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quinta-feira, 17 de abril de 2014

POLÍTICA E POLÍTICAS

PORTAL DO SERVIDOR PÚBLICO DO BRASIL
POLÍTICA E POLÍTICAS PÚBLICAS NA TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA

Elisa Pereira Reis


"A política é como a perfuração lenta de tábuas duras. Exige tanto paixão como perspectiva. Certamente, toda experiência histórica confirma a verdade ─ que o homem não teria alcançado o possível se repetidas vezes não tivesse tentado o impossível. Mas, para isso, o homem deve ser um líder, e não apenas um líder, mas também um herói, num sentido muito sóbrio da palavra. E mesmo os que não são líderes nem heróis devem armar-se com a fortaleza de coração que pode enfrentar até mesmo o desmoronar de todas as esperanças, ou os homens não poderão alcançar nem mesmo aquilo que é possível hoje. Somente quem tem a vocação da política terá certeza de não desmoronar quando o mundo, do seu ponto de vista, for demasiado estúpido ou demasiado mesquinho para o que ele lhe deseja oferecer. Somente quem, frente a tudo isso, pode dizer "Apesar de tudo!" tem a vocação para a política." (Weber, p. 153).

Entendo por "Política" (com "p" maiúsculo) no contexto deste trabalho, a ordenação institucional, segundo recursos de autoridade, dos interesses sociais em disputa, independentemente das fórmulas de competição particulares adotadas e quaisquer que sejam os fundamentos materiais e ideais dos interesses concretos envolvidos. Por outro lado, quando me refiro à "políticas públicas" (ou simplesmente "políticas"), tenho em mente as traduções técnico-racionais de soluções específicas do referido jogo de interesses da Política.
É trivial o reconhecimento de que as relações entre os dois conceitos acima referidos constituem questão-chave na definição do caráter dos sistemas políticos modernos que não podem prescindir de tradução racional-legal para as alocações de poder efetivamente logradas.
Seguindo a inspiração weberiana, a discussão empreendida nas páginas que se seguem explora a referida relação entre a Política e as políticas públicas a partir da consideração de dois atores típicos: burocratas ou administradores por um lado, e políticos ou líderes representativos por outro. Claro está que a distinção entre esses dois tipos é meramente analítica. De fato, se já para Weber a distinção entre burocratas e políticos só valia enquanto delimitadora de tipos ideais, com mais razão isso se aplica ao mundo de hoje onde a confluência de papéis burocráticos e políticos se torna tão acentuada a ponto de sugerir a alguns a conveniência de raciocinar em termos de um novo tipo "híbrido", derivado precisamente da fusão de características dos dois tipos, como terei a oportunidade de comentar mais à frente (Aberbach,1981).
Como quer que seja, parece-me ainda pertinente lidar com a polaridade típica administração versus política para discutir o desafio democratizante no Brasil de hoje. Isto é, acredito que pensar a convivência entre integrantes do aparato administrativo de estado e representantes políticos, como um dos cenários estratégicos do jogo da democratização em processo, pode nos ajudar a elucidar alguns aspectos que aparecem às vezes como opacos ou contraditórios no dia-a-dia da política brasileira.
De fato, esse trabalho discute dois tipos de questões: a) problemas com que hoje se defronta o Brasil no esforço de consolidar uma ordem política democrática, problemas esses que em alguma medida compartilhamos com algumas outras nações do terceiro mundo; e b) dilemas universais que se colocam para a democracia no que diz respeito à relação entre política e burocracia.
Na primeira parte do texto procedo a uma discussão de caráter mais geral; através de uma revisão da literatura teórica pertinente trato de estabelecer um quadro de referência para uma reflexão sobre a experiência política recente do Brasil. A sessão seguinte ilustra brevemente o exercício reflexivo sugerido ao comentar en passant alguns aspectos dessa experiência. Finalmente, a título de conclusão teço alguns comentários sobre a pertinência da crítica contemporânea à burocratização do welfare state para sociedades como a brasileira que sequer lograram até agora consolidar políticas públicas visando assegurar direitos sociais mínimos.

