Marcelo da Fonseca
Estado de Minas - 30/11/2012
O serviço público federal virou um grande cabide para
pessoas que não passaram por seleção. Para conseguir o emprego, mais que o
mérito, vale ter um padrinho influente
O governo federal e o Congresso empregam hoje mais de 100
mil servidores que não passaram por seleção para o cargo que ocupam. Pelo menos
40 mil deles nem chegaram a prestar qualquer tipo de concurso para entrar no
serviço público. Os dados são do próprio Executivo, da Câmara e do Senado e
chamam mais atenção agora com o novo escândalo envolvendo funcionários de alta
patente do governo – todos eles alçados aos cargos por indicação
política.
É o caso dos irmãos Paulo Vieira e Rubens Vieira,
ex-diretores de agências reguladoras; José Weber de Holanda, segundo na
hierarquia da Advocacia-Geral da União (AGU); e Rosemary Noronha, ex-chefe de
gabinete da Presidência da República em São Paulo. Para cientistas políticos
ouvidos pelo Estado de Minas, a meritocracia, que deveria ser priorizada pelos
governantes para nomear ocupantes de cargos públicos, fica muitas vezes deixada
de lado para dar espaço às negociações e interesses partidários.
No Congresso, são 14.942 cargos ocupados por meio de
nomeações livres e que não exigem do funcionário qualquer tipo de graduação ou
qualidade técnica comprovada. Segundo os dados da Câmara, até o final de agosto
10.389 servidores trabalhavam na Casa por indicação dos deputados. Cada
parlamentar pode indicar até 25 nomes para atuar nos gabinetes como assessores
parlamentares, com vencimentos variando entre o salário mínimo e R$ 8
mil.
A Câmara ainda reserva 1.394 vagas comissionadas para
indicações feitas pelos ocupantes da Mesa Diretora e dos partidos políticos (o
número de vagas é proporcional ao tamanho da legendas), com salários entre R$
2,6 mil e R$ 14 mil. Já no Senado, 3.159 servidores atuam sem ter passado por
concursos. Cada senador pode empregar em seus gabinetes cinco assessores
técnicos, seis secretários e motorista.
O maior contingente de indicados aos cargos públicos, no
entanto, está espalhado pelos órgãos federais e ministérios. Existem hoje 87.245
funcionários comissionados de livre nomeação, grande parte deles com cadeiras
garantidas em estatais e órgãos gestores graças a acordos entre partidos e
ligações com pessoas influentes dentro das legendas. Desse total, 22.084 ocupam
cargos de direção e assessoramento superior, considerados de confiança. Os
demais, cerca de 65 mil funcionários, podem até ter passado em alguma seleção,
mas não para o cargo que ocupam.
BALCÃO “Infelizmente, no Brasil, a meritocracia não criou
raízes profundas no meio institucional. Isso, na prática, significa que o mérito
pessoal baseado na qualidade dos serviços prestados acaba ficando de lado e é
menos valorizado que as indicações políticas”, explica o analista político
Gaudêncio Torquato. Segundo ele, a relação entre ocupantes de cargos públicos e
políticos se tornou um verdadeiro ciclo de negócios comum tanto nas instâncias
federais quanto nas estaduais e municipais, o que explica muitos dos problemas
que se repetem nas administrações. “Com pessoas pouco preparadas tecnicamente
para exercer determinadas funções, entram em cena desvios e erros”, afirma
Torquato.
Para o analista, não existiriam soluções a curto prazo para
resolver os excessivos problemas ligados às pessoas indicadas aos cargos de
confiança, uma vez que o modelo de presidencialismo de coalizão fomenta as
práticas de negociação entre grupos políticos para chegar ou se manter no
poder.
“A primeira medida seria que os partidos passassem a
adotar um rigor maior no quadro de indicados. Depois, colocar em prática a
transparência total dos integrantes, sejam as agendas, reuniões e negociações
envolvendo servidores públicos em nível de chefia”, aponta Torquato. Ele
acrescenta que a redução das vagas por indicações também deve ser uma meta dos
governos, assim como o estímulo de controles mais rigorosos pelos órgãos
fiscalizadores.
O aumento das negociações envolvendo cargos de confiança é
apontado pelo cientista político Rudá Ricci como um dos principais problemas
enfrentados pela administração pública nos dias de hoje. Segunde ele, a prática
que se tornou mais comum a partir de 2002 com a chegada de Luiz Inácio Lula da
Silva ao poder e com a busca por uma ampla coalizão para governar, está cada vez
mais disseminada pelos municípios brasileiros.
“Desde que Lula assumiu, a composição governamental se
tornou prioridade e muitos partidos receberam cargos como forma de participar do
poder. Até mesmo grupos de oposição. E isso exige muita concessão política.
Nessas eleições tivemos vários casos em que as negociações começaram logo depois
dos resultados das urnas. Quem perde com isso somos nós eleitores”, lembra Rudá