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segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Funcionário público já faz as contas do sacrifício


Célia Perrone
Correio Braziliense     -     07/08/2016



Equipe econômica admite que a resistência no Congresso às mudanças no sistema previdenciário será grande. Mas frisa que está preparada para derrotar as corporações


A reforma da Previdência, que o governo pretende aprovar, se possível, até o fim do primeiro semestre de 2017, pegará os servidores públicos, mas, para eles, as regras serão mais flexíveis, admite um técnico do Ministério da Fazenda. Ele ressalta que também os militares devem dar uma cota menor no sacrifício que será imposto a todos os trabalhadores. "No caso dos militares, ainda há algumas pendências a serem fechadas", diz. "Mas não há como atender o pleito de deixar tudo como está", acrescenta.


Policiais e professores, que hoje se aposentam depois de 25 anos de contribuição, terão as regras igualadas gradualmente ao longo de 15 anos. Quer dizer, ao fim desse período, terão que cumprir a idade mínima para deixar suas funções e receberem os benefícios. No caso das mulheres que trabalham no campo e hoje podem se aposentar aos 55 anos, a partir da aprovação da reforma, a idade mínima aumentará um ano a cada oito meses, até os 65 anos. "Com certeza, com as mudanças, teremos um sistema mais justo", afirma Renato Follador, especialista em Previdência.


Para Follador, o ideal é que todos os sistemas de previdência hoje vigentes convirjam para um só. Ele ressalta que a base do projeto de reforma que está sendo divulgado pelo governo contempla quase todas as propostas que ele sugeriu ao secretário da Previdência do Ministério da Fazenda, Marcelo Caetano. "Não muda nada para quem já está aposentado, mas implanta a idade mínima de 65 anos para homens e mulheres (o governo pode definir 62 anos ou 63 para elas), 35 anos de contribuição para homens e 30 para mulheres, regra de transição que aumenta em até 50% o tempo que falta para se aposentar para quem tem mais de 50 anos", assinala.


Andar de cima


A funcionária pública Luciana Ribeiro de Melo, 36 anos, há nove anos trabalhando no Ministério do Meio Ambiente, acredita que o governo não pode fazer distinção para a idade mínima de aposentadoria entre homens e mulheres. "Acho besteira homem se aposentar mais velho e mulher mais nova. Meu marido me ajuda muito em casa e com nossos dois filhos. Não tem porque eu me aposentar antes dele", frisa. "Como estou inserida nas regras novas do funcionalismo, acredito que não serei tão afetada pela reforma, pois o meu teto já será igual ao do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)", completa.


Para Amaro Henrique do Nascimento, 66, coronel reformado da Aeronáutica, se realmente o governo quiser convencer a sociedade de que a reforma da Previdência é necessária, as mudanças precisam começar de cima, pegando deputados, senadores, magistrados. A fatura, no entender dele, não deve recair apenas sobre os trabalhadores que ganham menos. "A sociedade não aguenta mais pagar impostos para bancar um sistema desigual, cheio de privilégios para poucos", diz. Ele ressalta ainda que o sistema previdenciário está quebrado e o Estado não tem mais como bancá-lo, não do jeito que está.


A advogada Melissa Folmann, diretora científica do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBPD), afirma que a reforma será importante para acabar com mitos que se constroem em cima da desinformação, resultando em um enorme prejuízo para a população. Ela recomenda às pessoas que não se assustem nem corram para antecipar a aposentadoria, pois o resultado pode ser desastroso, com benefícios menores do que se fossem requeridos dois ou três anos depois. "Não haverá retirada de direitos, mas regras de transição. É importante que isso fique bem claro", enfatiza.


Lado bom


Na avaliação do funcionário público Fernando Pereira, 32, o lado bom da reforma é que todos terão regra única. "Veremos um sistema mais justo. Além disso, as mudanças darão garantias de que os meus filhos receberão a parte deles no futuro. O lado ruim é que meu benefício fica limitado ao teto do INSS, mas eu prefiro viver num lugar melhor, que garanta o quinhão das próximas gerações", sintetiza.


O governo já recebeu indicações de que não será fácil quebrar as resistências do Congresso em relação à reforma da Previdência. Por isso, quer encaminhar aos parlamentares um projeto bem elaborado, com substância, para evitar que as corporações, que inviabilizaram as mudanças num passado recente, tenham a voz abafada. "Estamos mapeando todos os focos de resistência, inclusive aqueles fincados na Esplanada dos Ministérios. Vamos derrotá-los. O discurso está pronto para a batalha. Vamos para o tudo ou nada", diz um auxiliar do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. "A população entenderá que estamos propondo o melhor para ela", conclui.


O que as ruas querem saber


Tire suas dúvidas com os especialistas sobre como as mudanças no sistema previdenciário podem afetar sua vida.


Lembre-se que nada está decidido, pois o governo ainda não fechou o projeto que será enviado ao Congresso


Como ficarão as contribuições ao INSS?


A princípio, o recolhimento só deverá mudar para os micrempreendedores individuais (MEI) e para as donas de casa. O Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) propôs ao Ministério da Fazenda que, nos dois casos, a alíquota de contribuição passe de 5% para 8%, gradativamente, a fim de atender a igualdade. Hoje, um trabalhador recolhe, no mínimo, 8% do salário. Considerando que a contribuição seja feita pelo salário mínimo, o empregado terá pago, a valores de hoje, ao fim de 15 anos, R$ 12.672, ao passo que o MEI e a dona de casa terão desembolsado R$ 7.920.