I
Em que sentido o velho tema das relações entre política e administração pode nos ajudar a compreender os problemas mais candentes com que se defronta a ordem política brasileira do presente? O contraste entre o político e o burocrata, que Weber traçou com tintas tão fortes em A Política Como Vocação, terá preservado algo de seu valor heurístico apesar do progresso avassalador da racionalização? Não seria esse próprio processo responsável por uma crescente homogeneização dos dois tipos em questão?
Nos termos estereotipados do tipo ideal afirmava então Weber: "Segundo sua vocação, o funcionário autêntico ... não se dedicará à política. Deve dedicar-se, de preferência, à "administração" imparcial... Sine ira et studio, "sem ressentimento nem preconceito", ele administrará seu cargo. Daí não fazer precisamente o que o político, o líder bem como seu séquito, tem sempre e necessariamente de fazer, ou seja, lutar" (Weber, p. 116). E contrastava logo a seguir: "Tomar uma posição, ser apaixonado ─ ira et studium ─ é o elemento do político e, acima de tudo, o elemento do líder político. Sua conduta está sujeita a um princípio de responsabilidade muito diferente e, na verdade, exatamente contrário ao princípio do servidor público. A honra deste está em sua capacidade de executar conscienciosamente a ordem das autoridades superiores, exatamente como se a ordem concordasse com sua convicção pessoal. Isso é válido até mesmo se a ordem lhe parece errada e se, apesar dos protestos do servidor civil, a autoridade insiste nela. Sem essa disciplina moral e essa omissão voluntária, no sentido mais elevado, todo o aparato cairia aos pedaços. A honra do líder político, do estadista importante, porém, está precisamente numa responsabilidade pessoal exclusiva pelo que ele faz, uma responsabilidade que ele não pode e não deve rejeitar ou transferir" (Weber, p. 116-117).
De fato, transparece com clareza na obra de Weber o reconhecimento de uma tensão constitutiva entre administração e liberdade de onde podemos derivar a mescla de resignação e heroísmo que informa sua postura ética. A burocracia racional-legal constituiria para ele a forma superior de administração, garantindo a nacionalidade contra a arbitrariedade e a tirania. Por outro lado, essa própria superioridade técnica da burocracia colocaria em perigo a liberdade, na medida em que poderia sancionar novas arbitrariedades, essas agora anônimas, "sem face", na imagem que ele nos sugere.
Muito se tem comentado o papel "libertário" que Weber atribuía à liderança política responsável no sentido de conter a tirania mesquinha das estruturas burocráticas. Pouco se tem atentado, todavia, para o fato de que a argumentação daquele autor leva-o necessariamente a pensar a interação entre burocracia e política como um equilíbrio precário sob permanente ameaça de perturbação em uma ou outra direção, mas sempre em prejuízo da democracia.
Que a longa digressão acima conserva muito de sua atualidade, mesmo se substancialmente redefinida, nos é sugerido por exemplo, pela argumentação convincente de Etzioni-Halevy. Comentando a relação ambígua e contraditória que se estabelece entre a democracia e a burocracia, ela aponta como cada um desses fenômenos constitui simultaneamente uma ameaça e uma salvaguarda para a continuidade do outro (Etzioni-Halevy, 1983).
Nos termos daquela autora, uma burocracia poderosa e independente, se bem coloque em risco uma ordem democrática, é condição sine qua non ao funcionamento adequado da democracia. Ameaça, na medida em que o poder burocrático pode vir a pairar acima daquele derivado da eleição pelo voto. Mas, por outro lado, essa autonomia frente aos políticos eleitos é crucial à preservação da democracia porque é ela que previne os riscos do oportunismo partidário e da manipulação eleitoral.
Em trabalho mais recente Etzioni-Halevy retoma o argumento referente ao caráter dilemático-insolúvel das relações entre democracia e burocracia, observando: "Assim, há uma relação complexa, problemática, mas simbiótica entre burocracia e democracia, daí resultando implicações significativas para o relacionamento entre duas poderosas elites: políticos e burocratas. Sugiro que a ambigüidade das regras democráticas com relação à burocracia e a ambigüidade das normas que dizem respeito à burocracia nos países democráticos acarreta não apenas conflitos de papéis para ambos, burocratas e políticos, mas é também fonte efetiva de tensões e disputas dentre e entre eles" (Etzioni-Halevy, 1985, p. 3). Através de ilustrações empíricas ela desenvolve seu argumento de que precisamente essa tensão constante, esse conflito latente entre burocratas e políticos, é crucial para a preservação do frágil equilíbrio democrático.
