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Estado de Minas - 07/09/2014
De sonho, o serviço público vira bico. Com estabilidade e salário garantidos, não são poucos os que, obedecendo ou não às regras do funcionalismo, se lançam em atividades extras na intenção de aumentar a renda e ocupar o tempo fazendo o que, de fato, gostam. As situações, geralmente abafadas, ocorrem com mais frequência do que se imagina, e renovam, em todo o país, a discussão em torno da eficiência da gestão pública.
De 2003 até o mês passado, somente no âmbito do Poder Executivo federal, 1.289 servidores foram expulsos por motivos relacionados à falta de dedicação ao cargo. Os punidos acumularam funções ilicitamente, participavam da gerência de sociedades privadas ou, tão envolvidos em outras ocupações, passaram a encarar o funcionalismo com desleixo, abusando de atestados médicos, ausências injustificadas e produtividade mínima.
Os exemplos de duplas jornadas permeiam diferentes áreas e chamam a atenção quando a atividade privada se torna a principal. São casos recorrentes os de policiais militares que atuam como seguranças particulares nas horas vagas, médicos tentando conciliar atendimentos em clínicas próprias e hospitais públicos, advogados do Estado engordando a renda em cursinhos e consultorias, técnicos e analistas dedicando-se a comércios registrados em nome de outras pessoas.
A Lei nº 8.112/90, o regime jurídico do servidor, pontua as proibições, mas os impactos do acúmulo de funções extrapolam o descumprimento de regras. "”O problema é que muitos se mantêm no serviço público somente para garantir estabilidade e a aposentadoria e se dão ao direito de fazer o que querem”, comenta o analista de um órgão federal, que preferiu não se identificar. “Esse assunto ainda é bastante velado, o Estado gosta de fingir que está tudo bem.”
Os tribunais, especialmente, andam sentindo a falta de empenho dos servidores que exercem outras atividades. "”A pessoa faz concurso por fazer e, quando passa, percebe que aquele cargo não se encaixa na aptidão dela. O jargão continua valendo: trabalhar com o que se gosta faz toda a diferença, dentro ou fora do serviço público”, comenta a mestre em psicologia e diretora da Rhaiz Consultoria, Rita Brum. Ela tem dado palestras sobre o tema em diversos órgãos públicos e aposta em “mudança de cultura”.
O conflito de interesses preocupa a Controladoria-Geral da União (CGU). Entre os casos mais emblemáticos analisados recentemente pelo órgão, está o de um médico lotado em um hospital universitário que trabalhava simultaneamente em uma clínica particular. “Ele chegou a interromper serviços prestados no órgão público porque os mesmos eram oferecidos também na clínica”, exemplifica o secretário-executivo da CGU, Carlos Higino.
Geralmente, os servidores, incluindo os que ocupam cargos de chefia, alegam que os trabalhos extras são “hobbies exercidos no tempo vago”, o que nem sempre se confirma. A CGU, sustenta o secretário, está atenta às faltas e à improdutividade sem justificativa plausível. “Serviço público não pode ser mero bico”, reforça Higino, que já acumulou cargos no governo com a rotina de professor, mas hoje diz não ter tempo para conciliar as atividades.
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