Correio Braziliense - 02/07/2018
Vencimento médio dos servidores subiu bem acima da inflação, mas menos do que o salário mínimo, desde 2000. Mulheres têm renda menor que os homens. Participação dos que têm nível superior passa de 34% do total para 41%
Em 2000, o salário médio nominal do funcionalismo era de R$ 1.870,82. Subiu 420,5% até 2018, para R$ 9.738,68. O percentual é acima do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado no período, de 210,3%, mas inferior ao registrado no salário mínimo, que era de R$ 151 e foi para R$ 954, alta de 531,7% no período.
Os dados são do Informe de Pessoal, da Fundação Escola Nacional de Administração Pública (Enap), com base no Painel Estatístico de Pessoal (PEP) do Ministério do Planejamento.
“Fizemos uma comparação do poder de compra do salário médio real de hoje, confrontando-o com o de 2000. No passado, os R$ 1,8 mil equivaleriam a R$ 5.659 atuais”, apontou Flávio Cireno Fernandes, coordenador de Ciência de Dados da Enap, responsável pela pesquisa.
A elevação da média salarial tem também a ver com mudanças estruturais. Parte das funções de níveis médio e fundamental foram gradualmente extintas no serviço público federal. Com isso, houve aumento acelerado na escolaridade da força de trabalho. O quantitativo de servidores com nível superior, ou mais, subiu cerca de 56%, de 2000 a 2018, de acordo com o Informe de Pessoal. No início dos anos 2000, 33,87% tinham ensino superior, agora são 40,62%. Com pós-graduação, eram 5,85%. Passaram para 9,79%. O pessoal com mestrado representava 5,07% e, 18 anos depois, 7,62%. O maior salto foi no doutorado: em 2000, havia 2,70% com esse grau de instrução. Agora, 16,82% são doutores.
Salário médio
O levantamento destaca que, quando se considera apenas os cargos de Direção e Assessoramento Superiores (DAS) de 4 a 6 (acima de R$ 9,9 mil) e as Funções Comissionadas do Poder Executivo (FCPE) 4 (R$ 5,9 mil), do total desses cargos, 18,17% estão na Presidência, 10,38% no Planejamento e 6,35%, na Fazenda. Saúde e Educação ficaram com as fatias de 6,27% e 6,11%, respectivamente. O estudo aponta, ainda, que a remuneração média real do servidor federal, em 18 anos, avançou significativamente, mas os reajustes nem se comparam aos que foram dados ao salário-mínimo, por exemplo.
É na Presidência da República que está grande parte dos cargos de DAS de 1 a 6, com valores entre R$ 2.585,13 e R$ 16.215,22, pagos a 1.877 pessoas que exercem função de confiança. No Ministério da Fazenda, são 991 profissionais na mesma condição. Logo em seguida, vêm os ministérios do Planejamento, com 949, o da Justiça (917) e de Desenvolvimento Social (887). Além dessas retribuições pelos cargos para pessoal de dentro e de fora do serviço público, os órgãos ainda contam com as FCPE (de 1 a 4, de R$ 1,551,09 a 5.955,97), exclusivas para servidores. O Desenvolvimento Social é o que tem mais (1.829). Já a Fazenda conta com 1.792, a Presidência da República, com 1.214, o Planejamento, com 1.173, e o Ministério da Saúde, com 825.
Para Oliomar Mendes de Souza, 58 anos, técnico de orçamento e planejamento há 39, além dos motivos apontados pela Enap, as sucessivas crises econômicas foram fundamentais para forçar a demanda por trabalhadores mais bem preparados. “Com os altos e baixos da economia desde os anos de 1990, que nos levou à situação de quase 14 milhões de desempregados, as pessoas se viram obrigadas a buscar especialização, o que é bom. Mas, com isso, o nível de dificuldade das provas aumentou. Mesmo nos concursos para nível médio, acabam entrando os de grau superior. A concorrência ficou desleal para quem não passou pela faculdade”, disse. Em breve, segundo ele, os menos escolarizados perderão espaço no serviço público.
“Em 2019, haverá uma enxurrada de aposentadorias do pessoal do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo (PGPE) que esperam apenas entrarem as gratificações. Eles sairão e não serão repostos”, lembrou Oliomar Souza. Ele se referiu ao acordo assinado pelo “carreirão” com o governo, em 2016, que prevê incorporação das gratificações ao vencimento básico até 2019, para evitar perda de cerca 50% da remuneração na aposentadoria.
Contrastes
O motorista Lázaro Celeste Souza, 71, concursado desde 1981, é um dos que recebem abono permanência aguardando o governo cumprir o prometido. Lázaro lamentou por sua profissão estar praticamente extinta na Esplanada. “Agora só tem terceirizados. Nessa idade, não quero ter perdas salariais. Vou esperar mais um pouquinho para sair com o que recebo na ativa”, contou.
O Informe de Pessoal da Enap, por outro lado, mostra que, nem sempre, o saber representa ganhos maiores relativos. De acordo com o estudo, o Ministério da Educação é o que tem mais servidores com ensino superior (20,93%) e pós-graduação (67,88%). Seguido de Meio Ambiente (53,12% e 36,55%, respectivamente), Ciência e Tecnologia (51,90% e 35,37%), Indústria e Comércio Exterior (54,95% e 35,27%) e Defesa (43,16% e 14,95%). No entanto, os melhores salários estão no Ministério da Transparência, com 18,53% de pessoas ganhando entre R$ 6 mil e R$ 12 mil, e 79,77% delas com ganhos mensais acima de 12 mil. Esse órgão tem 88% com nível superior e apenas 0,91%, com pós-graduação. Na Fazenda, igualmente, 15,87% ganham até R$ 12 mil e 63,62%, acima desse valor. Mas apenas 0,29% dos servidores têm pós e 80,35%, nível superior. O da Educação, campeão em escolaridade, tem apenas 35,95% e 26,39%, respectivamente, entre os mais bem pagos.
O levantamento ainda aponta que as mulheres continuam ganhando menos. Independentemente da escolaridade, elas têm maior presença nas faixas salariais menores, em comparação aos homens. “Contudo, com o aumento do nível de escolaridade, essa diferença diminui, saindo de 24,25% a menos na faixa salarial de até R$ 6 mil até o ensino fundamental, para 4,8% no nível de pós-graduação”, aponta o Informe. No ensino fundamental, 16,17% das mulheres ganham entre R$ 6 mil e R$ 12 mil, contra 29,69% dos homens. Com ensino médio, apenas 1,54% ganham acima de R$ 12 mil, enquanto 6,95% deles estão nessa faixa. Com escolaridade superior, são 28,11% das mulheres com mais de R$ 12 mil e 40,52% dos homens. Com pós-graduação, são 34,34% e 42,22%, respectivamente.
Cláudia Luz, 51, servidora do Ministério da Cultura, disse que “não é feminista e não concorda com todas as pesquisas que mostram essas diferenças”. “Não enxergo essa realidade. Tenho cargo de coordenação, minha chefe é mulher e tem muitas pessoas escolarizadas no ministério. Trabalho muito e tenho 32 anos de casa. O que acho é que, no geral, não há valorização do servidor público”, destacou.
Por Vera Batista