Intoxicação por DDT e Malation faz mais uma vítima no Pará (O Liberal 30/03/2011)
SAÚDE
Milton dos Santos foi envenenado durante o trabalho na década de 70
Faleceu no último dia 22, em Conceição do Araguaia, município do sul do Estado, Milton Araújo dos Santos, um dos cerca de 250 agentes de saúde beneficiados no Pará por decisões judiciais que obrigam a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) a custear o tratamento médico por intoxicação com DDT e Malation - pesticidas usados no combate aos mosquitos transmissores da febre amarela, malária e dengue - na Amazônia, a partir dos anos 70. Os trabalhadores que borrifavam esses produtos nas residências, sem equipamento de proteção, para salvar a vida de milhares de pessoas, hoje lutam para viver.
O Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Federal no Estado do Pará (Sintsep-PA) afirma que a Funasa não vem cumprindo regularmente o tratamento, sendo que, no caso de Milton, a tutela antecipada foi cassada, conforme informou o assessor da entidade, Francisco Lopes. O Sintsep-PA calcula que Milton foi a 37ª vítima da intoxicação somente naquele município, na última década.
O descaso com os intoxicados da Funasa foi recentemente denunciado à Comissão interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington, pelo presidente da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (Sddh), Marco Apolo Leão, que também é advogado do Sintsep-PA. Ele pediu providências contra o Estado Brasileiro pelo abandono desses trabalhadores, que adoeceram por conta do trabalho. A Funasa foi procurada pela reportagem, mas não se pronunciou sobre a acusação do sindicato.
O veneno afeta o sistema nervoso causando atrofia de membros, dores musculares e alteração no sistema neurológico, levando a mudanças de comportamento. Segundo Lopes, muitos dos intoxicados tornaram-se bipolares, um transtorno emocional que gera reações de euforia alternadas com depressão e, por isso, grande parte foi abandonada pela família. "Eles (intoxicados) não estão chegando aos 55 anos", denuncia.
Um dos que está com a saúde agravada é o servidor aposentado Rosenildo Antonio Leão Moura, que também reside em Conceição do Araguaia. Ele foi o primeiro a denunciar o caso dos trabalhadores intoxicados por pesticidas da Funasa, em 1996. "Apesar da tutela antecipada, a Funasa alega falta de recursos para prestar o tratamento na junta médica do órgão, que depende de deslocamento para a Funasa em Belém. Rosenildo deveria vir a Belém a cada 30 dias, mas ele não vem desde novembro. A Funasa disse que estava fazendo licitação para hospedagem. Os especialistas (médicos) foram dispensados, só mantiveram o clínico geral. Já denunciamos ao Ministério Público Federal, mas ainda não foi resolvido", afirma Lopes. Revoltado com a situação, o sindicalista ameaça velar o próximo corpo em frente à sede da Funasa, em Belém.
Além de Conceição do Araguaia, no Pará, também há grande incidência de intoxicados nos municípios de Marabá, Altamira, Santarém e Itaituba. Mas o levantamento exato do número de doentes, de beneficiados por decisões judiciais e de mortos pela intoxicação ainda é precário. Muitos movem ações em busca de indenização por danos morais e materiais e até aposentadoria por invalidez.
Morre mais um intoxicado por uso de inseticida DDT (Diário do Pará 30/03/2011)
Morreu na última terça-feira (22), mais um servidor da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) intoxicado pelos inseticidas usados no controle de epidemias na Amazônia na década de 80. Milton Araújo dos Santos, 75 anos, possuía tutela judicial para tratamento por intoxicação e morreu em Conceição do Araguaia. O caso é mais um na macabra lista de intoxicados, que já soma 37 óbitos. Houve mortes registradas por câncer de pulmão e de garganta, problemas cardíacos e respiratórios.
Familiares de Milton Araújo dos Santos vão buscar na Justiça os direitos em relação aos anos de “negligência” por parte da Funasa. A filha do servidor, Berenice dos Santos, contou ao DIÁRIO que há mais de dez anos Milton descobriu a infecção por Dicloro-difenil tricloroetano, o DDT - substância proibida no Brasil desde 2009 -, e pelo Malathion, usado no combate à malária. “Ele pagava o Capesaúde, que está entre os 10 melhores planos de saúde do país, mas que foi negligente também, dificultando até a realização de exames”, disse Berenice. Segundo ela, o pai estava sob cuidados de uma enfermeira sendo medicado em sua própria casa.
