Rudi Cassel
Portal Nacional de Seguros - 29/03/2016
O funcionalismo público sempre foi apontado por muitos como uma opção de trabalho segura, já que os servidores têm direito a estabilidade no emprego, sendo demitidos, segundo o artigo 41 da Constituição Federal, apenas em casos de sentença judicial por processo administrativo ou por insuficiência de desempenho (cujas regras ainda aguardam regulamentação). O fato recente é que está para ser votado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Complementar (PLP) 257/2016, que propõe uma reforma fiscal que pode suspender a realização de concursos públicos, congelar salários e criar até um programa de demissão voluntária de servidores públicos. O pacote pressupõe ainda o alongamento da dívida pública dos estados com a União. O prazo era de meados de 2027 e foi adiado por mais 20 anos.
O serviço público engloba três tipos de contratação. Há os empregados públicos, que estão sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), tendo os mesmos direitos e deveres de um funcionário de uma empresa privada. Existem ainda os cargos comissionados, que são aqueles contratados sem concurso público. Por fim, os efetivos, que tem direito a estabilidade após três anos de trabalho. Antes disso, eles são considerados em estágio probatório, estando sujeitos à exoneração de ofício caso haja reprovação nesse período.
Contudo, desde a Lei Complementar 101/2000, a denominada Lei de Responsabilidade Fiscal, essa estabilidade pode ser ameaçada. Isso porque os governos federais, estaduais e municipais não podem gastar mais do que arrecadam, sendo obrigados a fazer os cortes e ajustes necessários para manter as contas equilibradas. O artigo 22 prevê que, se a despesa com pessoal exceder a 95% do limite - que é de 50% da arrecadação na União e 60% nos estados e municípios - fica vedada a concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração. Vedam-se ainda a criação de cargo, emprego ou função; a alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa; o provimento de cargo público, admissão ou contratação de pessoal a qualquer título, ressalvada a reposição decorrente de aposentadoria ou falecimento; e a contratação de hora extra, salvo no caso de situações previstas na lei de diretrizes orçamentárias.
Esse Plano de Auxílio aos Estados e Municípios, apresentado pelo governo federal no último dia 21 de março, prevê três etapas, sendo inicialmente a restrição à ampliação do quadro, o não reajuste de salários e corte de gastos discricionários, administrativos e de cargos comissionados. Caso essas medidas não sejam suficientes, será preciso partir para a segunda etapa, que pressupõe a proibição de aumentos nominais de salários, concessões de novos subsídios e desonerações, assim como mais cortes nos gastos já mencionados. Se ainda assim o desequilíbrio permanecer, a terceira etapa prevê a vedação de reajustes reais no salário mínimo, corte de 30% nos benefícios dos servidores (que são alimentação, saúde, transporte e auxílio creche), além de um programa de demissão voluntária ou licença temporária não remunerada.
Até o momento o governo não abordou a demissão de servidores, tomando medidas anteriores para conter a crise. Mas, sabe-se que se essas medidas não forem suficientes, corre-se o risco de invocação indevida da Lei de Responsabilidade Fiscal para justificar demissões “não voluntárias”. Nesse caso, o servidor deve ficar atento. Antes de falar em demissão de servidores efetivos, prefeituras, estados, Distrito Federal e União, deverão exonerar - pelo menos - 20% dos comissionados. E aqui cabe interpretar que, se 20% dos comissionados não forem suficientes, deve-se avançar para todos os comissionados e terceirizados, antes de se falar em cargo efetivo submetido ao devido concurso. É difícil imaginar um corte ampliado de comissionados e terceirizados que exija o avanço para a demissão de servidores efetivos não estáveis e, sucessivamente, estáveis.
Em suma, se aparentemente o servidor público efetivo pode sim vir a ser demitido em função de uma crise, deve-se observar atentamente se todas as outras medidas anteriores foram integralmente esgotadas e realmente não surtiram efeito. Os governos, tanto federal, quanto estaduais e municipais - onde normalmente concentram-se os maiores desequilíbrios orçamentários - precisam atentar-se para a adoção de medidas radicais em outros setores, sem apelar para gerar um vácuo no serviço público que suplicará preenchimento logo adiante. Lembremos que não foi a folha de pagamento dos servidores que causou a crise atual e certamente não será ela que irá resolver. Medidas que desestimulam os direitos sociais nunca são saudáveis. Ao servidor, cabe analisar cada passo do Projeto de Lei Complementar (PLP) 257/2016 e seus desdobramentos, evitando a culpa indevida pelo desequilíbrio das contas do Estado.
Rudi Cassel é advogado e sócio-fundador do escritório Cassel Ruzzarin Santos Rodrigues Advogados, especializado em direito do servidor público.