Defesa alega a necessidade de critérios para a avaliação do desempenho dos servidores, já os opositores veem a medida como uma perseguição
O sonho de alcançar uma vaga no serviço público é uma constante na sociedade. Emprego considerado estável e bons salários atraem a quem busca um bom horizonte profissional. Mas por outro lado, o funcionalismo público, em sua execução, é apontado, muitas vezes, por ser ineficiente na prestação de serviços. Por conta dessa última característica, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) aprovou regras para a demissão de servidor público estável por "insuficiência de desempenho", aplicáveis a todos os Poderes, nos níveis federal, estadual e municipal. A regulamentação tem gerado debates na sociedade e é apontada por centrais sindicais como uma forma de desmobilizar e perseguir o servidor.
Em sua justificativa para o projeto, a autora do PL, senadora Maria do Carmo Alves (DEM-SE), alega que, quase 20 anos depois da promulgação da Constituição Federal, o Parlamento "se mantém inerte ao mandamento constitucional" que determina a regulamentação de critérios para a avaliação periódica do desempenho dos servidores públicos. A senadora argumenta também que a "sociedade se sente lesada" ao pagar "pesados tributos" sem o retorno do investimento em bens e serviços.
Mas para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Federal no Estado do Piauí, Paulo Bezerra, a regulamentação não tem caráter apenas de tentar apontar melhorias no serviço público, mas é uma forma de perseguir o trabalhador. “Nós estamos vendo um cunho de perseguição política e isso demostra a falência do Estado na responsabilidade da administração pública. O Estado não quer mais ter responsabilidade com o serviço público, quer sair das suas obrigações constitucionais.
O representante dos servidores federais alega, inclusive, que já existem mecanismos legais para a avaliação do servidor e sua eventual exoneração no regime disciplinar da Lei 8.112/1990.
“O que está colocado para a população é que os empregados públicos não atendem à necessidade, mas veja só, para nós que temos conhecimento da realidade de todos os órgãos públicos do Brasil, sabemos muito bem que nenhum desse processo de degradação e oferta de serviço passa pela questão do servidor”, destaca Paulo.
O sindicalista cita ainda que a pouca oferta de capacitação, ambiente de trabalho sem estrutura devida e jornadas exaustivas de trabalho contribuem para o quadro de falência com que funcionam determinados órgãos públicos.
Para os usuários, há necessidade de um maior controle no trabalho do servidor, mas principalmente uma oferta de estrutura que atenda às demandas da população. É o que pensa o trabalhador Luís Carlos. “É preciso de equipamentos e mais pessoas”, destaca.
Projeto pode ser inconstitucional, avalia especialista em direito público
Pelo texto aprovado, o desempenho funcional dos servidores deverá ser apurado anualmente por uma comissão avaliadora e levar em conta, entre outros fatores, a produtividade e a qualidade do serviço. Campelo Filho, advogado e mestre em Direito Público, destaca que a nova regulamentação traz vantagens, mas também abre precedentes para a má utilização dos crité- rios. Além disso, o jurista analisa que a lei pode ser inconstitucional.
“A lei não é clara, já que diz que cada entidade deverá estabelecer seus critérios, estabelecer suas regras para análise do desempenho. Quando eu dou essa brecha para que cada entidade crie seu método, eu abro espaço para padrões que podem levar a perseguir. Inclusive ela pode ser inconstitucional nesse ponto”, destaca.
Campelo exemplifica: um funcionário que pertence a um determinado órgão público em uma localidade; ao analisar outro que também realiza a mesma atividade em outro órgão público, em outra localidade, ao deixar o gestor público criar critérios particulares, essas determinações ‘personalizadas’ podem ser mais rígidas para alguns que para outros. “Então, não há uma padronização de exigências. Isso gera uma desigualdade na lei e essa desigualdade fere a Constituição, o princípio da igualdade”, explica.
Mas a regulamentação não recebe só críticas do especialista. Segundo Campelo, é preciso buscar soluções e discutir uma realidade que há muito se replica país afora. “O outro lado é que, notoriamente, o serviço público é ruim, quem vai se utilizar muitas vezes dos atendimentos ofertados sabe que os prazos não são cumpridos, que há morosidade. Isso também está ligado ao fato da pouca produtividade. Então, por esse lado, estabelecer metas para o servidor público, que são importantes, como a assiduidade do servidor, capacitação, por este lado a lei é positiva, porque cria algo mais direto”, considera.
A análise do jurista ainda se debruça sobre a pouca efetividade da lei, mesmo que aplicada. Campelo Filho lembra que é preciso uma mudança de cultura na sociedade em encarar a atividade pública com compromisso e necessidade de dedicação. “Às vezes, vemos pessoas que sonham em passar em um concurso e, ao alcançarem o sonho, têm o ideal de ‘bom, agora estou com a vida ganha, trabalhar pouco e ganhar bem’, quando, na verdade, agora que a dedicação teria de ser maior para ofertar um serviço à altura do que ele batalhou para conseguir”, finaliza.
O que diz a lei
De acordo com o substitutivo, a apuração do desempenho do funcionalismo deverá ser feita entre 1º de maio de um ano e 30 de abril do ano seguinte. Produtividade e qualidade serão os fatores avaliativos fixos, associados a outros cinco fatores variáveis, escolhidos em função das principais atividades exercidas pelo servidor no período. Estão listados, entre outros, “inovação, responsabilidade, capacidade de iniciativa, foco no usuário/ cidadão”.
A ideia é que os fatores de avaliação fixos contribuam com até metade da nota final apurada. Os fatores variáveis deverão corresponder, cada um, a até 10% da nota. A depender da nota final, dentro da faixa de zero a dez, o desempenho funcional será conceituado dentro da seguinte escala: superação (S), igual ou superior a oito pontos; atendimento (A), igual ou superior a cinco e inferior a oito pontos; atendimento parcial (P), igual ou superior a três pontos e inferior a cinco pontos; não atendimento (N), inferior a três pontos.
Servidores cobram oportunidade de capacitação e condições de trabalho
Na mira da lei, os servidores públicos têm opiniões distintas quanto ao que propõe o projeto de lei que cobra desempenho. Para quem vive a realidade do serviço público, a mudança não deve ser apenas no modus operandi do funcionário, mas em toda a estrutura ofertada.
Para Delianeide Pereira, funcionária pública há mais de 20 anos, as mudanças devem acontecer de forma estrutural. Segundo ela, o próprio sistema não oferta condições de trabalho ao servidor.
“Quando nos deparamos com essa situação, sabemos que é uma mudança que vai penalizar apenas o servidor, mas o Governo não leva em consideração que, quando ele chega em um ambiente de trabalho, muitas vezes, ele não dispõe nem de um computador. As condições de trabalho são fundamentais para a gente melhorar essa produtividade e, a formação continuada, temos que batalhar muito por esse item, através de concurso, através de carreira, que eu sou contra essa indicação da terceirização. É fundamental investir na carreira do servidor público”, defende.
Opinião também corroborada pelo servidor público Antunes Leal, que trabalha com atendimento ao público. Na opinião do trabalhador, analisar produtividade é essencial, mas é preciso que se dê oportunidade de realizar um trabalho digno. “De que adianta cobrar do servidor se não existem trabalhadores suficientes ou estrutura de trabalho. Ninguém é super herói para dar conta de toda a demanda que existe”, finaliza.
Por: Glenda Uchôa
Fonte: Portal O Dia