Só terá acesso à aposentadoria quem tiver 65 anos ou mais? Com essa idade, será necessário comprovar tempo de contribuição?


Pelo projeto que está em discussão, independentemente do tempo de contribuição, o que valerá para a aposentadoria será a idade. O governo fala em 65 anos para os homens e 62 ou 63 para as mulheres, sendo que, ao longo do tempo, as idades se igualariam e todos só poderiam se retirar do mercado de trabalho aos 70 anos. Está praticamente certo que as regras que serão aprovadas pelo Congresso valerão, de imediato, para quem tiver até 50 anos na data de promulgação da reforma. Acima dessa idade, haverá um pedágio. O trabalhador terá que contribuir por um tempo extra, entre 40% e 50% do período para a aposentadoria. Ou seja, se ainda faltarem cinco anos para o benefício, a pessoa terá que pagar mais 2,5 anos ao INSS.


Também se exigirá da mulher a idade de 65 anos para se aposentar?


A diferença de idade entre homens e mulheres não se justifica, o Brasil é uma exceção. A equipe econômica defende idade mínima de 65 anos para homens e mulheres, mas o Palácio do Planalto prefere que elas se aposentem aos 62 ou 63 anos. Ao longo do tempo, porém, as idades tendem a se igualar até os 70 anos. Pelas futuras regras, as trabalhadoras do campo, que hoje se aposentam aos 55 anos, terão que sair mais tarde do mercado. A cada oito meses, será adicionado um ano para acesso ao benefício, até chegar aos 65 anos.


Então, o tempo de contribuição deixará de existir?


Se não for extinta, como defendem alguns, a aposentadoria por tempo de contribuição ficará mais rígida. Hoje, quem chega aos 60 anos (mulheres) e aos 65 anos (homens) e pagou o INSS por pelo menos 15 anos pode pedir o benefício. O valor da aposentadoria corresponde a 70% da média das maiores contribuições, sendo acrescida de 1% por ano de pagamento ao INSS. Nas regras futuras, o tempo mínimo de contribuição será de 20 anos e o limite fixo cairá para 60%, mais 1% por ano de contribuição.


O pedágio vai aumentar o tempo de contribuição ao INSS?


Com certeza. Por isso, é bom ir repensando os projetos para a aposentadoria. Alguns dizem que o governo pode optar por um sistema misto, mesclando idade e tempo de contribuição, como existe hoje, por meio da fórmula 85/95. Quem, inclusive, já se encaixa nessa regra deve aproveitar para requerer os benefícios à Previdência. Os valores médios das aposentadorias por essa regra são quase 50% maiores do que as pagas pelo fator previdenciário.


Como deve ser o processo de unificação dos sistemas previdenciários de trabalhadores da iniciativa privada, servidores e militares, além de policiais e professores, que têm um regime especial?


A unificação dos sistemas deve ser entendida por uma dupla acepção: regras e fonte de manutenção. Se pensarmos em regras, os regimes de previdência (INSS e servidores públicos) já estão se aproximando. Desde 2013, as pessoas que ingressaram no serviço público federal deixaram de ter direito à aposentadoria integral. Passaram a ter como teto o valor determinado pelo INSS. Para garantir um benefício acima disso, eles são obrigados a contribuir para um fundo de pensão, no caso, o Funpresp. A unificação dos regimes de previdência terá uma regra de transição que deve durar 15 anos. A grande dúvida é em relação aos militares. Há uma pressão enorme para que tudo continue como está.


O governo manterá as aposentadorias especiais para políticos?


Deputados e senadores são segurados do INSS e recebem aposentadoria de acordo com o mandato, ou seja, 35 anos divididos pelo número de mandatos que exerceu. Por exemplo, se um parlamentar cumpriu dois mandatos, recebe 8/35 vezes a remuneração recebida durante o mandato. A diferença a mais vem do plano de previdência privada do Congresso fornece, para o qual deputados e senadores contribuem com 11% do salário e a Câmara e o Senado, com outros 11%. Está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) a constitucionalidade de leis estaduais e federais que concedem aposentadorias vitalícias para ex-presidentes, ex-governadores e ex-prefeitos. Em 2015, o STF mandou suspender o pagamento do benefício no Pará. Embora a determinação sirva especificamente para o estado, o Supremo abriu caminho para acabar com o privilégio em todo o país.


Quando as novas regras da Previdência devem entrar em vigor?


Tudo ainda está em discussão no governo. A perspectiva é de que o projeto de reforma seja encaminhado ao Congresso até o fim do ano, mas o debate só deverá começar, na melhor das hipóteses, a partir de fevereiro de 2017. Como há muita resistência em relação às mudanças que estão sendo pensadas, é possível que as discussões se arrastem por um longo período. A meta do Palácio do Planalto é que a reforma da Previdência seja promulgada ainda no primeiro semestre do ano que vem.


As regras de hoje continuam intactas?



Sim. Há dois regimes para a aposentadoria. O primeiro soma a idade o tempo de contribuição. Para os homens, a soma deve dar 95. Para as mulheres, 85. A partir de 2018, essa soma aumentará gradualmente, até atingir 90 (mulheres) 100 (homens). O segundo regime é o do fator previdenciário, que obriga os trabalhadores a ficarem um tempo a mais no mercado se não quiserem ter um bom desconto na aposentadoria. A dica é ir a um posto da Previdência e conferir por meio de qual modelo a aposentadoria é maior.

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