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terça-feira, 3 de agosto de 2010
A QUESTÃO AMBIENTAL
A perspectiva ambiental consiste num modo de ver o mundo no qual se evidenciam
as inter-relações e a interdependência dos diversos elementos na constituição e manutenção
À medida que a humanidade aumenta sua capacidade de intervir na natureza para
satisfação de necessidades e desejos crescentes, surgem tensões e conflitos quanto ao uso
do espaço e dos recursos.
Nos últimos séculos, um modelo de civilização se impôs, alicerçado na
industrialização, com sua forma de produção e organização do trabalho, a mecanização da
agricultura, o uso intenso de agrotóxicos e a concentração populacional nas cidades.
Tornaram-se hegemônicas na civilização ocidental as interações sociedade/natureza
adequadas às relações de mercado. A exploração dos recursos naturais se intensificou muito
e adquiriu outras características, a partir das revoluções industriais e do desenvolvimento
de novas tecnologias, associadas a um processo de formação de um mercado mundial
que transforma desde a matéria-prima até os mais sofisticados produtos em demandas
Quando se trata de discutir a questão ambiental, nem sempre se explicita o peso que
realmente têm essas relações de mercado, de grupos de interesses, na determinação das
condições do meio ambiente, o que dá margem à interpretação dos principais danos
ambientais como fruto de uma “maldade” intrínseca ao ser humano.
A demanda global dos recursos naturais deriva de uma formação econômica cuja
base é a produção e o consumo em larga escala. A lógica, associada a essa formação, que
rege o processo de exploração da natureza hoje, é responsável por boa parte da destruição
dos recursos naturais e é criadora de necessidades que exigem, para a sua própria
manutenção, um crescimento sem fim das demandas quantitativas e qualitativas desses
As relações político-econômicas que permitem a continuidade dessa formação
econômica e sua expansão resultam na exploração desenfreada de recursos naturais,
especialmente pelas populações carentes de países subdesenvolvidos como o Brasil. É o
caso, por exemplo, das populações que comercializam madeira da Amazônia, nem sempre
de forma legal, ou dos indígenas do sul da Bahia que queimam suas matas para vender
carvão vegetal.
Os rápidos avanços tecnológicos viabilizaram formas de produção de bens com
conseqüências indesejáveis que se agravam com igual rapidez. A exploração dos recursos
naturais passou a ser feita de forma demasiadamente intensa, a ponto de pôr em risco a sua
renovabilidade. Sabe-se agora da necessidade de entender mais sobre os limites da
renovabilidade de recursos tão básicos como a água, por exemplo.
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Recursos não-renováveis, como o petróleo, ameaçam escassear. De onde se retirava
uma árvore, agora retiram-se centenas. Onde moravam algumas famílias, consumindo
escassa quantidade de água e produzindo poucos detritos, agora moram milhões de famílias,
exigindo a manutenção de imensos mananciais e gerando milhares de toneladas de lixo
Essas diferenças são definitivas para a degradação do meio. Sistemas inteiros de vida
vegetal e animal são tirados de seu equilíbrio. E a riqueza, gerada num modelo econômico
que propicia a concentração da renda, não impede o aumento da miséria e da fome. Algumas
das conseqüências são, por exemplo, o esgotamento do solo, a contaminação da água e a
crescente violência nos centros urbanos.
À medida que tal modelo de desenvolvimento provocou efeitos negativos mais graves,
surgiram manifestações e movimentos que refletiam a consciência de parcelas da população
sobre o perigo que a humanidade corre ao afetar de forma tão violenta o seu meio ambiente.
Em vários países, a preocupação com a preservação de espécies surgiu há muitos anos. No
final do século passado, iniciaram-se manifestações pela preservação de sistemas naturais
que culminaram na criação de Parques Nacionais e em outras Unidades de Conservação1 .
Nas regiões mais industrializadas, passou-se a constatar uma deterioração na qualidade
de vida, o que afeta tanto a saúde física quanto a saúde psicológica das pessoas,
especialmente das que habitam as grandes cidades. Por outro lado, os estudos ecológicos
começaram a tornar evidente que a destruição e até a simples alteração de um único
elemento pode ser nociva e mesmo fatal para todo o ecossistema2 .