Que burocratas e políticos seguem imprimindo suas marcas respectivas na condução das políticas públicas no contexto das democracias maduras, mostra-o de forma bastante eloqüente o amplo estudo que comparou precisamente a performance desses dois atores típicos nos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Itália, Suécia, Holanda e França (Aberbach et alli, 1981). Concluem os autores desse estudo que apesar da clara tendência à fusão de papéis num tipo "híbrido", continuam relevantes as especificidades que administradores e políticos aportam à condução das políticas públicas.
Na perspectiva dos autores do referido estudo comparativo, é possível delinear quatro perfis típicos ─ ou "imagens" na expressão deles ─ para retratar a interação de políticos e burocratas nas atividades de policymaking: um primeiro perfil, bastante próximo à estereotipação weberiana, contraporia decisão e implementação de políticas; caberia aos políticos "fazer" as políticas públicas, enquanto ao servidor público competiria administrá-las (Aberbach, 1981, cap. 1).
Representação um pouco menos rígida da convivência dos dois tipos é a que vê burocratas e políticos como ativos na condução das políticas públicas, mas aportando às mesmas recursos diferentes: a contribuição dos políticos seria expressão predominante de interesses e, nesse sentido, preferências ou valores seriam seu principal elemento. Por sua vez, a participação burocrática na elaboração de políticas seria fundada no conhecimento especializado, suprindo com "fatos" as postulações interessadas dos políticos.
O terceiro perfil descreve um cenário onde ambos atores típicos fazem do jogo de interesses seu leit motiv; entretanto, enquanto o representante político articularia interesses amplos e difusos, caberia ao funcionário administrativo mediar interesses específicos e definidos de clientelas organizadas.
Por último, esboça-se como tendência uma imagem que fundiria completamente traços burocráticos e políticos no que os autores do estudo em questão chamam de "híbrido puro". Essa imagem, que é por eles traçada de forma puramente descritiva, lembra em alguma medida o perfil soturno do estado contemporâneo na visão de seus críticos mais pessimistas.
Como quer que seja, os quatro perfis em questão são vistos como tipos logicamente coexistentes e empiricamente correspondentes a níveis diferentes do sistema político Assim, a sugestão dos autores é a de que os dois primeiros tipos corresponderiam aos níveis mais baixos da hierarquia governamental, enquanto os dois últimos seriam mais típicos das altas esferas de poder e administração. Observam também que historicamente é possível identificar um relativo predomínio, de cada um desses tipos nessa ordem de sucessão.
Em que sentido a consideração dessas possibilidades de interação entre política e burocracia pode ser útil aos propósitos de nossa discussão? Inicialmente, interessam-me particularmente algumas considerações sugeridas pelos autores do referido estudo com relação às duas últimas imagens que são aquelas mais pertinentes ao universo das elaborações de políticas públicas. Importa nesse sentido lembrar, por exemplo, que o reconhecimento de que políticos e burocratas são ambos ativos articuladores de interesses não significa negar que sua contribuição na definição das políticas públicas persista sendo diferencial, nem que essa diferenciação siga sendo relevante.
Conforme salientam Aberbach et alii, se é verdade que a burocracia pode, tanto quanto a liderança política, agregar interesses, também é verdade que o processo administrativo de agregação de interesses apresenta sérias limitações: em primeiro lugar, tal agregação discrimina contra interesses não organizados. Em segundo, ela tende a se limitar ao âmbito de setores funcionais particulares, provendo uma mediação segmental de interesses, mas incapaz de articular interesses intersetoriais. Finalmente, a participação administrativa no processo de policy making revela um inevitável conservadorismo; não porque qualquer compromisso de natureza ideológica privilegie a manutenção do status quo, mas simplesmente porque a agregação de interesses lograda cristaliza a correlação de forças existente.
