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segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Judiciário, autonomia, teto e distorções remuneratórias

*****PORTAL DO SERVIDOR PÚBLICO DO BRASIL*****

Judiciário, autonomia, teto e distorções remuneratórias

Juiz federal defende reajuste salarial para Judiciário e Ministério Público e estranha que chefe da AGU, contrário ao aumento, seja questionado exatamente por receber mais de R$ 40 mil em vencimentos, extrapolando o teto do funcionalismo

Daniel Santos Rocha Sobral *
Em recente reportagem neste sítio, intitulada “Aumento para juízes compromete serviços públicos”, diz o advogado-geral da União, Luís Inácio Lucena Adams, entre outras coisas, que “para se assegurar reajuste remuneratório e pagamento de vantagens pecuniárias aos servidores e membros do Ministério Público da União e do Poder Judiciário, cuja importância, registre-se, não se está a questionar, estaria se impondo corte drástico de 35,1% das verbas destinadas ao funcionamento do Poder Executivo e ao custeio de políticas públicas e de serviços também essenciais”, assertiva essa complementada pela afirmação de que a “autonomia do Judiciário não pode ser tratada como um ‘cheque em branco’”.
Essa manifestação do chefe maior da AGU, tudo indica, veio a lume em decorrência de despacho lançado pela ministra Rosa Weber, do colendo Supremo Tribunal Federal (STF), que, tendo em conta mandado de segurança manejado pela Procuradoria-Geral da República, em face de corte abrupto e unilateral da proposta orçamentária do Poder Judiciário e do Ministério Público pelo Poder Executivo federal (e não pelo Congresso Nacional, como atribui a Constituição Federal vigente), houve por bem, preventivamente, coletar informações da digna presidente da República.
Concessa vênia, as razões lançadas pelo digno representante da AGU, na forma mencionada pela indigitada reportagem, parecem não encontrar esteio em sólida argamassa fático-jurídica.
De logo, impende gizar que estas breves linhas não têm o condão de mostrar o acerto ou desacerto do corte levado a cabo pelo poder Executivo federal, na medida em que a matéria de fundo se encontra a cargo de seu juízo natural, na espécie o STF. Contudo, tratando-se de matéria tornada pública e tendo como norte a liberdade de expressão, não seria crível se perder a oportunidade de trazer à tona o alicerce movediço em que se basearam ditas premissas, no mínimo contraditórias, equivocadas e distorcidas – diga-se de passagem, nenhuma novidade no que tange à tentativa de subjugar um poder da República a outro – derivadas, quiçá, da ausência de resposta à altura por quem de direito ou simplesmente porque papel e tinta aceitam qualquer tipo de elocubração!
Enfrentemos, então, o nó górdio da celeuma suscitada!
Será que realmente em uma análise isenta, independente e imparcial, o mencionado reajuste (e não aumento) presente na proposta orçamentária do poder Judiciário e do Ministério Público – e abortado manu militari pelo Executivo federal – teria o condão, de plano, de abalar a estrutura fiscal da União; de comprometer as contas públicas; de solapar políticas públicas; de deixar o Executivo com pires na mão; de outorgar cheque em branco ao poder Judiciário, etc, etc?? Não quero crer que a resposta a essas indagações seja tão simplista assim!
Em primeiro momento, e no diminuto espaço que o presente artigo permite, é preciso deixar claro que esse “absurdo” reajuste de 22% ao subsídio dos ministros do STF (e do teto constitucional, por aderência) não surgiu à toa, como quer fazer crer o representante do Executivo, ao contrário, tem vinculação direta com as perdas salariais dos subsídios de seus respectivos membros, acumuladas entre os anos de 2009 e 2013 e a projeção do Índice Nacional de Preços ao Consumidor – amplo (IPC-A) para 2014, cujo elevado montante teima em subsistir e aumentar, anualmente, por conta de resistência expressa, ilegal, imoral e inconstitucional do Executivo federal em não atender ao clarividente comando constitucional inserto no inciso X do artigo 37 da Constituição Federal de 1988, ao prever revisão geral anual dos vencimentos dos servidores públicos, sempre na mesma data e sem distinção de índices, no afã de preservar o poder aquisitivo de compra ínsito a qualquer trabalhador, seja da iniciativa privada ou pública.
