Diario de Pernambuco - 12/10/2017
Golpes em sistemas eletrônicos têm se tornado cada vez mais comuns. A criatividade dos criminosos, no entanto, superou as expectativas e afetou até servidores da Receita Federal. O surpreendente é que os fraudadores clonaram a documentação das vítimas, inclusive contracheque e senha de consignação do Siapenet (Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos), do Ministério da Fazenda. Entraram em prédio público e conseguiram trocar o código de acesso das vítimas. Com os dados, pediram empréstimos consignados de valores altos, em média R$ 300 mil.
Não levaram o dinheiro porque funcionários da Cooperativa de Crédito Mútuo do Servidor Federal (Credfaz) desconfiaram da operação e denunciaram a fraude. De acordo com Nelson Pessuto, diretor de crédito da Credfaz, neste ano foram identificados quatro casos, com três servidores ativos e um aposentado, entre agosto e setembro. Os bandidos estavam bem articulados. Foram, presencialmente, à cooperativa de regiões diferentes das que supostamente trabalhavam, sob o pretexto de que haviam sido transferidos.
Fizeram o cadastro com toda documentação e pagaram a taxa de adesão. “Quando faz o empréstimo, a pessoa tem que capitalizar 10% do valor”, explicou. “Nos dois casos de fraude, em Belo Horizonte, surpreenderam porque chegaram a depositar cerca de R$ 4,8 mil. Já em Brasília, fizeram opção por descontar do próprio empréstimo”, informou. No DF, a ação ocorreu em curto período de tempo. O falsário disse que era morador do Guará e fez o registro de associação na Credfaz em 16 de agosto. Em 5 de setembro, pediu o empréstimo para ajudar um familiar com problemas de saúde.
Como a Credfaz já conhecia o procedimento do golpista, liberou os R$ 300 mil e preparou uma armadilha: entrou em contato com a polícia, porque o “auditor” teria que comparecer à agência para pegar o dinheiro, onde seria recebido pelos policiais. Porém, ele não apareceu. “Mas o circuito de segurança registrou o momento em que ele foi solicitar o consignado na associação”, salientou Pessuto.
Facilidades
O grande problema, segundo Nelson Pessuto, é que os procedimentos na administração pública são frágeis. “Para a troca de senha, basta levar os documentos e dizer que quer mudar o código de acesso. No primeiro momento, o atendente não tem como comprovar ou negar que a pessoa que se identificou com aquele nome é mesmo a que trabalha para o governo. Uma das hipóteses é de que isso tenha acontecido”, descreveu.
A cooperativa suspeitou das operações porque os criminosos cometeram a falha de escolher pessoas com contracheque limpo e sem dívidas na praça, para facilitar a liberação do crédito. “O perfil do tomador do crédito não convenceu. Quem busca consignado está com o salário comprometido ou tem pouca margem consignável”, destacou Pessuto. Como auditor-fiscal tem altos salários, que vão de R$ 19 mil a R$ 30 mil, no fim de carreira, os empréstimos solicitados pelos fraudadores seriam descontados em 96 prestações mensais de valores entre R$ 6 mil e R$ 7 mil.
Ao suspeitar do perfil do tomador de crédito, a cooperativa entrou em contato com as superintendências do Ministério da Fazenda e com as delegacias sindicais das regiões onde os filiados estariam lotados. “Uma das pessoas que teriam pedido empréstimo era uma mulher que estava em lua de mel”, contou. A Credfaz pediu ao Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco) para que entrasse em contato com as vítimas, a fim de que mudassem as senhas no Ministério da Fazenda e cancelassem autorizações para consignações e registrassem boletim de ocorrência. “Pode ser que estejam tentando financiar outros bens”, alertou Pessuto.
O diretor da Credfaz não descarta a possibilidade da ajuda de pessoas de dentro dos órgãos envolvidos ou dos órgãos emissores de documentos pessoais. “Estranhamente, os cadastros de ativos e de aposentados são expostos no mercado. É muito comum recebermos ofertas de financeiras de crédito e dinheiro fácil”, lamentou Pessuto, que também é auditor aposentado e foi presidente da Unafisco Sindical (quando a entidade era o equivalente ao Sindifisco), entre 1993 e 1999.
“É de causar perplexidade o fato de ter ocorrido dentro do Ministério da Fazenda”, destacou Kleber Cabral, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (atual Unafisco). Para melhorar esse serviço, ele sugere, por exemplo, que, em toda ficha cadastral, tenha a foto do servidor.
Roberto Luis Troster, ex-economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), afirmou que a insegurança de dados é uma realidade no mundo. “E sempre é consequência de falha humana, de um descuido”, explicou. Normalmente, alguém que passa a senha para um amigo ou familiar ou que não muda regularmente o código de acesso. “Nesses casos, sempre se trabalha com a hipótese de fraude de dentro. Mas, normalmente, são facilidades dadas pelo próprio cidadão, como senhas com dias de aniversários próprio ou de filhos e cônjuges.”
De acordo com o Ministério do Planejamento, o sistema é seguro e permite rastrear a identificação do usuário que fez o acesso. O órgão orienta as unidades de gestão de pessoas a não alterarem o endereço eletrônico do servidor, aposentado e pensionista presencialmente. “Todos os procedimentos devem ser pelo Sigepe, a partir de senha pessoal e intransferível”, destacou. “Para fazer uma consignação em folha, o primeiro passo é acessar o Sigepe. Depois de entrar no sistema, o servidor precisa solicitar uma nova senha para cada operação diferente, que é recebida diretamente no e-mail cadastrado”. “Ainda assim, se ocorrerem casos pontuais em que, após apuração, se comprove o desconto indevido de valores no contracheque, a consignatária será obrigada a efetuar o ressarcimento”, ressaltou o ministério.
Falcatrua na praça
Como funcionava o esquema
Os criminosos acessavam os dados pessoais das vítimas pelo Siapnet, clonavam documentos e a senha de consignação, escolhendo servidores com contracheque limpo e sem dívida na praça
Fazendo-se passar por auditores-fiscais da Receita Federal, ativos ou aposentados, iam pessoalmente preencher a ficha dos empréstimos
Procuravam a cooperativa de crédito (Credfaz) de região diferente daquela onde diziam que trabalhavam. Argumentavam que tinham sido removidos para aquele local
Pagavam R$ 120 de depósito de consignação e retornavam para pegar o dinheiro
Os empréstimos consignados tinham valor de aproximadamente R$ 300 mil. O pagamento seria feito em até 96 parcelas fixas de $ 6
mil a R$ 7 mil
Por Vera Batista
Fontes: Credfaz, Sindifisco, Ministério do Planejamento
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