A atuação dos políticos supre em certo sentido as limitações inerentes à administração já que o balizamento de suas ações é dado por critérios que permitem um relativo relaxamento dos constrangimentos impostos por um dado equilíbrio de forças políticas. Em síntese, depreende-se da argumentação desenvolvida que a tipificação de papéis, na cúpula dos sistemas políticos, persiste relevante para se entender o processo de policy making, apesar da crescente convergência entre os tipos.
Nesse sentido, idealmente, burocratas asseguram estabilidade e políticos garantem inovação, criatividade à formulação de políticas públicas. Conjunturas particulares podem eventualmente tornar uns ou outros mais proeminentes, mas a diversidade de estilos é persistente e vantajosa.
Mais ainda, dificilmente políticos e burocratas chegam a se confrontar nas atividades de políticas. Muito mais freqüentes são os conflitos e alianças que cortam as fronteiras de seus respectivos territórios. De qualquer forma, estas observações reforçam a idéia de que, de fato, o tipo ideal do "puro híbrido" constitui apenas uma tendência à convergência de papéis, tendência essa cujas implicações de longo prazo os autores não exploram. Será necessário movermo-nos para outros espaços teóricos se quisermos avançar nessa direção.
De imediato, lembro duas possibilidades de se examinar criticamente as possíveis implicações da confluência de papéis burocráticos e políticos para a democracia: uma primeira delas diz respeito mais de perto à especificidade dos problemas que confrontam as sociedades que, emergindo de experiências autoritárias modernizantes, buscam consolidar fórmulas democráticas de governo. Tenho em mente aqui o conjunto de reflexões teóricas desenvolvidas nos anos 70 e 80 sobre as ditaduras modernizadoras do terceiro mundo, em particular aquelas que chamaram a atenção para o caráter burocrático do autoritarismo mais recente na América Latina (O'Donnell, 1973).
Lembro em seguida o pensamento crítico contemporâneo, que refletindo seja sobre as perspectivas do welfare state, seja sobre as atribuições do Estado no capitalismo tardio, problematiza tanto a burocratização do poder político, como a politização do processo produtivo (Habermas, 1975; Offe, 1981; Keane, 1984). Na referida perspectiva crítica, tais tendências corresponderiam em ampla medida às dimensões de um mesmo processo. De um lado, como tem sido há muito observado, há uma crescente despolitização da vida social subordinada mais e mais às ordenações burocráticas. Aí residiria precisamente a ameaça latente de neo-patrimonialismo burocrático que alguns creditam ao welfare state (Offe, 1987). Inibindo iniciativas sociais, o estado de bem estar terminaria por despolitizar a esfera pública que se confundiria com o universo das práticas administrativas governamentais.
Por outro lado, essa mesma burocratização expressa a também crescente subordinação de ações e decisões de mercado ao crivo ordenador dos recursos de poder monopolizados pelo Estado. Nesse sentido, é possível entender a própria "despolitização" inerente à burocratização da vida social acima mencionada como expressão da tendência contemporânea à repolitização do processo produtivo. "Vistas em conjunto, as funções supletivas e compensatórias do estado capitalista tardio são expressões do papel qualitativamente diferente que o poder político passa a assumir em relação à esfera da produção mercantilizada e da troca" (Keane, 1984, pp. 86-87).
Para finalizar essas digressões teóricas, lembro aqui as afirmações sempre argutas de Wolln que, embora de uma perspectiva teórica diferente, apontam igualmente em uma direção crítica: "... with the discrediting of the political order and the retreat to society which itself manifests growing symptoms of bureaucratization, the political has reemerged, but disguised in the trappings of organizational life. What has been denied to the political order has been assimilated to the organizational order" (Wolln, 1961).

II
Naturalmente são inúmeros os ângulos de discussão possível de um tema tão vasto complexo como seja o do projeto brasileiro de democratização nas suas inter-relações com a elaboração e implementação de políticas públicas. No presente contexto interessa porém tão somente ilustrar possíveis explorações da argumentação desenvolvida no tópico anterior.
