O servidor que cumpre os requisitos de aposentadoria especial possui direito ao abono de permanência?
A Constituição da República prevê atualmente três hipóteses de aposentadoria especial ao servidor público, nas quais os requisitos para a concessão do benefício previdenciário diferem dos requisitos gerais para a aposentadoria voluntária.
Tais hipóteses estão elencadas no § 4º do artigo 40 da Constituição e se referem a servidores (a) portadores de alguma deficiência; (b) que exerçam atividades de risco; ou (c) aqueles cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, ou seja, atividades penosas ou insalubres, que submetem o trabalhador a agentes químicos ou físicos nocivos.
Já tivemos oportunidades de discutir aqui a evolução (ou a involução) do direito à aposentadoria especial, fruto da omissão ainda persistente do legislador em cumprir o comando constitucional e regulamentar devidamente este direito[1].
Assim, entre as grandes lacunas legislativas nos casos de aposentadoria especial aplicáveis aos servidores públicos, uma delas felizmente tem sido suprida pelos tribunais para a garantia do direito dos servidores – trata-se da possibilidade de concessão do abono de permanência aos servidores que cumprirem aqueles requisitos diferenciados para a aposentadoria especial.
O direito ao abono de permanência consiste no reembolso da contribuição previdenciária devida pelo servidor que cumpre os requisitos para a aposentadoria, mas prefere continuar em atividade. Este direito é previsto no artigo 40, §19, da Constituição Federal, com a seguinte redação:
“Art. 40 […]
19. O servidor de que trata este artigo que tenha completado as exigências para aposentadoria voluntária estabelecidas no § 1º, III, a, e que opte por permanecer em atividade fará jus a um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até completar as exigências para aposentadoria compulsória contidas no § 1º, II.”
Cumpre anotar que a regra geral de concessão do abono de permanência tem por objetivo permitir que os servidores em perfeitas condições de trabalho, mesmo tendo atendido as condições para a aposentadoria voluntária, permaneçam em exercício, o que gera ganho aos cofres públicos.
Entretanto, em uma primeira e apressada leitura, o dispositivo dá a entender que somente os servidores que tenham completado os requisitos gerais de aposentadoria (previstos no artigo 40, §1º, inciso III da Constituição) fariam jus ao abono de permanência. Esta interpretação restritiva, entretanto, não merece prevalecer.
Neste sentido, a discussão sobre o caso dos servidores policiais é emblemática e já antiga.
No caso destes servidores, seu direito à aposentadoria especial é garantido pela Lei Complementar nº 51, de 1985, que foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF).
Ocorre que a LC nº 51/1985 se limita a estabelecer prazos diferenciados para a concessão da aposentadoria, sem regular quaisquer outros aspectos relativos ao benefício.
Dessa forma, frente a esta lacuna e em homenagem ao princípio da isonomia, não há qualquer razão para que a regra de concessão do abono de permanência não seja aplicada aos servidores que cumpram os requisitos para a aposentadoria especial.
Esta interpretação tem sido amplamente reconhecida pela jurisprudência dos tribunais, inclusive do STF. Neste sentido, veja-se a recente decisão proferida pela Primeira Turma da Corte no ARE 782834, de 29/04/2014. Igualmente, o direito ao abono de permanência aos servidores policiais que cumprirem os requisitos de aposentadoria especial também foi reconhecido no âmbito do Tribunal de Contas da União (Acórdão nº 1.343/2010) e pela própria Advocacia-Geral da União ainda no ano de 2008, através da Nota AGU/JD-2/2008.
Mais amplamente, acreditamos que o abono de permanência deve ser concedido a todos os servidores que cumprirem os requisitos para aposentadoria especial, já que não vislumbramos qualquer incompatibilidade entre os institutos.
Daí porque não deve subsistir a regra instituída pelo Ministério da Previdência Social através da Instrução Normativa nº 2, de 2014, que estabelece instruções para a concessão de aposentadoria especial a servidores com deficiência, amparados por ordem em mandado de injunção em virtude da falta de regulamentação legal.
Isso porque tal instrução prevê expressamente que, salvo decisão judicial em sentido contrário, suas regras não serão aplicadas para fundamentar o pagamento de abono de permanência.
Segundo nosso entendimento, contudo, esta regra não possui amparo legal e viola flagrantemente o princípio da isonomia insculpido no texto constitucional, merecendo ser afastada para a garantia da percepção do abono de permanência aos servidores que cumprirem aqueles requisitos de aposentadoria e optarem pela permanência no serviço público.
Por Igor Bueno
[1] Veja-se, a respeito, os seguintes artigos: Súmula do STF sobre aposentadoria especial pouco ajuda servidor <http://www.blogservidorlegal.com.br/sumula-do-stf-sobre-aposentadoria-especial-pouco-ajuda-servidor/>, Aposentadoria especial do servidor com deficiência: regulamentar para melhorar <http://www.blogservidorlegal.com.br/sumula-vinculante-43-e-transposicao-funcional-solucao-para-todos-os-casos/>.
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