Antonio Temóteo
Correio Braziliense - 10/11/2013
Centro de preparação concursos públicos ligado à Universidade de Brasília tem contratos investigados
Principal organizador de concursos públicos e vestibulares do país, o Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (Cespe/UnB) é investigado pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Controladoria-Geral da União (CGU). Relatório de auditoria do órgão de controle da Presidência da República, obtido com exclusividade pelo Correio, aponta irregularidades em contratos que geraram danos ao erário de, pelo menos, R$ 43 mil entre 2009 e 2010. Além disso, o documento detalhou que servidores públicos receberam pagamentos indevidos de horas extras e adicionais de insalubridade.
O relatório da CGU foi elaborado a pedido da Procuradoria da República no Distrito Federal (PR/DF), que instaurou inquérito civil, em maio de 2010, após receber uma denúncia para investigar irregularidades no Cespe. Em novembro do mesmo ano, a PR/DF solicitou à controladoria a abertura de auditoria, que foi concluída somente dois anos depois, em novembro de 2012.
Danos
Entre as infrações apresentadas no documento estão o fato de prestadores de serviço desempenharem funções de servidores públicos — ato considerado ilegal — para, por exemplo, emitir empenhos e liquidar pagamentos no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) do governo federal. Outra irregularidade foi encontrada em contratos de impressão. O Cespe tinha direito a uma franquia de 2,289 milhões de cópias, mas 33% desse total deixou de ser utilizado. Apesar de identificar que a prática acarretou prejuízos aos cofres públicos, os auditores não conseguiram mensurar o valor do dano ao erário.
Em outro caso, os técnicos da CGU indicam que o Cespe contratou em caráter emergencial, para o fornecimento de toners, uma empresa que já era vencedora de outros três pregões com a mesma finalidade. Somente nesse caso, foi identificado um prejuízo de pelo menos R$ 43 mil. O relatório também aponta irregularidades contratuais no fornecimento de combustível: compra de 50 litros de álcool, quando era permitida apenas a aquisição de gasolina e de diesel; abastecimento em galões e não diretamente nos tanques dos carros, como previa o contrato; e aquisições de um mesmo produto com valores divergentes.
Parecer final
Procurada pela reportagem, a Procuradoria da República no Distrito Federal (PR/DF) afirmou que a procuradora Anna Carolina Resende, que assumiu o caso em julho de 2013, analisa os dados encaminhados pelo CGU. A previsão é de que o inquérito seja concluído até março de 2014. O Ministério da Educação, que supervisiona as universidades federais, disse que “o assunto diz respeito diretamente ao próprio Cespe e à UnB, que é instituição autônoma e responde diretamente aos órgãos de controle”. A CGU informou que recebeu esclarecimentos do centro e deve emitir um parecer definitivo até dezembro.
O Cespe explicou que a denúncia feita à PR/DF, formulada por um ex-colaborador, também chegou à UnB, que instaurou uma comissão de sindicância. Os trabalhos internos foram encerrados em outubro de 2012, encaminhados à CGU, e concluíram pela improcedência dos questionamentos, referentes à gestão anterior. O centro também ressaltou que, em relação a serviços terceirizados, busca uma solução jurídica, com o Ministério Público do Trabalho e com o Tribunal de Contas da União (TCU), para adequar a participação de prestadores de serviço nos trabalhos realizados. Por último, explicou que atenderá o parecer definitivo que for emitido pelo órgão de controle.
Fiscalização é ineficiente
Especialistas avaliam que a investigação do Ministério Público Federal (MPF) e da Controladoria-Geral da União (CGU) no Centro de Seleção e de Promoção de Eventos (Cespe) é um exemplo claro de que o governo precisa aperfeiçoar os mecanismos de fiscalização do uso de recursos do Estado nas universidades públicas.
Para o secretário-geral do Contas Abertas, Gil Castello Branco, existem dois tipos de desvio de conduta. Aqueles que são acarretados pela inobservância de aspectos administrativos, quando não há dolo, e outros por má-fé. Ele destaca que, no caso em auditoria, a CGU identificou irregularidades em contratos que geraram danos ao erário, mas não é possível afirmar que elas foram intencionais.
Entretanto, Castello Branco ressalta que todo ato que acarrete prejuízo aos cofres públicos precisa ser investigado com rigor. E, se for constatado algum tipo de delito, os responsáveis precisam ser punidos. “Não é a primeira vez que vem à tona suspeitas sobre o Cespe. É ruim que uma entidade vinculada à Universidade de Brasília (UnB) possa cometer desvios”, diz.
Na opinião do professor de filosofia e ética da Universidade de Campinas (Unicamp) Roberto Romano, a concentração de poderes no Executivo torna o controle ineficiente. Como não é possível fiscalizar tudo o que acontece, a máquina pública é frequentemente exposta a problemas que geram danos ao erário.
Esse modelo é repetido nas universidades, onde os reitores assumem poderes excessivos. “É preciso aperfeiçoar os mecanismos de fiscalização para evitar prejuízos. Temos problemas com terceirizados que exercem a função de servidores sem ter o mesmo compromisso com a administração. E servidores que cometem irregularidades devido às fragilidades do sistema de controle. Não vejo uma alternativa para isso sem a descentralização do poder”, completa.
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