Parece-me particularmente atraente seguir essa sugestão se levarmos em conta que a ordem autoritária que se trata de suplantar pretendeu legitimar-se através de fórmulas técnico-burocráticas que supostamente instaurariam a administração racional dos interesses sociais gerais. Expurgada a “politicagem” alegava-se, estariam naturalmente superados os interesses particulares e divisivos.
Retórica à parte, as fórmulas políticas tecnocráticas tiveram conseqüências decisivas a nível das práticas e instituições, além de deixarem também marcas decisivas sobre as crenças, valores e atitudes referentes à esfera pública. Em outras palavras, o fato de termos vivido até recentemente sob a lógica do "autoritarismo burocrático" tem implicações relevantes para a convivência entre administração e política no Brasil de hoje.
Nesse sentido, normas de convivência típicas do regime autoritário e expectativas de comportamento então legitimadas deixam marcas que não podem ser ignoradas, sob pena de negligenciarmos dimensões importantes da realidade política que afetam em maior ou menor grau as chances de democratização. Em outras palavras, nunca é demais repetir, as sobrevivências autoritárias não se resumem a fórmulas jurídico-legais, mas compreendem também dimensões mais sutis. Assim, vale lembrar, por exemplo, que privilegiar seja a eficiência tecno-burocrática, seja a responsabilidade social do político representativo corresponde à defesa da cara ou coroa de uma mesma matriz ideológica que é a que postula essa pretensa disjuntiva.
Nos termos acima sugeridos, revela-se igualmente problemático contrapor eficácia versus participação ou outras dicotomias similares com freqüência invocadas pelos cientistas políticos para descrever (às vezes mesmo justificar) opções políticas concretas. De fato, pelo menos duas objeções sérias podem ser invocadas para sugerir o caráter discutível das polaridades em questão: em primeiro lugar, conforme salientado na primeira parte desse texto, é a tensão persistente entre termos dicotômicos, antes que o privilegiamento de um deles, que guarda afinidade com regras democráticas de ordenamento político.
Nesse contexto, é necessário lembrar, racionalidade burocrática não necessariamente implica em eficácia, nem é automática a relação entre representação política e responsabilidade social (Meyer, 1987). É na medida em que esses elementos burocráticos e representativos interagem concretamente que suas ações e reações podem vir efetivamente a lograr o precário balanço postulado pelos arranjos político-democráticos.
Em segundo lugar, observe-se que, concretamente, com freqüência as fronteiras entre o "burocrático" e o "Político" estão submetidas a considerações puramente contingenciais. Isso acontece seja porque são claras as tendências às convergências entre atividades políticas e burocráticas, seja porque conveniências políticas conjunturais sugerem alianças e coalizões que cruzam linhas demarcatórias entre administração e poder político.
Recapitulando brevemente a experiência brasileira pertinente à nossa discussão, lembremos que sob o regime militar procedeu-se a um esforço de identificar a "boa" política com uma implementação técnica e neutra de políticas racionalmente consideradas as mais adequadas à realização dos interesses da sociedade como um todo. A ideologia do "interesse nacional", do "Brasil grande", se sobrepunha agressivamente ao "partidarismo", aos interesses sociais específicos que pudessem colocar em xeque o projeto nacional.
Claro está que esse tipo de justificativa em questão foi sempre ambíguo, convivendo desde sempre com a "entronização" de eleições e práticas parlamentares mais ou menos efetivas. De qualquer forma, pairava sempre no ar a noção ideológica de que decisões tecno-burocráticas eficientes constituíam recurso mais justo e eficaz para se realizar metas sociais que quaisquer fórmulas políticas orientadas para a realização de interesses específicos, como se efetivamente fosse possível tratar como "estratégias alternativas" essas dimensões analíticas.
O mesmo tipo de raciocínio acima assinalado pode ser identificado entre aqueles que no ocaso do regime autoritário viveram a ilusão romântica da plena restauração da política, creditando à simples revitalização da política partidária-eleitoral a instauração da democracia. E, de fato, o surgimento de novos partidos, a proliferação de associações voluntárias e movimentos sociais naquele momento reforçavam a crença na revalorização da política, em detrimento de recursos tecno-burocráticos de poder.
