BSPF - 03/10/2019
As recentes ingerências políticas em órgãos públicos de excelência, com nomeações para cargos de comando ou mordaças, como Polícia Federal, Receita Federal, Cade e Coaf; a aprovação da lei de abuso de autoridade; a ampliação do uso do fundo partidário; e a obstrução da CPI da Lava Toga não são fatos isolados. São “fronts” de uma mesma guerra, muito mais ampla, que vem sendo travada dentro do Estado entre a meritocracia pública e a velha política. E, infelizmente, esta última vem ganhando terreno.
A velha política é composta por detentores de mandato eletivo e seus indicados a cargos públicos de comando. Boa parte deles ainda é eleita com base no velho voto de cabresto clientelista (e, portanto, depende de dinheiro para manutenção desses currais eleitorais), pois políticos eleitos pelo “voto de opinião” ainda são minoria. Por fim, o instituto do foro privilegiado completa a fórmula que garante à velha política o controle da máquina pública, uma vez que seus apaniguados colocados em cargos-chave no Judiciário e no Executivo tendem a blindar seus padrinhos.
Essas disfunções foram geradas ou ampliadas pela República de 1988, e desde então o único movimento significativo que ameaçou esse status quo partiu justamente de membros de instituições independentes e meritocráticas de Estado (policiais, auditores, gestores públicos, procuradores etc.), investidos em cargos por concurso público, baseado no mérito individual e acessível a qualquer cidadão.
Como chegaram a seus postos sem depender de conchavos políticos, possuem qualificação técnica e, principalmente, independência funcional necessária para gerar iniciativas de sucesso no combate à corrupção, à sonegação, aos cartéis; e nas ações de desburocratização da máquina pública, que reduzem custos para o cidadão e para o Estado, entre outras.
Foram membros da meritocracia pública, concursados e blindados pela estabilidade, que produziram uma fissura no mecanismo de perpetuação da velha política no poder, desmontando seus esquemas de caixa dois nas campanhas. Por isso o “sistema” está reagindo, seja ampliando o fundo eleitoral para substituir esse velho esquema recém-desmontado, seja obstruindo CPIs contra seus apaniguados, seja ameaçando com punição e mordaça o pessoal concursado de órgãos de controle e de gestão — além de ampliar as indicações políticas para cargos de comando em instituições onde a meritocracia ainda era referência de ascensão profissional.
Se o Judiciário se omitir diante das inconstitucionalidades da lei de abuso de autoridade e se nada for feito contra a captura das ilhas de excelência do Estado pela velha política, teremos inúmeros apagões de gestão pública pelo país. Não custa lembrar que a causa do apagão aéreo de 2007 foi justamente o aparelhamento da Anac, com pessoas alheias à meritocracia pública no comando da agência, ineptas para os cargos, e cujo único atributo era a ligação política com quem os indicou.
Será que agora teremos que conviver também com corruptos sendo soltos, sonegadores impunes, cartéis lesando o consumidor e todos lavando livremente o fruto de seus ilícitos? Quando reclamávamos somente de filas nos aeroportos éramos felizes e não sabíamos?
O país vive um momento de mudança, de esgotamento do modelo envelhecido de política, e o atual governo foi eleito representando esse sentimento, propondo gestão pública com meritocracia e combate ao aparelhamento político. Até agora, vemos isso acontecendo apenas na gestão das Forças Armadas, enquanto as instituições de excelência do serviço público civil correm o risco de continuidade de tudo aquilo que criticávamos nos governos anteriores. Certamente não era esse o desejo da sociedade que foi às ruas clamar por mudanças.
Com Informações: Alex Canuto - Presidente da ANESP
(Folha de S. Paulo)
Fonte: Fonacate
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