Guilherme Araújo
Correio Braziliense - 20/01/2014
Empregados de ministérios reconhecem falhas no atendimento à sociedade e lamentam haver tantas amarras na máquina federal. Sem medo, expõem as posições políticas e revelam seus sonhos
A vida na Esplanada dos Ministérios é uma festa, enriquecida por uma impressionante diversidade dos Servidores Públicos, que nada têm a ver com o estereótipo de burocrata ou barnabé. Eles saíram de todas as regiões do Brasil, desembarcaram na capital federal e compõem o exército essencial para o funcionamento do país. Apesar de trabalharem para o governo, têm posições políticas próprias, visões críticas sobre a máquina pública e não se acanham em reconhecer que, muitas vezes, a jornada é frustrante.
Apaixonado por bicicleta, o carioca Cláudio Oliveira dos Santos, 39 anos, faz de tudo para usar a magrela como meio de transporte. Por acreditar ser possível transformar o Brasil num dos países onde mais se pedala, ele escolheu estudar arquitetura e urbanismo na Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais. Ao terminar o curso, mudou de cidade e teve a primeira experiência em órgão público, como responsável pelo planejamento urbano da Prefeitura de Ipatinga (MG).
Quando descobriu que o Ministério das Cidades lançaria edital para concurso público, decidiu se candidatar. Passou na prova em 2005 e, após um ano, foi convocado para o Departamento de Regulação e Gestão da Secretaria Nacional de Mobilidade Urbana. Concretizava-se ali o mesmo caminho do pai, Servidor Público aposentado da Aeronáutica.
Escalado no ministério para tocar projetos de mobilidade que permitiriam uma mudança na cultura dos principais centros urbanos, o carioca voltou a aderir às duas rodas. O sonho de pôr em prática toda a experiência acumulada sobre o assunto, no entanto, foi pelo ralo, quando, conta ele, o programa do governo federal Bicicleta Brasil empacou. "Meus ideais foram frustrados por questões políticas", comenta. O projeto acabou e, hoje, o servidor trabalha em um lugar onde, segundo ele, as portas estão fechadas para o pedal. Por várias vezes, Cláudio pensou em deixar o Cidades, mas ele tem esperança de que, um dia, a pauta volte a chamar a atenção do ministério.
Frustração é uma palavra que não faz parte do dicionário de Lauseani Santoni, 31. Concursada também do Ministério das Cidades, três vezes por semana ela troca o almoço pelo gingado da capoeira. "Faz descarregar as energias. Quando criança, meu castigo era não jogar capoeira. Mas eu arrastava os móveis e praticava em casa mesmo", sorri, ao recordar. Hoje, é corda marrom, dedicada a instrutores e professores.
Nascida em Ijuí, interior do Rio Grande do Sul, Lauseani mudou-se para Sobradinho com seis anos. À época, o pai, fazendeiro, comprou um terreno no Entorno, para montar o próprio negócio. A ideia não deu certo e ele retornou à terra natal. A filha ficou com a mãe na capital federal, apostando nas boas oportunidades de emprego e moradia. Em 2005, formou-se em ciências políticas pela Universidade de Brasília (UnB).
Agora, Lauseani pretende fazer um doutorado na área de saneamento ambiental, para se especializar ainda mais. Acredita que ainda há muito espaço para crescer no ministério em que trabalha. "Esse tema foi deixado de lado na última década. A academia está afastada do governo e, com isso, as questões políticas predominam", relata.
Dentes de verdade
Um dos servidores mais antigos da Esplanada tem 99 anos e nasceu no interior do Sergipe. Ao contrário de seguranças carrancudos, João Pereira dos Santos distribui simpatia ao fiscalizar a portaria privada do atual ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Aposentado, e com medo do ócio, ele não pretende largar o batente tão cedo. "O trabalho enobrece e faz a gente viver bastante", ensina.
O visual do servidor ilustra o valor que ele dá à aparência. Terno cinza-claro, gravata vermelha com desenhos de jogadores de futebol, camisa listrada branca e sapato marrom. Os cabelos brancos são penteados caprichosamente para trás e um perfume importado ajuda a exalar a vaidade. "Ainda estou lúcido. É importante me arrumar", diz.