Berenice, ao lado da mãe Corina dos Santos, afirma que o pai nunca foi assistido pela Funasa quanto ao auxílio médico. Ele sempre trabalhou com a borrifação de DDT e se aposentou em 1993.
O assessor jurídico do Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Federal no Pará, Marco Apolo, esteve em Washington participando de audiência sobre Belo Monte na OEA (Organização dos Estados Ameriacanos). Na ocasião, fez denúncia sobre a situação do intoxicados na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, pedindo providências contra o Estado Brasileiro.
A saúde de outro servidor público federal aposentado, Rosenildo Antonio Leão Moura, intoxicado pelo DDT, também inspira cuidados. Ele continua passando por um quadro clínico delicado depois de internações por inúmeros agravos em sua saúde. Rosenildo possui tutela judicial para tratamento por intoxicação. Entretanto, esta não vem sendo cumprida regularmente pela Funasa, o que fez com que o seu estado tenha piorado.
SEM ASSISTÊNCIA
O Sintsep vem denunciando as dificuldades passadas pelos servidores expostos ao DDT no exercício de suas funções e a falta de assistência prestada pela Funasa.
Aproximadamente 600 trabalhadores foram intoxicados com inseticidas. Sem receber assistência governamental desde setembro de 2009, eles amargam gradativamente a debilitação física e psicológica. “Estamos desprovidos do direito de saúde, esquecidos aqui no interior”, critica o ex-agente de saúde Genival Rodrigues, contaminado com DDT e malathion há quase duas décadas. Em situação semelhante a dele, cerca de 60 pessoas já teriam falecido em decorrência da intoxicação.
Morador do município de Conceição do Araguaia, ele conta que os sintomas mais fortes são dores de cabeça, falta de apetite e irritabilidade. “No início não sabíamos o que era, mas vários colegas foram adoecendo com o mesmo quadro e, quando foi detectada grande concentração de DDT no sangue de um dos agentes, todos nós fizemos os exames”.
O resultado foi assustador. Dos 120 trabalhadores que se submeteram a análises laboratoriais, 82 saíram com a confirmação de intoxicação.
Genival ratifica ainda que os problemas não ficaram restritos ao físico e se estenderam inclusive aos âmbitos da vida social, já que o comportamento dos enfermos também foi afetado. “Até familiares não suportaram as mudanças de humor, as crises nervosas e muitas esposas se separaram, como a minha”. Com informações de Viviane Fialho, de Conceição do Araguaia, e Raimundo Sena.
O QUE DIZ A FUNASA
Questionada sobre a interrupção da assistência aos trabalhadores intoxicados, a Funasa admite que desde novembro problemas no orçamento da instituição impediram o cumprimento do acordo judicial. O chefe de recursos humanos da Fundação, José Augusto Maranhão, ratifica, entretanto, que já foram concluídas as licitações de empresas que prestarão o serviço de transporte aéreo, hospedagens e alimentação dos beneficiados. “Estamos agora em fase estruturação e no começo de abril retomaremos o atendimento”, afirma.
Sindicato quer indenizações da Funasa
Segundo o Sintsep, a primeira denúncia de problemas de saúde foi feita em 1996. A contaminação ocorria principalmente no manuseio inadequado dos produtos tóxicos. “Os agentes não usavam luvas, máscaras e alguns até chegavam a dividir os mesmos macacões. Sem contar o transporte do material em veículos inadequados, incluindo animais cargueiros”, conta o presidente do sindicato, Cedício Vasconcelos, que afirma que na época havia a crença que a substância só fazia mal aos mosquitos.
Verificando a situação da categoria, o sindicato entrou com ações na Justiça Federal exigindo uma resposta da Funasa sobre o assunto. Após analisar laudos de perícias técnicas e exames médicos, foi homologado que a fundação arcaria com as despesas de parte dos infectados. Porém, a decisão não tem sido cumprida. Desde setembro, a Funasa suspendeu a assistência aos trabalhadores, alegando falta de verbas.
“Queremos que a Funasa reconheça o acidente de trabalho, indenize os trabalhadores contaminados por danos morais e conceda o tratamento adequado a eles, que inclui deslocamento até Belém para consultas, exames e distribuição dos medicamentos”, expôs Cecídio. (Diário do Pará)