No bojo dessa onda repolitizante, pareceu tomar vulto, então, um novo projeto de nation building, com o empenho da sociedade em se reconciliar com a esfera pública. Foi o momento da recuperação dos símbolos cívicos, da identidade nacional magnetizada na redescoberta do hino nacional, no uso da camiseta que emulava a bandeira pátria. Nesse breve período de previsível e compreensível predomínio de elementos participativos e simbólico-expressivos na vida política, a democracia se anunciava como a superação da hegemonia burocrática em favor da liderança política autêntica, "vocacional"; nos termos weberianos.
Na história do chamado processo brasileiro de redemocratização esse período poderá certamente ter como marcos delimitadores a ascensão de Tancredo Neves à condição de expressão política máxima da transição e, depois, sua agonia e morte. Seu estilo pessoal de liderança, as fórmulas de compromisso negociadas, e até mesmo a revalorização de velhos recursos de patronagem corroboram em ampla medida a idéia por mim sugerida de que, naquele momento, o movimento das paixões políticas, em um ímpeto compensatório, tratava de sobrepor o elemento político ao burocrático.
Sobrevém em seguida, no itinerário da Nova República, um período de indefinição e experimentações no que diz respeito às normas de convivência entre elementos burocráticos e políticos. Os técnicos nostálgicos do ancien regime se ressentem da "ineficiência, o clientelismo, o populismo" dos políticos. Por sua vez, esses últimos abominam "a arrogância, o autoritarismo, o elitismo" dos tecnocratas.
Se por um lado essas acusações mútuas expressam de fato disputas reais de poder, por outro, não se pode interpretar tais acusações como expressões unívocas e inequívocas de um jogo fixo de poder. Assim, na prática, nem "burocratas", nem "políticos" detêm o monopólio de seus respectivos "vícios típicos". Assim, por exemplo, com freqüência um aspecto importante da disputa entre eles diz respeito à alocação de recursos de patronagem. É importante também ter em mente que quase sempre a aglutinação real de forças dentro do universo político se dá setorialmente, antes que ao longo da clivagem política vs. administração, conforme já observado na parte inicial desse trabalho.
Mais importante ainda que as qualificações supramencionadas, no contexto dessa discussão, é o fato de no dia-a-dia do processo brasileiro de transição, a própria caracterização do que é "político", por oposição ao "burocrático", tem mudado de acordo com as injunções políticas conjunturais. A esse propósito, é sugestivo lembrar que na relação entre dois ministérios cruciais como são Fazenda e Planejamento, a atribuição de ênfase "política" ou "tecnocrática" por parte da opinião pública tem sido cambiante.
Nos termos da observação acima, vê-se assim que à época do primeiro ministério da Nova República, atribuía-se ao Ministro da Fazenda uma orientação predominantemente "burocrática", em rota de colisão com o estilo do Ministro do Planejamento. Que de fato a alegada clivagem pouco tem a ver, seja com o estilo pessoal dos incumbentes dos cargos em questão, seja com a lógica de atuação de ministérios particulares, fica bastante claro com a substituição de Francisco Dorneles, então percebido como "pouco político", na pasta da Fazenda. A partir de então, a atuação do Planejamento passa a ser vista como "mais tecnocrática" em contraposição à tônica político-carismática impressa por Dilson Funaro à atuação de seu ministério.
Antes de passarmos à consideração das redefinições subseqüentes dos dois ministérios econômicos, é importante determo-nos um pouco mais na gestão Sayad/Funaro porque, nos termos da discussão que desenvolvo aqui, naquele momento se processou um casamento feliz, ainda que fugaz, entre o "tecno-burocrático" e o "político"; refiro-me especificamente à adoção do Plano Cruzado que, na minha percepção, só se tornou viável naquela conjuntura porque logrou, precisamente, reconciliar o "técnico" e o "político". O breve período de sucesso do Plano em questão correspondeu a um momento privilegiado de "fusão" entre nossos dois atores típicos.
