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Rodolfo Costa
Rodolfo Costa
Correio Braziliense - 20/07/2015
No Itamaraty, diplomatas e oficiais de chancelaria se digladiam em torno do reajuste dos vencimentos e assumem posições diferentes em negociação com o governo. No Banco Central, técnicos desconfiam de boicote de analistas
Não são raras as situações em que os desentendimentos entre carreiras de um mesmo órgão geram desconforto para o governo federal. No caso mais recente, atritos entre oficiais e assistentes de chancelaria, representados pelo Sindicato Nacional dos Servidores do Ministério das Relações Exteriores (Sinditamaraty), e diplomatas, agregados na Associação dos Diplomatas Brasileiros (ADB), colocaram o secretário de Relações do Trabalho do Ministério do Planejamento, Sérgio Mendonça, de mãos atadas para conduzir as negociações em torno do reajuste salarial das carreiras.
Em plena mesa de negociação com representantes sindicais, o secretário recebeu um telefonema do Ministério das Relações Exteriores (MRE) solicitando a participação de Adriano Pucci, representante da ADB e chefe da Coordenação-Geral de Modernização do Itamaraty. Para o Sinditamaraty, o pedido foi uma intervenção do governo com o objetivo de colocar um integrante ministerial na reunião. Os diplomatas negam que a ligação tenha sido feita em nome da administração do Itamaraty.
A motivação para reivindicar um assento na reunião, segundo os diplomatas, surgiu em decorrência da intenção do Sinditamaraty de dividir o reajuste salarial em negociação entre as três carreiras: do percentual que fosse definido, 63,2% seriam destinados a oficiais; 56,8% a assistentes; e 5% a diplomatas. "Não questionamos a legitimidade do pleito de reenquadramento dos oficiais e assistentes. No entanto, a elevação de vencimentos não deve ocorrer assimetricamente entre as carreiras", sustenta Alessandro Candeas, diretor da ADB.
Na avaliação do Sinditamaraty, a divisão de percentuais visa garantir um "mínimo de intersecção entre os salários das carreiras". Em 2012, os cargos de assistente e oficial foram reconhecidos como carreiras típicas de Estado e passaram a ser remuneradas por subsídio. No entanto, o Planejamento desconsiderou gratificação de vantagens pessoais, tendo considerado apenas o vencimento básico e a gratificação de desempenho, diz a presidente da entidade, Sandra Nepomuceno. "Queremos corrigir isso para que o reconhecimento seja acompanhado de remuneração compatível com as atribuições desses servidores."
O argumento de falta de representatividade é contestado pela ABD. "Fomos reconhecidos tanto pelo Planejamento quanto pela Justiça no Trabalho. Contamos com 1,2 mil associados em um universo 1,6 mil diplomatas. Nossa participação nas mesas de negociação decorre de demanda dos servidores, ao perceberem que, no âmbito do Sindicato, não estavam recebendo tratamento isonômico", afirma Candeas.
Embates
Disputas entre carreiras no funcionalismo, e mesmo entre classes de um mesmo órgão, dificilmente deixarão de existir. Mas, cabe ao governo estudar medidas para evitar o desgaste, avalia Roberto Piscitelli, professor da Universidade de Brasília (UnB), especialista em economia no setor público. "A falta de uma política de pessoal e de remuneração acaba fazendo o governo ceder a pressões das entidades com maior força política e recursos."
Para contornar os embates, Piscitelli diz que o governo deve mudar a maneira de administrar as mesas de negociaão, traçando planos a médio e longo prazo para a administração de pessoal, e estabelecendo critérios sobre metas, produtividade e desempenho. "Não dá para negociar caso a caso o tempo todo. É preciso ter o mínimo de estabilidade, previsibilidade e confiabilidade nas relações. E definir se haverá uma política uniforme para todo o funcionalismo ou estabelecer parâmetros para diferentes categorias", diz. "É necessário ainda ter uma secretaria de Estado ou algum representante que com poder decisório para negociar não o todo, mas detalhes e coisas particulares. Da forma como está, o governo negocia tudo, mas não negocia nada", analisa.
Os atritos não ficam restritos apenas à relação entre classes sindicais, mas ocorrem também entre carreiras e diretorias. É o caso do Banco Central, em que técnicos reclamam da falta de apoio da instituição. Desde 2005, eles cobram a valorização da categoria, que consiste em exigir nível superior para a investidura no cargo - experiência adotada na carreiras de auditoria da Receita Federal, Policial Federal e Policial Rodoviário Federal.