Grandes extensões de monocultura, por exemplo, podem determinar a extinção
regional de algumas espécies e a proliferação de outras. Vegetais e animais favorecidos
pela plantação, ou cujos predadores foram exterminados, reproduzem-se de modo
desequilibrado, prejudicando a própria plantação. Eles passam a ser considerados então
A indústria química oferece como solução o uso de praguicidas que acabam, muitas
vezes, envenenando as plantas, o solo, a água e colocam em risco a saúde de trabalhadores
rurais e consumidores.
Assim como em outros países, no Brasil, a preocupação com a exploração descontrolada
e depredatória de recursos naturais passou a existir em função do rareamento do pau-
É nesse contexto que, no final do século passado, surgiu a área do conhecimento que se chamou de Ecologia. O
termo foi proposto em 1866 pelo biólogo Haeckel, e deriva de duas palavras gregas: oikos, que quer dizer “morada”,
e logos, que significa “estudo”. A Ecologia começou como um novo ramo das Ciências Naturais, e seu estudo passa
a sugerir novos campos do conhecimento como a ecologia humana e a economia ecológica. Mas só na década de 1970
o termo passa a ser conhecido do grande público. Com freqüência, porém, ele é usado com outros sentidos e até
como sinônimo de meio ambiente.
Entende-se por ecossistema o “conjunto de interações desenvolvidas pelos componentes vivos (animais, vegetais,
fungos, protozoários e bactérias) e não-vivos (água, gases atmosféricos, sais minerais e radiação solar) de um
determinado ambiente”. SÃO PAULO (Estado), Secretaria do Meio Ambiente, 1992a.
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brasil, há poucos séculos. Foi estabelecida uma regulamentação para a extração de alguns
tipos de madeira, que passaram a ser tratadas como “madeiras de lei”. Hoje, além de ser
um dos maiores países do mundo em extensão, o Brasil ainda possui inúmeros recursos
naturais de fundamental importância para todo o planeta: desde ecossistemas como as
florestas tropicais, o pantanal, o cerrado, os mangues e restingas, até uma grande parte da
água doce disponível para o consumo humano. Dono de uma das maiores biodiversidades3
do mundo, este país tem ainda uma riqueza cultural vinda da interação entre os diversos
grupos étnicos — americanos, africanos, europeus, asiáticos etc. — que traz contribuições
singulares para a relação sociedade/natureza. Parte desse patrimônio cultural consiste no
conhecimento importantíssimo, mas ainda pouco divulgado, dos ecossistemas locais: seu
funcionamento, sua dinâmica e seus recursos.
É preocupante, no entanto, a forma como os recursos naturais e culturais brasileiros
vêm sendo tratados. Poucos produtores conhecem ou dão valor a esse conhecimento do
ambiente em que atuam. Muitas vezes, para utilizar um recurso natural, perde-se outro de
maior valor, como tem sido o caso da formação de pastos em certas áreas da Amazônia.
Com freqüência, também, a extração de um bem (minérios, por exemplo) traz lucros
somente para um pequeno grupo de pessoas, que muitas vezes não são habitantes da região
e levam a riqueza para longe e até para fora do país. A falta de articulação entre ações
sistemáticas de fiscalização, legislação e implantação de programas específicos que
caracterizariam uma política ambiental adequada, além da falta de valorização por parte de
todos, induz esses grupos a deixar essas áreas devastadas, o que custará caro à saúde da
população e aos cofres públicos.
Além disso, a degradação dos ambientes intensamente urbanizados nos quais se
insere a maior parte da população brasileira também é razão de ser deste tema. A fome, a
miséria, a injustiça social, a violência e a baixa qualidade de vida de grande parte da
população brasileira são fatores fortemente relacionados ao modelo de desenvolvimento e
suas implicações.
Problemas como esse vêm confirmar a hipótese, que já se levantava, da possibilidade
de sérios riscos em se manter um alto ritmo de ocupação, com invasão e destruição da
natureza sem conhecimento das implicações para a vida no planeta.
Por volta da metade do século XX, ao conhecimento científico da Ecologia somou-
se um movimento ambientalista voltado, no início, principalmente para a preservação de
grandes áreas de ecossistemas “intocados” pelo ser humano, criando-se parques e reservas.
Isso foi visto muitas vezes como uma preocupação poética de visionários, uma vez que
pregavam o afastamento do ser humano desses espaços, inviabilizando sua exploração
A respeito do termo “biodiversidade” (bio = vida; diversidade = diferença), ver anexo III deste documento.
