BRASÍLIA — O uso de ‘cobaias humanas’ e o combate a malária continuam a fazer vítimas no Acre. Manoel Vitorino da Silva é mais um caso. Ele morreu no dia 4 de novembro de 2007, vítima de hepatite, cirrose hepática, insuficiência renal e insuficiência respiratória. Um detalhe intrigante é que Silva nunca fumou nem ingeriu bebidas alcoólicas. Mesmo assim, consta no seu atestado de óbito, ao qual a Agência Amazônia teve acesso, que ele contraiu cirrose e hepatite, e veio a falecer em decorrência dessas doenças.
A história de Manoel Vitorino da Silva é idêntica à dos demais agentes de endemias em atividades em Cruzeiro do Sul, no Acre. Todos, sem exceção, expõem seus corpos nus para capturar do Anopheles, o mosquito transmissor da malária, e contraem a malária — alguns, até doze vezes seguidas; outros, um pouco menos. O drama de Silva não foi diferente.
Manoel Vitorino Silva ingressou na década de 80 na Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam), hoje Funasa. Sua função originária: motorista. Contudo, a partir de 1985, Silva é designado a desempenhar outra função. Passou a aplicar DDT (sigla de Dicloro-Difenil-Tricloroetano) e, posteriormente, a transportar o inseticida por vários dias em barcos pelo rio Juruá.
“Para que o veneno não fosse roubado, era (Silva) obrigado a dormir em cima das próprias sacas de veneno”, conta a viúva Darcy Teixeira da Silva, em um detalhado depoimento à Polícia Federal, em Cruzeiro do Sul. A Agência Amazônia teve acesso ao depoimento.
Anos mais tarde, o DDT não era o único veneno manuseado por Manoel Vitorino da Silva. Segundo a viúva, o seu marido “passou a trabalhar com outros tipos de veneno (...)’. Darcy não soube detalhar o nome deles. Apenas recorda-se que esses venenos, que não era apenas DDT, eram aplicados em açudes, residências e ruas de Cruzeiro do Sul.
Captura de anofelino
Silva fez o mesmo que seus colegas. Contratado na função de motorista, ele também sofreu desvio de função. Largou o transporte de veneno e, sem treinamento adequado, ingressou nas equipes de captura de anofelinos. Antes de morrer, Manoel Vitorino da Silva detalhou a esposa como se dava a captura: os servidores (iscas humanas) ficam com as calças suspensas acima do joelho; após o pouso, o mosquito era captura e acondicionado em vasilhas improvisadas pelos próprios agentes.
Os anos no Setor de Endemias foram cruciais para Silva. Ele contraiu duas malárias, hepatite e, no final da vida, cirrose hepática, conta a viúva Darcy Silva, revoltada. Mesmo doente, conta ela, o marido foi obrigado a trabalhar nos últimos dois anos. “Acometido dessas doenças, ele (Silva) trabalhou nos postos de saúde coletando amostras de sangue para exame de lâmina”, contou à PF.
Suspeita-se que ele possa ter sido contaminado durante o manuseio das lâminas. Em depoimentos à PF, outros agentes de endemias confirmaram que lâminas de coleta de sangue são reutilizadas várias vezes. Aas lâminas, conforme gravações obtidas pela Agência Amazônia, são lavadas apenas com sabão em pó e, posteriormente, reutilizadas na coleta de sangue de pessoas com suspeitas de malária. Se estiverem contaminados por outras moléstias — hepatite ou Aids, por exemplo — e o agente se cortar, a contaminação é certa.
Trabalho forçado
A situação dramática continua até seus dias finais. Contaminado por hepatite, e com os atestados médicos comprobatórios, Silva foi buscar amparo na chefia. Procurou Simone da Silva Daniel, a sua chefe imediata, na ilusão de que ela se sensibilizasse com seu sofrimento e lhe providenciasse um atividade laborial menos puxada. Sugeriu a Simone dar expediente no posto de saúde do bairro Cruzeirinho. Mas, infelizmente, seu pedido foi negado.
Silva foi afastado do trabalho por tempo indeterminado no dia 6 de setembro de 2007. Menos de um mês depois, no dia 4 de novembro, Manoel Vitorino da Silva morre em Porto Velho (RO), para onde fora levado, em conseqüência de falência múltiplas dos órgãos (neoplasia hepática, cirrose, hepatite, insuficiência renal e respiratória).