A reestruturação, no entanto, encontra forte resistência na diretoria do BC. Uma fonte ouvida pelo Correio acusa o diretor de Aministração, Altamir Lopes, de torpedear a proposta. "Foi apadrinhado pela Gleisi Hoffmann, ex-ministra da Casa Civil. Por ligações políticas, pensa mais no governo do que na classe trabalhadora", critica a fonte.
Representantes sindicais, no entanto, minimizam a denúncia e acreditam que a falta de suporte pode estar mais ligada à disputa de egos entre técnicos e analistas. "Ouvi do próprio ministro Nelson Barbosa que muitos analistas não querem que os técnicos sejam reconhecidos como cargo de nível superior. Talvez por alguma mágoa, questão pessoal ou de honra eles não comprem a nossa briga", diz Alexandre Galvão, diretor do Sindicato Nacional dos Técnicos do Banco Central (SinTBacen).
Entretanto, no que depender dos analistas filiados ao Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal), a pauta individual dos técnicos ganhará suporte. Eles já sinalizaram em assembleia apoio para que o salário dos técnicos, hoje de R$ 6.065 passe a representar 70% da remuneração dos analistas, o que ampliaria o ganho para R$ 10.763. "Juntos, teremos mais força nas reuniões com o Planejamento. Este ano, o governo chamou os dois sindicatos em separado para as mesas de negociação. Em vez de aceitarem, as duas entidades se reuniram juntas. A expectativa é só fortalecer e estreitar os laços daqui para a frente", garante o presidente do Sinal, Daro Piffer.
O Banco Central não emitiu posicionamento. Em nota, o Planejamento comunicou que a reestruturação da carreira está sendo tratada na mesa de negociação e que a Pasta ainda avalia o tema.
Três perguntas para
Alessandro Candeas, diretor da Associação dos Diplomatas Brasileiros (ADB)
A guerra entre as carreiras pode chegar ao Judiciário?
A profissão de diplomata é totalmente incompatível com a guerra. Sempre atuamos para superar os conflitos com base no diálogo e na busca do consenso. Em questões pontuais, pode haver discordância quanto ao método de atuação, às prioridades e, principalmente, quanto à visão, que acreditamos ser equivocada, de que os ganhos de algumas carreiras pressuponham perdas para outra.
Por que os diplomatas são contrários à divisão do reajuste oferecido pelo governo?
Numa instituição, todas as classes estão do mesmo lado da mesa. Não pode haver um jogo de soma zero, no qual uns ganham e outros perdem. Ou todos ganham, ou todos perdem, respeitados os limites da conjuntura econômica, que impõe sacrifícios a toda a sociedade.
A falta de acordo com o Sinditamaraty pode prejudicar o diálogos com o governo?
Não. O diálogo continuará sempre aberto. A negociação salarial em curso deverá ao menos preservar os níveis dos vencimentos de todos os integrantes do Serviço Exterior Brasileiro, sem assimetrias e sem conflitos, o que apenas redundaria no enfraquecimento das reivindicações dos servidores do Ministério das Relações Exteriores (MRE).
Sandra Nepomuceno, presidente do Sindicato Nacional dos Servidores do Ministério das Relações Exteriores (Sinditamaraty)
É comum a guerra de classes se acentuar em campanhas salariais?
Quando duas carreiras de mesmo nível de escolaridade trabalham em um mesmo ambiente, é natural haver certo atrito, principalmente em questões salariais. Assistentes e oficiais de chancelaria com ampla experiência são chefiados por diplomatas recém-formados, e em áreas que nem são atribuições dos diplomatas. Sâo flagrantes casos de desvio de função.
O sindicato é contrário à participação de associações nas mesas de negociação?
Nosso relacionamento com as demais entidades é tranquilo e transparente. A ADB nunca havia se apresentado para negociar, até que os diplomatas deixaram de ser os interlocutores principais. A inesperada participação nas mesas mostra a intervenção da administração do Itamaraty, que favorece os diplomatas.
Qual é a razão de fracionar o reajuste proposto pelo governo?
Hoje, o salário de um diplomata em início de carreira é quase duas vezes maior do que o de oficiais de chancelaria com 15 anos de serviço, que também são de nível superior, e quatro vezes maior que o de um assistente de chancelaria, de nível médio. Precisamos de salários adequados às nossas competências para frear a evasão de servidores.
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