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Após a Segunda Guerra Mundial, principalmente a partir da década de 60,
intensificou-se a percepção de a humanidade caminhar aceleradamente para o esgotamento
ou a inviabilização de recursos indispensáveis à sua própria sobrevivência. Assim sendo,
algo deveria ser feito para alterar as formas de ocupação do planeta estabelecidas pela
cultura dominante. Esse tipo de constatação gerou o movimento em defesa do ambiente,
que luta para diminuir o acelerado ritmo de destruição dos recursos naturais ainda existentes
e busca alternativas que conciliem, na prática, a conservação da natureza com a qualidade
de vida das populações que dependem dessa natureza.
Toda essa situação colocou em xeque a idéia desenvolvimentista de que a qualidade
de vida dependia unicamente do avanço da ciência e da tecnologia. Todos os problemas
sociais e econômicos teriam, nessa visão, solução com a otimização da exploração dos recursos
naturais. Diante dos problemas que emergiram desse sistema surgiu a necessidade de
repensar o conceito de desenvolvimento.
Do confronto inevitável entre o modelo de desenvolvimento econômico vigente —
que valoriza o aumento de riqueza em detrimento da conservação dos recursos naturais —
e a necessidade vital de conservação do meio ambiente, surge a discussão sobre como
viabilizar o crescimento econômico das nações, explorando os recursos naturais de forma
racional, e não predatória. Estabelece-se, então, uma discussão que está longe de chegar a
um fim, a um consenso geral. Será necessário impor limites ao crescimento? Será possível
o desenvolvimento sem o aumento da destruição? De que tipo de desenvolvimento se
A interdependência mundial se dá também sob o ponto de vista ecológico: o que se
faz num local, num país, pode afetar amplas regiões e ultrapassar várias fronteiras. É o que
acontece, por exemplo, com as armas atômicas. Se um país resolve fazer um experimento
atômico, o mundo todo sofre, em maior ou menor grau, as conseqüências dessa ação. Um
desastre numa usina nuclear atinge, num primeiro momento, apenas o que está mais
próximo: pessoas, alimentos e todas as formas de vida. Num segundo momento, pelas
correntes de água, pelos ventos e pelas teias alimentares, dentre outros processos, o desastre
pode chegar a qualquer parte do mundo.
Com a constatação da inevitável interferência que uma nação exerce sobre outra por
meio das ações relacionadas ao meio ambiente, a questão ambiental — isto é, o conjunto
de temáticas relativas não só à proteção da vida selvagem no planeta, mas também à melhoria
do meio ambiente4 e da qualidade de vida das comunidades — passa a compor a lista dos
temas de relevância internacional.
Em todos os espaços, os recursos naturais e o próprio meio ambiente tornam-se uma
prioridade, um dos componentes mais importantes para o planejamento político e econômico
dos governos, passando então a ser analisados em seu potencial econômico e vistos como
A respeito da conceituação de Meio Ambiente, ver anexo III deste documento.
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fatores estratégicos. O desnível econômico entre grupos sociais e países exerce importante
pressão sobre as políticas econômicas e ambientais em cada parte do mundo. Além disso, o
poderio dos grandes empreendimentos transnacionais torna os recursos naturais e o meio
ambiente capazes de influir fortemente nas decisões ambientais que governos e
comunidades deveriam tomar, especialmente quando envolvem o uso dos recursos naturais.
É nesse contexto que se iniciam as grandes reuniões mundiais sobre o tema5 . Ao
lado da chamada “globalização econômica”, assiste-se à globalização dos problemas
ambientais. Instituiu-se, assim, um fórum internacional em que os países, apesar de suas
imensas divergências, se vêem politicamente obrigados a se posicionar quanto a decisões
ambientais de alcance mundial, a negociar e a legislar, de forma que os direitos e os interesses
de cada nação possam ser minimamente equacionados em função do interesse maior da
humanidade e do planeta.
A ética entre as nações e os povos passa então a incorporar novas exigências com
base numa percepção de mundo em que as ações sejam consideradas em suas conseqüências
mais amplas, tanto no espaço quanto no tempo. Não é só o crime ou a guerra que ameaça
a vida, mas também a forma como se gera, se distribui e se usa a riqueza, a forma como se
trata a natureza.