À PF a viúva Darcy disse ter consciência que as doenças foram causadas pelo uso contínuo do DDT e dos outros venenos, uma vez que o governo (Sucam e, posteriormente, o governo do Acre) não fornecia máscara e equipamentos aos agentes. Por fim, ela acha estranho o fato de o marido ter contraído cirrose, “já que ele (Silva) nunca fumou e bebeu bebida alcoólica”.
DDT causa câncer e morte de pássaros
O Dicloro-Difenil-Tricloroetano é conhecido popularmente conhecido por DDT e foi primeiro pesticida moderno largamente usado após a Segunda Guerra Mundial para o combate dos mosquitos causadores da malária e do tifo. É um inseticida barato e altamente eficiente.
Apesar de sua eficiência, a bióloga norte-americana Rachel Carson, denunciou em seu livro Primavera Silenciosa que o DDT causava doenças como o câncer e interferia com a vida animal causando, por exemplo, o aumento de mortalidade dos pássaros.
Por este e outros estudos o DDT foi banido na década de 1970 de vários países. O pesticida tem uma meia vida de vários dias em lagos e rios. Se acumula na cadeia alimentar — animais são contaminados por ele e depois são ingeridos por seus predadores que absorvem o poderoso veneno. Como os predadores se alimentam de várias presas, absorvem muito DDT.
Como resultado o DDT pode causar uma mortalidade maior para os predadores naturais de uma determinada praga do que para a própria praga. Isto pode causar um aumento descontrolado da população da praga devido à ausência de predadores.
O DDT pode estar presente em níveis aceitáveis em um lago, mas vai se acumulando ao longo de uma cadeia de predadores até chegar a um peixe de consumo humano que pode apresentar uma concentração de DDT muito tóxica. Na prática, o DDT se decompõe bem antes de se tornar concentrado, na cadeia alimentar.
Sobre a eficiência do DDT em combater mosquitos, não resta nenhuma dúvida dela. Graças ao DDT, a malária foi banida da Flórida, Itália, Espanha, etc. No Brasil, o DDT erradicou com a malária em estados como Ceará, Minas Gerais, Piauí, etc.
Em 1950, o então presidente Eurico Gaspar Dutra anunciou a erradicação da dengue no Brasil. Esta doença voltaria ao Brasil, no governo Sarney, justamente após o banimento do DDT no Brasil. O seu uso é controlado pela Convenção de Estocolmo sobre os Poluentes Orgânicos Persistentes.
A história de Manoel Vitorino da Silva é idêntica à dos demais agentes de endemias em atividades em Cruzeiro do Sul, no Acre. Todos, sem exceção, expõem seus corpos nus para capturar do Anopheles, o mosquito transmissor da malária, e contraem a malária — alguns, até doze vezes seguidas; outros, um pouco menos. O drama de Silva não foi diferente.
Manoel Vitorino Silva ingressou na década de 80 na Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam), hoje Funasa. Sua função originária: motorista. Contudo, a partir de 1985, Silva é designado a desempenhar outra função. Passou a aplicar DDT (sigla de Dicloro-Difenil-Tricloroetano) e, posteriormente, a transportar o inseticida por vários dias em barcos pelo rio Juruá.
“Para que o veneno não fosse roubado, era (Silva) obrigado a dormir em cima das próprias sacas de veneno”, conta a viúva Darcy Teixeira da Silva, em um detalhado depoimento à Polícia Federal, em Cruzeiro do Sul. A Agência Amazônia teve acesso ao depoimento.
Anos mais tarde, o DDT não era o único veneno manuseado por Manoel Vitorino da Silva. Segundo a viúva, o seu marido “passou a trabalhar com outros tipos de veneno (...)’. Darcy não soube detalhar o nome deles. Apenas recorda-se que esses venenos, que não era apenas DDT, eram aplicados em açudes, residências e ruas de Cruzeiro do Sul.
Captura de anofelino
Silva fez o mesmo que seus colegas. Contratado na função de motorista, ele também sofreu desvio de função. Largou o transporte de veneno e, sem treinamento adequado, ingressou nas equipes de captura de anofelinos. Antes de morrer, Manoel Vitorino da Silva detalhou a esposa como se dava a captura: os servidores (iscas humanas) ficam com as calças suspensas acima do joelho; após o pouso, o mosquito era captura e acondicionado em vasilhas improvisadas pelos próprios agentes.