Com quem conversa, seu João faz questão de mostrar que, apesar da idade avançada, as mãos não tremem e os dentes são "de verdade". "Eles ainda são meus, não é dentadura", orgulha-se, abrindo um largo sorriso. "Corto uma laranja em seis pedaços e isso ajuda a exercitar o maxilar. Sempre como também um queijinho mineiro, acompanhado do tradicional café com leite", revela.
Por ter trabalhado em diversos governos, seu João arrisca comentar sobre política. "Eles têm uma mania muito feia de deixar tudo para amanhã. Sou contra isso e os corruptos", endurece o discurso. Sobre os três últimos presidentes, ele avalia: "Dilma é uma mulher determinada e sabe o que faz. Lula mostrou o Brasil ao mundo, está no meu coração. Fernando Henrique Cardoso é uma pessoa interessante, um bom homem".
Antes de concluir a conversa, o servidor, de 99 anos, afirma que gostaria de ver uma Constituição sem "palavras demagógicas", para que até o brasileiro mais humilde pudesse compreendê-la. Os constantes embates no Congresso Nacional, analisa ele, têm a ver com a quantidade enorme de partidos políticos no Brasil. "Isso dificulta acordos que agradem a todos. Nos Estados Unidos, existem apenas dois partidos e as coisas parecem funcionar melhor", compara.
O copo do Botafogo sobre a mesa de trabalho entrega a paixão de João Damião de Souza, 64, pelo futebol. Natural de Campina Grande, no interior da Paraíba, o servidor chegou a Brasília com os pais, pioneiros. No início, a família morou numa casa de alvenaria cedida pelo governo. Em 1984, ele ingressou na carreira pública, quatro anos após prestar concurso para o Ministério do Planejamento. Começou trabalhando no Departamento de Administração do Serviço Público (Dasp), quando ainda funcionava no Bloco C da Esplanada. Hoje, bate ponto no Bloco K com a mesma paixão.
Por ora, Souza não cogita se aposentar. "Ainda tenho muito gás e não tenho outra atividade. Continuar trabalhando é uma forma de qualidade de vida. Até gente de outros ministérios me procuram quando o assunto é recursos humanos", conta ele, que se orgulha de atuar na área de gestão de pessoas. "Sou piadista. Converso e brinco com todo mundo. Isso também ajuda a melhorar o ambiente de trabalho", completa o servidor.
Questionado sobre o que é ser Servidor Público, Souza desabafa: "Muita gente tem uma imagem negativa de quem trabalha para o Estado por conta do mau exemplo de alguns, que acaba prejudicando quem é honesto e realmente veste a camisa. Até hoje, só faltei ao trabalho uma vez, em 1987, por causa de uma greve", conta ele, servidor dos presidentes José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrrique Cardoso, Lula e, agora, Dilma.
Público é quem paga
Dedicação também não falta a Tônia Maria Pedrosa, 58. Ao mesmo tempo que atende o telefone que não para de tocar, ela protocola um documento atrás do outro e auxilia quem entra na sala para pedir informação. Tudo ao mesmo tempo. "Aqui, não para", diz ela, que entrou no serviço público por indicação da cunhada. Na época, não existia concurso. Em 1988, passou numa seleção interna do Ministério da Justiça.
Casada e católica, Tônia comenta que gosta de ir às festas da igreja para colocar em prática, com o marido, o que aprendem nas aulas de dança de salão e forró. "Gostamos muito de dançar", comenta ela, que também pratica pilates três vezes por semana. Ela afirma que só vai parar de trabalhar quando a função deixar de ser prazerosa. "Até o último dia vou trabalhar como se fosse o primeiro. Afinal, o público é quem me paga", frisa.
O primeiro emprego de Marivaldo de Castro Pereira, 31, foi como office boy em uma farmácia. Filho de um pedreiro e uma diarista, ele precisou, desde cedo, ajudar no sustento na casa. Hoje, trabalha como analista técnico de políticas sociais na Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça. Passou no concurso em 2005. Antes, formou-se em direito e fez mestrado na Universidade de São Paulo (USP). "Sempre estudei em colégio público", ressalta.
Para ele, ser Servidor Público é assumir um papel importante na máquina pública. "É uma oportunidade para ajudar o país", completa. Casado e pai de uma filha, o servidor é do tipo família. "Costumo sempre almoçar com eles", conta. O maior sonho, por enquanto, se restringe ao trabalho: "Quero ter uma equipe de jovens que possam contribuir para termos uma sociedade melhor".
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