda Laisa Ferreira Lustosa, 23 anos, farmacêutica, cursa pós-graduação em vigilância sanitária
"Se a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) abrisse concurso, eu faria, provavelmente para analista. Mas, por agora, não tenho expectativas. O número menor de editais trouxe um desânimo geral. O que acho estranho é que o governo continua aprovando reajustes para servidores e inclusive parlamentares, mas quando se trata de certames dizem que não há verba."
Allan Rabelo, 26 anos, educador físico, professor de academia
"Meu objetivo é passar na Polícia Rodoviária Federal. Os órgãos estão cada vez mais sucateados pela falta de verba, mas o fato de haver poucos concursos não me desanima. Vou continuar me dedicando. Acordos (como o que envolve o PLC 38/2016) ocorrem porque o Legislativo tem que criar leis, mas, como se sabe que não é sustentável abrir mais de 14 mil vagas, os senadores deixaram para o presidente vetar."