10 anos de impunidade em Paulínia
Em 2012, a luta pela condenação da Basf e da Shell pela contaminação de quase mil trabalhadores que atuavam na fabricação de agrotóxicos, na unidade de Paulínia, no interior de São Paulo, completará 10 anos. Responsabilizadas pela Justiça desde agosto de 2010 pelo crime de contaminação ambiental e humana na planta industrial, até hoje as duas multinacionais evitam, via recursos judiciais e medidas protelatórias, o cumprimento da sentença, que foi confirmada em abril do ano passado.
Shell e a Basf teriam de custear totalmente as despesas médicas, laboratoriais e hospitalares dos ex-funcionários e de seus parentes, além de terceirizados que prestaram serviços à fábrica. Também foram condenadas a pagar multa de R$ 622 milhões por danos à coletividade e R$ 64,5 mil de indenização a cada um dos cerca de 600 ex-trabalhadores e seus filhos. As empresas derrubaram a multa e recorrem do pagamento de despesas médicas no Tribunal Superior do Trabalho.
Em abril passado, viemos a esta Tribuna exigir o cumprimento da determinação da Justiça. Mais um ano se passou e nada foi feito. Enquanto prorrogam o pagamento das indenizações, os trabalhadores são obrigados a custear sozinhos seus caríssimos tratamentos. E mais trabalhadores contaminados morrem. Dois deles se foram neste mês. Ao todo, já são 61 vidas ceifadas. Até mesmo os moradores do entorno da fábrica foram atingidos; mulheres deram a luz a crianças com problemas de formação fetal. O estudo ambiental também comprovou a contaminação do solo e das águas subterrâneas por substâncias cancerígenas.
Em janeiro, em reunião realizada no Ministério Público do Trabalho em Campinas, Basf e Shell disseram que somente assumirão o custo das despesas médicas se os beneficiários da sentença judicial se submeterem a uma triagem por meio de exames pré-determinados por profissionais contratados pelas duas multinacionais. Segundo a Associação dos Trabalhadores Expostos a Substâncias Químicas (Atesq) e o Sindicato dos Químicos Unificados de Campinas, Osasco, Vinhedo e Região, essa decisão fere frontalmente a sentença judicial.
Em razão dos constantes protelamentos, o Ministério Público do Trabalho já havia determinado como prazo limite para o pagamento das indenizações o dia 07 de dezembro. Caso descumprissem o prazo, Basf e Shell seriam penalizadas com uma multa diária de R$ 100 mil cada. Em fevereiro, a Atesq e o Sindicato dos Químicos protocolaram uma petição para que as multinacionais cumpram a sentença. Os trabalhadores pedem que as contas bancárias das duas multinacionais sejam bloqueadas.
Isto é o mínimo que deve acontecer, senhor Presidente, diante da crueldade com que essas centenas de trabalhadores estão sendo tratadas e diante do impacto ambiental na região, resultado de agressões praticadas pelas empresas desde os anos 70, quando a Shell instalou a indústria química no bairro Recanto dos Pássaros, em Paulínia. Em 1992, já se debatia a contaminação ambiental produzida pela empresa no local. Por exigência da multinacional Cyanamid, que comprou ativos da Shell na época, a empresa contratou uma consultoria ambiental internacional que apurou a existência de contaminação do solo e dos lençóis freáticos da planta em Paulínia.
A Shell foi obrigada a fazer um termo de ajustamento de conduta com a Curadoria do Meio Ambiente de Paulínia. No documento, a empresa reconheceu a contaminação do solo e das águas subterrâneas por produtos denominados aldrin, endrin e dieldrin, compostos por substâncias altamente cancerígenas. Ainda foram levantadas contaminações por cromo, vanádio, zinco e óleo mineral em quantidades significativas. Mesmo nas áreas residenciais no entorno da empresa foram verificadas concentrações de metais pesados e pesticidas clorados (DDT e drins) no solo e em amostras de água subterrâneas. Constatou-se que os drins causam hepatotoxicidade e anomalias no sistema nervoso central. Após os resultados toxicológicos, a agência ambiental entendeu que a água das proximidades da indústria não poderia mais ser utilizada. A Shell foi obrigada a fornecer água potável para as populações vizinhas, que utilizavam poços artesianos contaminados.