Não é necessário lembrar aqui que as ilusões do Plano Cruzado foram rapidamente corroídas pelo mercado, nem que o aprofundamento da crise econômica, para o qual ele próprio contribuiu em certa medida, introduziu novas complicações para o desafio da democratização. O ponto a ser ressaltado aqui é que, visto na sua adequada expressão de política pública, o Plano Cruzado evidenciava a responsabilidade política da burocracia tanto quanto a importância estratégica dos recursos "técnicos" no cálculo político.
O curto espaço da euforia do Cruzado corresponde, é certo, ao momento de maior legitimidade da Nova República, mas é preciso ter em mente que a referida "fusão" entre o político e o tecnocrático, que ele envolveu, era problemática exatamente porque pretendia eludir as especificidades do político e do burocrático através de uma mágica organicista. Isto é, a idéia de que era possível um jogo sem perdedores, que novas convenções de política econômica podiam acabar com a inflação sem que alguém pagasse a conta e mantinham a ilusão de que a democratização podia ser lograda sem afetar privilégios estabelecidos.
Se prosseguíssemos nessa breve revisão, seria possível facilmente evidenciar que a tensão constante entre o político e o burocrático se manifesta de fato no interior de cada um dos ministérios, ainda que muitas vezes as aparências convenientes sugiram alguma especialização entre pastas. E, conforme salientado na primeira parte deste trabalho, a aludida tensão é intrinsecamente necessária à preservação de normas políticas democráticas.
O que a torna porém problemática no cenário brasileiro atual é precisamente o empenho de suprimi-la por parte dos contendores da disputa. Assim, a suposta opção atual por "ministros burocráticos" para as duas pastas econômicas, ao pretender se colocar à margem dos conflitos políticos, está de fato apenas contribuindo para tornar menos transparente o jogo de interesses em ação.
Na minha percepção, parte da dificuldade de reconhecer a legitimidade da tensão inevitável entre o político e o burocrático, que parece corre da própria sobrevivência de ranços elitistas e autoritários. Faz falta um entendimento explicito da pertinência e legitimidade de interesses particulares que não necessariamente colocam em risco um "core" mínimo de interesses gerais. E precisamente a negação da legitimidade de interesses específicos que faz com que tanto o elemento burocrático, como o político possam parecer mais adequados à promoção de políticas públicas maximizadoras do consenso social.
A título ainda ilustrativo, pode-se ver também na interação entre o poder executivo e o Congresso Nacional sinais da dificuldade em conviver com a tensão inevitável entre administração e política. Depois de tantos anos de domínio inconteste do executivo, é em certo sentido compreensível que faltem normas de convivência adequadas à realidade da Constituinte. Assim, parte das dificuldades políticas do nosso presente dizem respeito à ausência de regulação de conflitos entre elites.
Mas, além disso, está também em questão nesse momento a própria concepção do Estado. Em parte, porque as normas básicas de convivência estão postas em questão, já que se trata de redefinir o pacto constitucional. Em parte também, porque a exemplo de outras sociedades de desenvolvimento tardio, o poder público assume além das funções clássicas de regulação das atividades da sociedade civil, funções específicas de produção.
No contexto do Estado "produtor", novas variáveis emergem na equação de poderes políticos e administrativos. A "balkanização" do Estado, como sugerem alguns, recolocaria em termos ainda mais dramáticos do que as sombrias previsões de Weber, a questão da burocratização do poder. Estas seriam componentes específicas do problema da democratização dentre sociedades capitalistas do terceiro mundo.
Resta porém reconhecer que uma dimensão também considerável da problemática dá democracia nós a compartilhamos com outras sociedades capitalistas contemporâneas, independentemente do grau diferencial de desenvolvimento econômico alcançado. Precisamente a relação entre Política e as políticas públicas é percebida como problemática aqui e acolá, porque a conjugação de interesses específicos de Estado e interesses sociais em competição coloca desafios renovados à vigência das normas democráticas, conforme nos mostra a discussão crítica do welfare state.

III
Este trabalho pretendeu explorar o tema clássico das relações entre o político e o burocrático para sugerir uma linha de reflexão sobre os problemas da transição política brasileira. As relações ambíguas e contraditórias entre fatores políticos e administrativos, as mútuas acusações entre técnicos e políticos, e a apatia ou desconfiança com que o cidadão brasileiro encara hoje o jogo político, parecem-me indicativas da complexidade do desafio democratizante.
