Consultor Jurídico - 15/04/2017
Geralmente, no início de cada ano, o governo federal emite um decreto prevendo limitações de despesas discricionárias ou não obrigatórias (investimentos de custeio em geral), de valores anteriormente autorizados na Lei Orçamentária Anual (LOA). A tal ato dá-se o nome de Decreto de Contingenciamento. Contingenciamento pode ser considerado o retardamento ou a inexecução de parte da programação de despesas orçamentárias, em razão da falta de recursos financeiros. Ou seja, o contingenciamento ocorre quando o governo deixa de repassar verbas aos órgãos e entidades públicas. É o que chamamos de “corte orçamentário”.
Não é novidade que tais cortes orçamentários podem acabar afetando nomeações em concursos públicos. Ora, se não há verbas, as convocações ficam prejudicadas. Cabe ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão autorizar a realização de concursos públicos nos órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, bem como as decisões sobre o provimento dos cargos e empregos públicos e as consequentes nomeações dos candidatos. Desse modo, para que um concurso seja autorizado, e para que os candidatos sejam nomeados, e as vagas, providas, o ministério faz, dentre outras, a análise da disponibilidade financeiro-orçamentária exigida para tanto.
De tal modo, nos casos em que há disponibilidade financeira, o Ministério do Planejamento autoriza a realização do concurso. O mesmo raciocínio vale para as convocações adicionais, ou seja, aquelas que excedem o número de vagas previstas no edital. Durante o prazo de validade do certame, se houver verba e for do interesse da administração pública, o Ministério do Planejamento pode autorizar convocações adicionais.
Tudo isso faz parte do âmbito da discricionariedade administrativa. No entanto, existem situações em que a administração fica obrigada a convocar, ou seja, não há margem para análise da conveniência e oportunidade da nomeação. Nesses casos, podemos dizer que o candidato possui direito subjetivo à nomeação.
Segundo o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, o direito subjetivo à nomeação surge quando: 1) a aprovação se der dentro do número de vagas previstas no edital; 2) houver preterição na nomeação por não observância da ordem de classificação; ou 3) surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos de forma arbitrária e imotivada por parte da administração.
As hipóteses de aprovação dentro do número de vagas previstas no edital e de desrespeito à ordem de classificação não despertam muitas dúvidas. Afinal, já houve a aprovação prévia de orçamento e apenas situações posteriores excepcionalíssimas poderiam desobrigar a nomeação. Porém, quais seriam os reflexos dos cortes orçamentários nas demais situações de preterição de candidatos, nas quais a administração estaria obrigada a nomear candidatos em convocações adicionais?
Eventualmente, os órgãos e entidades públicas fundamentam a negativa de convocação adicional de candidatos na Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000), a qual prevê um limite prudencial de despesas com pessoal. Conforme prevê essa lei, se as despesas com pessoal dos órgãos e entidades públicas ultrapassarem 95% do limite prudencial, resta vedado o provimento de cargos públicos, bem como a admissão ou contratação de pessoal a qualquer título.
Poderia, então, tal limitação servir de óbice ao direito subjetivo à nomeação de um candidato que foi preterido de forma arbitrária e imotivada? Não. Da mesma forma que o candidato aprovado dentro do número de vagas previstas no edital, aquele que foi preterido no seu direito à nomeação, por exemplo, pela contratação temporária ilegal ou o comissionamento indevido, também deve ter sua nomeação garantida, independentemente de questões econômicas ou orçamentárias. Isso porque o que está em jogo, no caso, é a preservação do princípio do concurso público, que pode ser entendido como pleno exercício da cidadania, sendo preceito fundamental o acesso aos cargos públicos, os quais não devem ser mitigados em razão de problemas financeiros do governo.
Além disso, devemos considerar que, como nesses casos de preterição as vagas já existem, tendo as condições para a criação do cargo sido previamente observadas em processo legislativo, não estaríamos diante de aumento de despesas. Ainda, se considerarmos o concurso público como uma das modalidades de licitatórias previstas na Lei 8.666/93, ele certamente seguiu as regras ali contidas também no que diz respeito à previsão de despesas. Portanto, cortes orçamentários não podem impedir o direito subjetivo de candidatos à nomeação, mesmo que estes tenham sido aprovados em cadastros de reservas. Caso contrário, haveria a violação ao dever de boa-fé e respeito à confiança dos cidadãos por parte da administração pública.
Por Fernanda Coelho Kratz e Marcos Joel dos Santos
Fernanda Coelho Kratz é advogada do Cassel Ruzzarin Santos Rodrigues Advogados, especialista em Direito do Servidor.
Marcos Joel dos Santos é advogado do Cassel Ruzzarin Santos Rodrigues Advogados, especialista em Direito do Servidor.
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