Antonio Timóteo
Correio Braziliense - 20/10/2015
Suspeita é de que deliberação de instaurar novo regime especial de direção fiscal no convênio não tenha sido publicada no Diário Oficial por ingerência do governo. Intenção de transformar o órgão no plano de saúde de todos os servidores foi frustrada pelo STF
A diretoria colegiada da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) decidiu, por unanimidade, instaurar um regime especial de direção fiscal na Geap, a operadora de planos de saúde dos servidores públicos federais. Esse processo ocorre quando uma empresa tem problemas financeiros e a reguladora nomeia um diretor para executar os trabalhos de saneamento de um possível deficit. Entretanto, a deliberação, registrada na ata da 427ª reunião do colegiado, realizada em 18 de agosto de 2015, sequer foi publicada no Diário Oficial da União (DOU).
Na prática, após dois meses e dois dias, a decisão da reguladora não teve qualquer efeito. Isso porque o diretor-presidente da ANS, José Carlos de Souza Abrahão, precisa publicar a resolução operacional no DOU. A deliberação foi tomada, por unanimidade, pela diretoria colegiada. Suspeita-se que tenha havido interferência do governo para que a decisão não viesse a público.
Na ata disponível no site da reguladora, consta o nome do diretor fiscal escolhido para o trabalho na Geap: Jaime de Carvalho Leite. Essa será a segunda direção fiscal instaurada na Geap em menos de dois anos. Entretanto, a reguladora não esclareceu quando publicará a resolução. Em 18 de outubro de 2013, a reguladora autorizou o fim de um processo semelhante, iniciado em março daquele ano, para cobrir um rombo de quase R$ 300 milhões nos cofres da operadora.
O processo que levou a ANS a decidir pela instauração de novo processo de direção fiscal é o n° 33902.789287/2013-21. Antes de decretar intervenção na Geap, consta na ata da 423ª reunião do colegiado, de 24 de junho de 2015, que a reguladora deu um prazo de 30 dias para a operadora regularizar definitivamente "todas as anormalidades ainda existentes".
Segundo a ANS, Geap não cumpriu o programa de saneamento pactuado no último regime de direção fiscal. Entretanto, eles não detalharam se há rombo nas contas da operadora. A reguladora detalhou que a direção fiscal é instaurada para que o convênio recupere a condição de equilíbrio econômico-financeiro, por meio da constituição de garantias financeiras (provisões técnicas, ativos garantidores e recursos próprios mínimos). Eles ainda afirmaram que "penalidade" pelo não cumprimento do programa é nova instauração de regime especial de direção fiscal. O rito está descrito na Resolução Normativa nº 316, de 30 de novembro 2012.
Apesar da ANS não detalhar quais foram os problemas identificados na Geap, o balanço da operadora mostra que a empresa iniciou 2014 com R$ 21 milhões em caixa e terminou dezembro com apenas R$ 62 mil. A variação do fluxo de caixa foi negativa em mais de R$ 20 milhões. No ano passado, a entidade administrou um orçamento de R$ 2,7 bilhões.
Em 2015, a Geap sofreu um duro golpe após o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir tornar sem efeito o decreto que autoriza todos os órgãos da administração pública federal a celebrar convênios com a operadora. Deliberação semelhante foi tomada pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Na prática, somente servidores oriundos dos patrocinadores originais podem aderir ao plano de saúde e os dependentes daqueles que já são conveniados. (Veja matéria ao lado)
Procurada, a Geap afirmou que não está sob processo de direção fiscal e não foi notificada a respeito de qualquer decisão da ANS neste sentido. A operadora ainda detalhou que nos últimos dois anos passou por mudanças estruturais, administrativas e de gestão que repercutiram diretamente na recuperação do equilíbrio econômico-financeiro da operadora, na ampliação da rede credenciada e na melhoria dos indicadores de atenção à saúde dos beneficiários. Eles afirmaram que o balanço de 2014 foi avalizado sem ressalvas por uma auditoria externa e aprovado nos Conselhos de Administração e Fiscal da operadora.