Em segundo momento, custa crer que esses 22% de reajuste propagado guarde correlação tão direta e precisa com o corte de 35% das receitas do Executivo, como quer fazer crer o parecerista, ora porque as receitas não são do Executivo, mas do Estado como um todo, d’onde a autonomia financeira e orçamentária do Judiciário – de matiz constitucional – não pode ser guindada a um faz de conta, tampouco trilhar o sabor indigesto e exclusivo de um dos poderes da República, sob pena de comprometimento do próprio Estado democrático de direito, ora porque, sem sombra de dúvidas, a perda de receitas estatais para a satisfação das necessidades públicas parece ter ligação mais direta com a sangria de recursos públicos advinda da prática nefasta da corrupção, pública e notória, que grassa diariamente nas manchetes televisivas e escritas da mídia como um todo (mensalão; refinaria Abreu e Lima; refinaria da Pasadena etc), envergonhando a todos que se intitulam, de fato, pessoas de bem neste imenso Brasil, e cujo sucesso na reprimenda – para desgosto de alguns – tem encontrado terreno fértil na magistratura federal brasileira, responsável em primeira mão pelo processamento e julgamento dos maiores e mais nefastos crimes da República (de colarinho branco, de corrupção, tráfico internacional de entorpecentes, improbidade administrativa, entre outros).
Em terceiro momento e para arrematar, porque mais importante seria o nobre advogado-geral da União tentar justificar o porquê de figurar como réu na Ação Popular nº 5003643-37.2012.404.7104,  no bojo do qual um singelo cidadão vem a contestar os altos salários pagos a ele: em torno de R$ 40.296,13, tendo como referência julho de 2014 (www.portaldatransparencia.gov.br\servidores, acesso em 25 de setembro de 2014, às 17h), valor 36,77% superior ao teto (furado) constitucional que tanto alega defender, paradoxalmente – e a outros ministros de Estado, forma velada e indireta de acrescer seus próprios salários, como bem assentado pelo juiz federal Norton Luis Benites, da 2a Vara Federal de Passo Fundo (RS), nos autos da ação popular acima anunciada, ao asseverar que “nada obstante tais fatos, o subsídio de ministro de Estado não pode ser majorado de uma forma indireta a que ofenda a Constituição Federal; se o valor não é adequado, ou o sistema de remuneração é arcaico, como já se cogitou nesta decisão, deve ser redimensionado ou alterado de forma moral, transparente, democrática e, especialmente, constitucional”.
Nesta quadra, indaga-se: a quem interessa esse sistema remuneratório, onde poucos, inclusive o nobre advogado-geral da União, percebem verbas (subsídios + verba indenizatória + jetons) bem superiores ao teto constitucional? A quem interessa amesquinhar o Poder Judiciário, apequenando, ano após ano, seus subsídios, diferentemente da expressiva gama de trabalhadores que vem corrigindo suas perdas salariais acima da inflação? Afigura-se lídimo extrapolar teto do funcionalismo, via acúmulo de subsídios com jetons em diversos conselhos estatais, ainda mais de maneira perene, indefinida e duradoura? A quem interessa distorcer tanto e por tanto tempo a verdade?
“Tudo, menos o ridículo”, já bradava o grande poeta Fernando Pessoa, cujos ensinamentos tanta falta fazem nos dias de hoje.
Presidente da Associação dos Juízes Federais do Piauí (Ajufepi) e juiz federal da 8ª Vara da Seção Judiciária Federal do Piauí.

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