Anos depois, a Cyanamid foi adquirida pela Basf, que assumiu as atividades no complexo industrial de Paulínia e manteve os trabalhadores sob riscos de contaminação até 2002, quando auditores fiscais do Ministério do Trabalho interditaram o local. Na época, a Basf também recorreu da decisão, inutilmente. Em 2005, o Ministério da Saúde concluiu a avaliação das informações sobre a exposição aos trabalhadores das empresas Shell, Cyanamid e Basf a compostos químicos em Paulínia. O relatório final indicou o risco adicional aos expostos ao desenvolvimento de diversos tipos de doença.
A realidade, senhoras e senhores Deputados, é que esta situação já dura três décadas, sem que os trabalhadores tenham tido qualquer tipo de reparação diante da brutal contaminação a que foram expostos. E sem que novas contaminações sejam evitadas. Recentemente, uma equipe do jornal O Globo esteve em Paulínia e constatou que, apesar da interdição do local desde 2002, não há avisos públicos de que a área ainda está contaminada. Segundo o MPT, o trânsito pelos mais de 400 mil metros quadrados, que incluem a área da fábrica e das chácaras vizinhas, só poderia ser feito com uso de equipamentos e roupas especiais. Mas os avisos colocados no início da interdição foram retirados. Seguranças contratados pela Shell disseram aos jornalistas que não receberam nenhuma orientação sobre os riscos de trabalhar em local com substâncias cancerígenas.
Ou seja, mais pessoas serão contaminadas! E, apesar das vitórias obtidas na Justiça, as manobras empregadas pelas empresas vem atrasando o atendimento de saúde dos trabalhadores, e muitos perderam sua vida no meio do caminho. É mais do que urgente, portanto, que essas famílias recebam as indenizações a que tem direito e os recursos necessários para custearem os tratamentos requeridos. Não é mais possível que empresas multinacionais, que auferem lucros bilionários, sigam negando sua responsabilidade e prorrogando o sofrimento de tantos trabalhadores.
Desta Tribuna, uma vez mais, manifestamos nossa total solidariedade aos trabalhadores e suas famílias e aos moradores de Paulínia, que hoje padecem da indiferença de empresas, que colocam sua sanha econômica acima de tudo. Seguiremos acompanhando de perto este caso e cobrando das autoridades uma resposta urgente a esta situação.
Muito obrigado.
Ivan Valente
Deputado Federal PSOL/SP
Em 2012, a luta pela condenação da Basf e da Shell pela contaminação de quase mil trabalhadores que atuavam na fabricação de agrotóxicos, na unidade de Paulínia, no interior de São Paulo, completará 10 anos. Responsabilizadas pela Justiça desde agosto de 2010 pelo crime de contaminação ambiental e humana na planta industrial, até hoje as duas multinacionais evitam, via recursos judiciais e medidas protelatórias, o cumprimento da sentença, que foi confirmada em abril do ano passado.
Shell e a Basf teriam de custear totalmente as despesas médicas, laboratoriais e hospitalares dos ex-funcionários e de seus parentes, além de terceirizados que prestaram serviços à fábrica. Também foram condenadas a pagar multa de R$ 622 milhões por danos à coletividade e R$ 64,5 mil de indenização a cada um dos cerca de 600 ex-trabalhadores e seus filhos. As empresas derrubaram a multa e recorrem do pagamento de despesas médicas no Tribunal Superior do Trabalho.
Em abril passado, viemos a esta Tribuna exigir o cumprimento da determinação da Justiça. Mais um ano se passou e nada foi feito. Enquanto prorrogam o pagamento das indenizações, os trabalhadores são obrigados a custear sozinhos seus caríssimos tratamentos. E mais trabalhadores contaminados morrem. Dois deles se foram neste mês. Ao todo, já são 61 vidas ceifadas. Até mesmo os moradores do entorno da fábrica foram atingidos; mulheres deram a luz a crianças com problemas de formação fetal. O estudo ambiental também comprovou a contaminação do solo e das águas subterrâneas por substâncias cancerígenas.
Em janeiro, em reunião realizada no Ministério Público do Trabalho em Campinas, Basf e Shell disseram que somente assumirão o custo das despesas médicas se os beneficiários da sentença judicial se submeterem a uma triagem por meio de exames pré-determinados por profissionais contratados pelas duas multinacionais. Segundo a Associação dos Trabalhadores Expostos a Substâncias Químicas (Atesq) e o Sindicato dos Químicos Unificados de Campinas, Osasco, Vinhedo e Região, essa decisão fere frontalmente a sentença judicial.