Nesse contexto, a formulação e implementação de políticas públicas sofre tanto as injunções da herança burocrático-autoritária, quanto aquelas relativas à repolitização de interesses que ainda não se conformaram a canais suficientemente institucionalizados de expressão. Com a liberação de forças sociais antes reprimidas pela ordem ditatorial, observa-se uma forte pressão sobre a pauta de decisões de política pública. Problemas sociais velhos e novos disputam prioridades em uma agenda de decisões já severamente comprometida pela gravidade da crise econômica.
No clima de incerteza reinante, a competição entre recursos políticos de natureza variada não traduz o reconhecimento da necessidade de se lograr um frágil equilíbrio entre fatores políticos e burocráticos, nos termos anteriormente ressaltados. O quadro que se delineia aí evoca, antes, uma situação política "inflacionária", para usar uma imagem economicista, no sentido de que há uma clara desvalorização de currencies políticas. E o risco subjacente a essa desvalorização dos recursos políticos é, precisamente, o de que as atividades de policy making percam de vista a meta democratizante
Quer o "desvio" aí seja o da patronagem política, o do clientelismo burocrático, ou uma combinação perversa de ambos, as conseqüências antidemocráticas se revelarão no "encolhimento" da esfera pública autônoma frente ao Estado. Ou seja, a ameaça persistente é aquela de uma nova pressão despolitizadora da vida social. Nesse sentido, tanto são graves os sinais de apatia ou cinismo frente à Política, quanto o são as defesas mais ou menos sofisticadas do primado da racionalidade técnica das políticas.
Embora a natureza do problema da democratização que o Brasil vive hoje seja em certo sentido bastante "selvagem", é importante ter em mente que muito da crítica desenvolvida no contexto das democracias maduras e das sociedades de bem-estar pode ser relevante para nosso questionamento. "Despolitização", "burocratização", "encolhimento da esfera pública", as expressões variadas de mal-estar na civilização política contemporânea, apontam numa mesma direção: a desejabilidade da repolitização da vida social.
Isso é bastante claro na reflexão liberal, como bem o ilustram, por exemplo, de forma canônica, Arendt ou Wolln (Hill, 1979; Wolln, 1987). A mensagem seria semelhante em propostas menos claras e consistentes de comunalismos, "small is beautiful", "local governments" e descentralizações várias. Mesmo na tradição teórica crítica, que tem em Habermas e Offe suas expressões contemporâneas mais conhecidas, as chances "emancipatórias" estariam condicionadas à possibilidade de repolitização da sociedade civil (Keane, 1984).
Em resumo, fora da arena da Política não parece existir antídoto à vocação autoritária do Estado. Nas diferentes reflexões.sobre o problema, parece claro que é da própria não-cristalização de forças sociais que a democracia retira sua força ideológica para fazer o contrapeso do impacto sedimentador da burocracia.
Nesse sentido, quer esse efeito seja buscado nas relações entre diferentes esferas institucionais, quer na convivência tensa entre "burocratas" e "políticos", quer na gestão de políticas públicas específicas, é o desafio de reconciliar interesses contrários que faz da Política um recurso estratégico valioso. Mesmo que o uso desse recurso seja quase sempre feito para tentar o impossível, evocando aqui as palavras de Weber transcritas no início desse trabalho. Ou, como diria ele, mesmo que seja "apesar de tudo" que alguns participem dos processos de políticas públicas.

Este artigo foi originalmente escrito para apresentação no Seminário Internacional sobre O Estado e as Políticas Públicas na Transição Democrática, que teve lugar na Fundação Joaquim Nabuco, Recife, 18-20 de Maio de 1988.

Bibliografia

ABERBACH, Joel D. (1981). Bureaucrats and Politicians in Western Democracies, Cambridge: Harvard University Press.

ETZIONI-HALEVY, Eva (1983). Bureaucracy and Democracy: a Political Dilemma, London: Routledge and Kegan Paul.

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