Os anos no Setor de Endemias foram cruciais para Silva. Ele contraiu duas malárias, hepatite e, no final da vida, cirrose hepática, conta a viúva Darcy Silva, revoltada. Mesmo doente, conta ela, o marido foi obrigado a trabalhar nos últimos dois anos. “Acometido dessas doenças, ele (Silva) trabalhou nos postos de saúde coletando amostras de sangue para exame de lâmina”, contou à PF.
Suspeita-se que ele possa ter sido contaminado durante o manuseio das lâminas. Em depoimentos à PF, outros agentes de endemias confirmaram que lâminas de coleta de sangue são reutilizadas várias vezes. Aas lâminas, conforme gravações obtidas pela Agência Amazônia, são lavadas apenas com sabão em pó e, posteriormente, reutilizadas na coleta de sangue de pessoas com suspeitas de malária. Se estiverem contaminados por outras moléstias — hepatite ou Aids, por exemplo — e o agente se cortar, a contaminação é certa.
Trabalho forçado
A situação dramática continua até seus dias finais. Contaminado por hepatite, e com os atestados médicos comprobatórios, Silva foi buscar amparo na chefia. Procurou Simone da Silva Daniel, a sua chefe imediata, na ilusão de que ela se sensibilizasse com seu sofrimento e lhe providenciasse um atividade laborial menos puxada. Sugeriu a Simone dar expediente no posto de saúde do bairro Cruzeirinho. Mas, infelizmente, seu pedido foi negado.
Silva foi afastado do trabalho por tempo indeterminado no dia 6 de setembro de 2007. Menos de um mês depois, no dia 4 de novembro, Manoel Vitorino da Silva morre em Porto Velho (RO), para onde fora levado, em conseqüência de falência múltiplas dos órgãos (neoplasia hepática, cirrose, hepatite, insuficiência renal e respiratória).
À PF a viúva Darcy disse ter consciência que as doenças foram causadas pelo uso contínuo do DDT e dos outros venenos, uma vez que o governo (Sucam e, posteriormente, o governo do Acre) não fornecia máscara e equipamentos aos agentes. Por fim, ela acha estranho o fato de o marido ter contraído cirrose, “já que ele (Silva) nunca fumou e bebeu bebida alcoólica”.
DDT causa câncer e morte de pássaros
O Dicloro-Difenil-Tricloroetano é conhecido popularmente conhecido por DDT e foi primeiro pesticida moderno largamente usado após a Segunda Guerra Mundial para o combate dos mosquitos causadores da malária e do tifo. É um inseticida barato e altamente eficiente.
Apesar de sua eficiência, a bióloga norte-americana Rachel Carson, denunciou em seu livro Primavera Silenciosa que o DDT causava doenças como o câncer e interferia com a vida animal causando, por exemplo, o aumento de mortalidade dos pássaros.
Por este e outros estudos o DDT foi banido na década de 1970 de vários países. O pesticida tem uma meia vida de vários dias em lagos e rios. Se acumula na cadeia alimentar — animais são contaminados por ele e depois são ingeridos por seus predadores que absorvem o poderoso veneno. Como os predadores se alimentam de várias presas, absorvem muito DDT.
Como resultado o DDT pode causar uma mortalidade maior para os predadores naturais de uma determinada praga do que para a própria praga. Isto pode causar um aumento descontrolado da população da praga devido à ausência de predadores.
O DDT pode estar presente em níveis aceitáveis em um lago, mas vai se acumulando ao longo de uma cadeia de predadores até chegar a um peixe de consumo humano que pode apresentar uma concentração de DDT muito tóxica. Na prática, o DDT se decompõe bem antes de se tornar concentrado, na cadeia alimentar.
Sobre a eficiência do DDT em combater mosquitos, não resta nenhuma dúvida dela. Graças ao DDT, a malária foi banida da Flórida, Itália, Espanha, etc. No Brasil, o DDT erradicou com a malária em estados como Ceará, Minas Gerais, Piauí, etc.
Em 1950, o então presidente Eurico Gaspar Dutra anunciou a erradicação da dengue no Brasil. Esta doença voltaria ao Brasil, no governo Sarney, justamente após o banimento do DDT no Brasil. O seu uso é controlado pela Convenção de Estocolmo sobre os Poluentes Orgânicos Persistentes.
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