Em razão dos constantes protelamentos, o Ministério Público do Trabalho já havia determinado como prazo limite para o pagamento das indenizações o dia 07 de dezembro. Caso descumprissem o prazo, Basf e Shell seriam penalizadas com uma multa diária de R$ 100 mil cada. Em fevereiro, a Atesq e o Sindicato dos Químicos protocolaram uma petição para que as multinacionais cumpram a sentença. Os trabalhadores pedem que as contas bancárias das duas multinacionais sejam bloqueadas.
Isto é o mínimo que deve acontecer, senhor Presidente, diante da crueldade com que essas centenas de trabalhadores estão sendo tratadas e diante do impacto ambiental na região, resultado de agressões praticadas pelas empresas desde os anos 70, quando a Shell instalou a indústria química no bairro Recanto dos Pássaros, em Paulínia. Em 1992, já se debatia a contaminação ambiental produzida pela empresa no local. Por exigência da multinacional Cyanamid, que comprou ativos da Shell na época, a empresa contratou uma consultoria ambiental internacional que apurou a existência de contaminação do solo e dos lençóis freáticos da planta em Paulínia.
A Shell foi obrigada a fazer um termo de ajustamento de conduta com a Curadoria do Meio Ambiente de Paulínia. No documento, a empresa reconheceu a contaminação do solo e das águas subterrâneas por produtos denominados aldrin, endrin e dieldrin, compostos por substâncias altamente cancerígenas. Ainda foram levantadas contaminações por cromo, vanádio, zinco e óleo mineral em quantidades significativas. Mesmo nas áreas residenciais no entorno da empresa foram verificadas concentrações de metais pesados e pesticidas clorados (DDT e drins) no solo e em amostras de água subterrâneas. Constatou-se que os drins causam hepatotoxicidade e anomalias no sistema nervoso central. Após os resultados toxicológicos, a agência ambiental entendeu que a água das proximidades da indústria não poderia mais ser utilizada. A Shell foi obrigada a fornecer água potável para as populações vizinhas, que utilizavam poços artesianos contaminados.
Anos depois, a Cyanamid foi adquirida pela Basf, que assumiu as atividades no complexo industrial de Paulínia e manteve os trabalhadores sob riscos de contaminação até 2002, quando auditores fiscais do Ministério do Trabalho interditaram o local. Na época, a Basf também recorreu da decisão, inutilmente. Em 2005, o Ministério da Saúde concluiu a avaliação das informações sobre a exposição aos trabalhadores das empresas Shell, Cyanamid e Basf a compostos químicos em Paulínia. O relatório final indicou o risco adicional aos expostos ao desenvolvimento de diversos tipos de doença.
A realidade, senhoras e senhores Deputados, é que esta situação já dura três décadas, sem que os trabalhadores tenham tido qualquer tipo de reparação diante da brutal contaminação a que foram expostos. E sem que novas contaminações sejam evitadas. Recentemente, uma equipe do jornal O Globo esteve em Paulínia e constatou que, apesar da interdição do local desde 2002, não há avisos públicos de que a área ainda está contaminada. Segundo o MPT, o trânsito pelos mais de 400 mil metros quadrados, que incluem a área da fábrica e das chácaras vizinhas, só poderia ser feito com uso de equipamentos e roupas especiais. Mas os avisos colocados no início da interdição foram retirados. Seguranças contratados pela Shell disseram aos jornalistas que não receberam nenhuma orientação sobre os riscos de trabalhar em local com substâncias cancerígenas.
Ou seja, mais pessoas serão contaminadas! E, apesar das vitórias obtidas na Justiça, as manobras empregadas pelas empresas vem atrasando o atendimento de saúde dos trabalhadores, e muitos perderam sua vida no meio do caminho. É mais do que urgente, portanto, que essas famílias recebam as indenizações a que tem direito e os recursos necessários para custearem os tratamentos requeridos. Não é mais possível que empresas multinacionais, que auferem lucros bilionários, sigam negando sua responsabilidade e prorrogando o sofrimento de tantos trabalhadores.
Desta Tribuna, uma vez mais, manifestamos nossa total solidariedade aos trabalhadores e suas famílias e aos moradores de Paulínia, que hoje padecem da indiferença de empresas, que colocam sua sanha econômica acima de tudo. Seguiremos acompanhando de perto este caso e cobrando das autoridades uma resposta urgente a esta situação.
Muito obrigado.
Ivan Valente
Deputado Federal PSOL/SP
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