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domingo, 4 de outubro de 2015

CGU: desta vez foi por um triz

Jorge Maranhão
Congresso em Foco     -     04/10/2015

“Transformar uma instituição de Estado eminentemente técnica e autônoma num departamento qualquer dentro de um ministério seria dar um tiro no pé. Um grande ato de traição contra uma sociedade que já não suporta mais tantos desmandos”


Já há duas semanas, os movimentos sociais dedicados ao controle social sobre a conduta e os gastos públicos vinham se mostrando preocupados com o destino de uma das mais importantes instituições de controle do país, a Controladoria-Geral da União. Ou, simplesmente, CGU.


Nascida em 2003, sob os auspícios da então recém-criada Constituição Federal – erroneamente chamada de Constituição Cidadã –, a CGU foi criada para ser uma típica agência anticorrupção, responsável pelo controle interno dos repasses de recursos federais para outros entes federativos e privados. Em 2006, a grande virada na qualidade dos serviços, com a criação da Secretaria de Prevenção da Corrupção e Informações Estratégicas.


De alguns anos para cá, primeiro durante o julgamento do mensalão e, depois, ao longo deste processo de investigações do petrolão, a CGU vem minguando diante de seguidos cortes orçamentários e de pessoal. Seu chefe de então, o ex-ministro Jorge Hage, chegou a declarar em público que o órgão vinha sofrendo de “penúria”, que comprometia até coisas básicas como o fornecimento de água e luz.


Que o caos administrativo, financeiro e moral está instalado na cúpula do Executivo brasileiro, isso ninguém mais discorda. Mas, a quem interessa esse estado de coisas, principalmente num órgão de controle? Menos fiscalização, menos transparência, menos punições. Decerto, não à sociedade.


Pois a CGU acaba de escapar por triz dessa reforma ministerial que, como já comentamos, veio mesmo pífia e atabalhoada. Uma das alterações pretendidas atingiria em cheio justamente a CGU, que teria sua função de auditoria distribuída para a Casa Civil.


Seria um verdadeiro desastre para quem ainda sonha com menos descalabros na administração pública. Não é para menos. Afinal, como é que um órgão interno da Casa Civil, com seu status de ministério perdido, teria força institucional para auditar, processar ou mesmo estabelecer sanções a outros ministérios, que estarão então hierarquicamente superiores à CGU? Evidentemente, não haveria força política para tal. Demitir servidores comprovadamente corruptos, então, nem pensar, pois isso é atribuição exclusiva de um ministro de Estado.


Só o fato de a presidente Dilma e seus assessores terem cogitado uma coisa dessas já evidencia uma grave distorção; infelizmente, apenas uma a mais dentre tantos absurdos veiculados diariamente. Mas o mérito, desta vez, é todo da sociedade civil organizada. Para pressionar pela manutenção da CGU como ministério, várias organizações se articularam e até veicularam uma nota de apoio à CGU pela Rede Amarribo, assinada por nada menos que 79 organizações de todo o país. No documento, as entidades denunciam a precarização paulatina dos serviços da Controladoria que, hoje, tem um orçamento equivalente ao da Secretaria das Mulheres, que acabou sendo aglutinada com outras duas.


No fundo, a questão que se enfrenta não é a de simples cortes para se cumprir metas de gastos públicos. É o próprio desentendimento da presidente do que seja o Estado e de quais as suas verdadeiras funções, que não são a de empreender ou tutelar a vida dos cidadãos. Mas, ao contrário, deve ser a de controlar gastos, promover a transparência pública e, acima de tudo, combater a corrupção em todos os níveis.


Transformar uma instituição de Estado eminentemente técnica e autônoma num departamento qualquer dentro de um ministério seria dar um tiro no pé. Um grande ato de traição contra uma sociedade que já não suporta mais tantos desmandos. E aí fica a dúvida, que também vale para as outras instituições de Estado dedicadas à fiscalização e controle dos gastos públicos: o descontrole que isso causaria é apenas o efeito colateral desse desentendimento ou o seu próprio objetivo?


Como as organizações da sociedade disseram em seu documento: “Que a crise econômica não seja usada como desculpa para reduzir o controle da corrupção!“.


E, acreditem, desta vez foi por pouco.



Jorge Maranhão é publicitário, consultor e escritor. Atualmente dirige o Instituto de Cultura de Cidadania A Voz do Cidadão, além de produzir e apresentar boletins semanais sobre cidadania nas rádios Globo e CBN. E-mail: jorge@avozdocidadao.com.br.

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