Ingerência
O crescimento da Geap, sem se submeter a licitações públicas, foi orquestrado pelo então ministro da Casa Civil José Dirceu, no início de 2004. Ele instituiu um grupo de trabalho em 16 de janeiro daquele ano, para propor a separação das operações da Geap, que administrava também pecúlio de aposentados, e criar uma fundação para gerir exclusivamente os planos de saúde dos servidores federais do Executivo.
Em 4 de fevereiro, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou um decreto prevendo o monopólio da Geap na administração dos convênios médicos da categoria. Após ser bombardeado, modificou o decreto e incluiu a possibilidade de contratos com outras operadoras. Com isso, a Geap se limitou a angariar os chamados servidores que ganham menos, que estão na área meio e de atendimento ao público, como os agentes administrativos.
A elite do Executivo, como auditores, agentes e delegados da Polícia Federal e advogados públicos, preferem ter planos com outras operadoras. A Geap tem uma gestão compartilhada entre servidores e governo. Cada um indica três dos seis conselheiros deliberativos. O problema é que o Executivo tem o voto de minerva.
Politicagem
O processo de indicações políticas para ocupar as diretorias técnicas na Geap sempre existiu. Entre 2008 e 2012, o convênio ficou nas mãos do secretário Nacional Previdência do Ministério do Trabalho e Previdência Social, Carlos Eduardo Gabas, que é muito próximo da presidente Dilma Rousseff. Gabas ainda exercia influência sobre os presidentes do Conselho Deliberativo da Geap, que eram servidores do INSS ou da Dataprev e indicados por ele.
Adesões proibidas
Parcela significativa dos servidores federais se encontra em um dilema. Não consegue se filiar à Geap, principal operadora do plano de saúde do funcionalismo — com mensalidades entre R$ 102,25 e R$ 587,68 — nem aderir a planos particulares com desembolsos mensais mais altos. Por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), o convênio está proibido de aceitar novas adesões.
A polêmica em torno da Geap começou em 2013. O governo criou um superplano para servidores, por meio do Convênio Único entre a Geap Autogestão em Saúde e o Ministério do Planejamento (MPOG), sem licitação, dando ao Executivo o poder de administrar orçamento de R$ 2,4 bilhões (2014), sem prestar contas ao Tribunal de Contas da União (TCU).
Após uma guerra na Justiça, o STF concluiu que Geap deveria manter a estrutura original e atender os servidores de renda mais baixa, de quatro órgãos federais: Ministérios da Previdência e Saúde, INSS e Dataprev. O governo ainda tentou argumentar que a Geap não tem fins lucrativos e que o contrato tem especificidades que permitem dispensar licitação. Mas não houve jeito. O acordo firmado com a União, em 2013, está suspenso para entrada de novos titulares.
“O Convênio Único permitia que todos os órgãos da administração pública federal direta, autarquias e fundações firmassem convênios com a Geap para oferecer assistência à saúde dos servidores”, informou a Geap. De acordo com o Ministério do Planejamento, como as decisões não são conclusivas, as novas adesões estão suspensas, não estão canceladas. “Existe a opção de adesão a planos de saúde coletivos, por meio de associações ou sindicatos de classe. O servidor também pode aderir a um plano de saúde particular e solicitar ressarcimento parcial das mensalidades, no órgão de lotação”, informou.
Para o vice-presidente executivo da Associação Nacional dos Servidores da Previdência e da Seguridade Social (Anasps), Paulo César Regis de Souza, o problema da Geap é a má gestão e não falta de recursos. As despesas administrativas são muito altas: de 10,05%, em 2010; 11,08%, em 2011; 9,68%, em 2012, e 9,81%, em 2013, denunciou. De acordo com a Geap, o percentual está abaixo do observado no mercado, “em que o gasto administrativo representa em torno 15% das receitas”.
Para a advogada Maria Inês Dolci, coordenadora Institucional da Proteste, “governo, Geap e STF precisam rever a situação. Não é possível deixar idosos completamente descobertos”. Ela adverte que o número alto de pessoas desprotegidas, que precisa de acompanhamento, vai aumentar as despesas do Sistema Único de Saúde (SUS). Economia de um lado, prejuízo do outro.”