Metrópoles - 31/03/2018
Dos R$ 3,558 bilhões gastos de janeiro até o fim de março, apenas R$ 1,666 bilhão foi para empresas que disputaram com outras concorrentes
Exatamente 53,2% das compras do governo federal nos primeiros três meses de 2018 foram concluídas sem a realização de licitações. Assim, apenas 46,8% dos serviços ou materiais adquiridos pelos quase 30 ministérios ligados ao Palácio do Planalto utilizaram o pregão, a concorrência, a tomada de preço ou o convite para selecionar as empresas envolvidas, como manda a Lei Geral de Licitações – nº 8.666/1993.
Em números, isso significa que, dos R$ 3,558 bilhões gastos de janeiro até o fim deste mês com material de limpeza, segurança e compra de passagens, por exemplo, apenas R$ 1,666 bilhão foi para empresas participantes de alguma forma de licitação. O outro R$ 1,892 bilhão acabou pago a companhias que realizaram os serviços sem ao menos disputar com outras concorrentes.
Mas 2018 não é uma exceção. Pelo contrário. Ultimamente, o governo federal vem adquirindo produtos e serviços sem licitações. No ano passado, chegaram a 56,12% as compras realizadas com dispensa ou inexigibilidade. Em 2016, o número foi um pouco maior: 60,7%.
A queda percentual no decorrer dos anos, de acordo com o professor de Administração e Políticas Públicas José Simões, representa apenas um orçamento mais apertado, e não que o modus operandi esteja mudando. “Hoje, com menos dinheiro vindo do governo, burlar as licitações fica um pouquinho mais difícil, porém alguns órgãos criam situações de emergência a fim de solicitar até mesmo a liberação de recursos contingenciados. Muitas vezes, isso acontece de forma intencional para fugir do certame licitatório, por isso, não só o Ministério Público e os Tribunais de Contas precisam ficar de olho, como todos os cidadãos”, afirmou.
A legislação
Para os juristas, a licitação é um processo administrativo que permite a realização de contrato entre uma empresa e a administração pública. A intenção, com ela, é possibilitar a qualquer interessado a chance de trabalhar no governo, desde que se sujeite às condições fixadas e formule proposta. Assim, o certame é determinado pela Lei Geral de Licitações, e deve ser regido pelos princípios constitucionais da isonomia, da legalidade, da moralidade e da igualdade.
A própria legislação prevê algumas ocasiões em que a licitação pode ser dispensada. No entanto, isso deve ser limitado à aquisição de bens e serviços indispensáveis ao atendimento da situação de emergência, conforme recomenda o artigo 24.
Outras situações são permitidas, como em caso de processo licitatório frustrado por fraude ou abuso de poder econômico, contratação de pequeno valor, ausência de interessados, entre outras. Já a inexigibilidade de licitação ocorre quando não há possibilidade de competição entre empresas, isso porque só existe uma companhia ou uma pessoa que atenda às necessidades da administração pública.
A lei que prevê o uso do certame licitatório nas contratações públicas vem sendo interpretada de maneira a tornar esse processo uma exceção no dia a dia do governo, e isso tem sido o grande problema. “A licitação tem de ser a regra. No entanto, a maioria dos processos conseguem a sua dispensa por simples falta de organização, assim, as compras se tornam urgentes e passam a ser liberadas”, acusa José Jorge de Vasconcelos Lima, ex-ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) entre os anos de 2009 a 2014.
"O máximo que deveria ser aceitável é 20% de compras sem o uso da licitação. Esse número seria o suficiente para englobar as situações emergenciais, como desastres naturais, por exemplo. Mais de 50% é inaceitável"
Ex-ministro do TCU, José Jorge
A opinião do ex-membro da Corte de Contas é compartilhada pelo especialista em Administração e Políticas Públicas José Simões. “Em algumas circunstâncias, a dispensa de licitação pode, sim, ser normal e até recomendada. Mas cabe a nós ficarmos de olho, para que isso não seja uma maneira de burlar as leis públicas. Quando olhamos esses valores bilionários, saltam aos olhos. Em muitos casos, os órgãos públicos deixam o cenário avançar, o processo anterior caducar, aí já está na hora de contratar por emergência e dispensar a licitação”, pontuou o professor.
Exemplos
O Metrópoles teve acesso a compras de serviços e materiais realizadas sem certame licitatório, em 2018, pelo governo federal. Entre elas, a aquisição de produtos de limpeza, escritório, informática e até água mineral. Há ainda contratos emergenciais de: segurança, combate e prevenção de incêndios, telefonia, motoristas e computação.
Algumas delas chamam a atenção, como a contratação considerada emergente de “serviços de agenciamento de viagens para voos regulares domésticos e internacionais”. O Ministério do Turismo, por exemplo, contratou uma empresa para prestar essa atividade no valor de R$ 2,004 milhões; e o do Meio Ambiente, por R$ 782 mil. Procurada, a pasta de Turismo informou que não fez uso de licitação, mas atuou como órgão participante de um certame realizado pelo Ministério do Planejamento. Já o Meio Ambiente não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Outra contratação com dispensa de licitação foi realizada pelo Ministério dos Direitos Humanos. O órgão pagará R$ 249.900 para alugar o Centro Internacional de Convenções do Brasil (CICB), por apenas quatro dias, durante a realização da IV Conferência de Promoção da Igualdade Racial, em maio. Em nota, segundo informou a Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do ministério, tudo ocorreu dentro dos trâmites legais da Lei Geral de Licitações, considerando a previsão de dispensa de licitação, bem como suas exigências.
Já o Ministério da Agricultura contratou empresa especializada em prevenção e combate de incêndio no valor de R$ 4,932 milhões, porém não explicou o motivo de o serviço ter sido adquirido sem licitação. Enquanto isso, a pasta dos Transportes desembolsou R$ 6,499 milhões para restaurar um trecho da BR-116 depois de desmoronamento de encosta, em Muriaé, na Zona da Mata mineira. A verba foi liberada sem certame licitatório, por se tratar de emergência após desastre.
Questionado pela reportagem sobre o porquê de os órgãos realizarem aquisições e contratações sem licitação, o Ministério do Planejamento disse apenas existir várias hipóteses de dispensa e inexigibilidade. “A instrução da aplicação da modalidade é feita em processo administrativo, que é submetido aos dirigentes de cada órgão (ordenador de despesa e autoridade máxima), a quem compete aprovar a aquisição/contratação por meio dessas modalidades, após a análise jurídica dos autos”, argumentou.
Por Larissa Rodrigues
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