De qualquer forma, é fundamental a sociedade impor regras ao crescimento, à
exploração e à distribuição dos recursos de modo a garantir a qualidade de vida daqueles
que deles dependam e dos que vivem no espaço do entorno em que são extraídos ou
processados. Portanto, deve-se cuidar, para que o uso econômico dos bens da Terra pelos
seres humanos tenha caráter de conservação, isto é, que gere o menor impacto possível e
respeite as condições de máxima renovabilidade dos recursos. Nos documentos assinados
pela grande maioria dos países do mundo, incluindo-se o Brasil, fala-se em garantir o acesso
de todos aos bens econômicos e culturais necessários ao desenvolvimento pessoal e a uma
boa qualidade de vida, relacionando-o com o conceito de sustentabilidade6 .
Sabe-se que o maior bem-estar das pessoas não é diretamente proporcional à maior
quantidade de bens consumidos. Entretanto, o atual modelo econômico estimula um
consumo crescente e irresponsável condenando a vida na Terra a uma rápida destruição.
Impõe-se, assim, a necessidade de estabelecer um limite a esse consumo.
A primeira conferência internacional promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU) foi a de Estocolmo,
em 1972. E a segunda foi no Rio de Janeiro, em 1992, a Rio/92.
O debate em torno do conceito de desenvolvimento sustentável, apresentado pelo Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente (Pnuma) como sendo a “melhoria da qualidade da vida humana dentro dos limites da capacidade
de suporte dos ecossistemas”, trouxe à tona essa outra terminologia. Optou-se pelo termo “sustentabilidade”, pois
muitos consideram a idéia de desenvolvimento sustentável ambígua, permitindo interpretações contraditórias.
Desenvolvimento é uma noção associada à modernização das sociedades no interior do modelo industrial. Um dos
aspectos mais relevantes para a compreensão da discussão diz respeito a uma característica fundamental dessa idéia
de desenvolvimento: a busca da expansão constante e, de certo modo, ilimitada. Neste sentido, a necessidade de
garantir o desenvolvimento sustentável, consenso nos pactos internacionais, é uma meta praticamente inatingível
numa sociedade organizada sob este modelo de produção. Para maiores esclarecimentos sobre tais conceitos, ver
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De fato, o que se tem de questionar vai além da simples ação de reciclar, reaproveitar,
ou, ainda, reduzir o desperdício de recursos, estratégias que não fogem, por si, da lógica
desenvolvimentista. É preciso apontar para outras relações sociais, outros modos de vida,
ou seja, rediscutir os elementos que dão embasamento a essa lógica.
A forma de organização das sociedades modernas constitui-se no maior problema
para a busca da sustentabilidade (e estão embutidas aqui as profundas diferenças entre
países centrais e periféricos do mundo). A crise ecológica — a primeira grande crise planetária
da história da humanidade — tem dimensão tal que, a despeito das dificuldades, e até
impossibilidade de promover o desenvolvimento sustentável, essas sociedades se vêem
forçadas a desenvolver pesquisas e efetivar ações, mesmo que em pequena escala, para
garantir minimamente a qualidade de vida no planeta. No interior dessas relações mundiais,
porém, somente ações atenuantes têm sido possíveis, pois a garantia efetiva da
sustentabilidade exige uma profunda transformação da sociedade (e do sistema econômico
do capitalismo industrial), substituindo radicalmente os modelos de produção da
subsistência, do saber, de desenvolvimento tecnológico e da distribuição dos bens.
Sustentabilidade, assim, implica o uso dos recursos renováveis de forma
qualitativamente adequada e em quantidades compatíveis com sua capacidade de
renovação, em soluções economicamente viáveis de suprimento das necessidades, além
de relações sociais que permitam qualidade adequada de vida para todos.
A própria perspectiva das necessidades do mercado mundial dificultam muitas
iniciativas nesse sentido. Um bom exemplo disso vem da II Conferência das Nações Unidas
sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento — a Rio/92 — que estabeleceu uma série de
diretrizes para um mundo ambientalmente mais saudável, incluindo metas e ações concretas.
Entre outros documentos, aprovou-se a “Agenda 21”, que reúne propostas de ação para os
países e os povos em geral, bem como estratégias para que essas ações possam ser cumpridas.
Os países da América Latina e do Caribe apresentaram a “Nossa Agenda”, com suas
prioridades. E os governos locais apresentaram a “Agenda Local”.
Apesar da extrema importância desses documentos, ainda não foi posta em prática
boa parte dessas diretrizes e metas, principalmente as de grande escala, pois a competição
no mercado internacional não permite.
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