Correio Braziliense - 09/04/2017
Modificar as regras de aposentadorias - tanto do serviço público quanto da iniciativa privada - é uma tarefa que tem sido tentada por vários governos, como Fernando Henrique, Lula e Dilma
A base consolidada que ajudou o presidente Michel Temer a substituir a petista Dilma Rousseff após um processo de impeachment, no ano passado, pode não ser suficiente para aprovar a principal reforma que o peemedebista pretende deixar como legado da gestão: a previdenciária. Às vésperas de colocar em votação a Emenda Constitucional na comissão especial, o governo vê diante de si o mesmo quadro enfrentado pelos antecessores: a dificuldade em fazer mudanças concretas, efetivas e duradouras nas regras de aposentadoria dos trabalhadores brasileiros.
Por que, historicamente, os governos têm tantas dificuldades para mexer na Previdência? “Por duas razões essenciais. A primeira é que os brasileiros só aceitam mudanças que representem aumento de remuneração ou diminuição de trabalho. A reforma da Previdência conseguiu, de uma vez só, ser o oposto das duas coisas”, afirma o analista político da XP Investimentos Richard Back. “A segunda é que os políticos só agem em tempos de crise. Se eles fossem capazes de se planejar em tempos de bonança, as reformas poderiam ser bem mais suaves”, completa.
A regra vale para todos os presidentes empossados ao longo dos últimos 22 anos. Eleito embalado pelo Plano Real, que terminou com a hiperinflação que assustava os brasileiros, Fernando Henrique Cardoso conseguiu avançar um pouco em relação aos aposentados do Regime Geral de Previdência, mas quase nada quanto às regras do funcionalismo público. Acabou sendo sufocado pelo PT e os sindicatos, que elevaram o tom do “Fora FHC” até que a gestão do tucano derretesse ao fim do segundo mandato.
Quando o PT chegou ao poder, percebeu que o discurso não podia ser igual às ações de governo. E Lula acabou propondo também uma reforma da Previdência. De efetivo, só a taxação dos inativos em 11% e a aprovação do fundo de previdência complementar dos servidores públicos federais (Funpresp) — que só seria regulamentado em 2012, na administração de Dilma Rousseff. O presidente brincou, à época, com o ministro responsável pela pasta, Ricardo Berzoini. “Se você aprovar o que precisa, jamais será reeleito. Se não aprovar, também não será, porque eu não deixarei o PT dar legenda para você”, provocou.
Dilma, que acabou expurgada do Planalto pelo impeachment, implementou o Funpresp e definiu que quem entrasse no serviço público e quisesse manter a aposentadoria teria de contribuir para um fundo de previdência privada — o governo só garantiria o teto do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Agora, a batuta está nas mãos do presidente Michel Temer. “Romero Jucá (líder do governo no Senado) repete sempre que Temer poderá fazer a reforma justamente por ser impopular. Presidentes populares se recusam a arranhar a própria imagem com medidas desgastantes”, afirma o cientista político Paulo Kramer. “FHC conseguiu quebrar o monopólio da Petrobras, privatizar a telefonia, mas mexeu pouco na Previdência. Ainda assim, fez mais do que Lula”, prossegue.
Benefícios
Para o economista e sócio da Corretora OpenInvest Cesar Bergo, os sucessivos governos fazem questão de camuflar os benefícios e o real tamanho do rombo na Previdência. “É como se fosse uma caixa de energia, ninguém quer colocar o dedo para não levar choque.” Para o especialista em contas públicas da Universidade de Brasília (UnB) José Matias-Pereira, o medo de perder a próxima eleição assusta os políticos. “É como se o governo estivesse mexendo em uma casa de marimbondo”, resume.
Para Matias-Pereira, é fundamental se pensar a longo prazo. “É preciso, por exemplo, investir em educação e saúde por três ou quatro gerações. O Brasil, do ponto de vista das contas públicas, depois que o PT deixou o governo, se parece com um país que passou por uma guerra. E perdeu”, completa. O cientista político da Arko Advice Cristiano Noronha lembra que o discurso das corporações de que a reforma da Previdência afeta os mais pobres também pressiona o cotidiano dos parlamentares.
“Quando você chega em Brasília, você vê aquele monte de gente buzinando, batendo tambor, gritando. Não são pobres que estão lá. Mas eles conseguem vender o discurso de que a reforma promove uma injustiça social”, frisa.
O Planalto trabalha com o discurso eleitoral, mas pela lógica inversa. Expõe aos aliados um estudo mostrando que, se a reforma não for aprovada, a bolsa de valores retorna aos 50 mil pontos e o país pode perder até 1,5 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB). Com isso, o apelo feito é para que os aliados aprovem a reforma. Caso contrário, não serão eles que serão beneficiados, mas a atual oposição, que fará o discurso de terra arrasada.
Por Paulo de Tarso Lyra, Vera Batista
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