Gazeta do Povo - 27/10/2015
(Editorial)
O Brasil ficou mais pobre e, até o momento, praticamente só os trabalhadores privados vêm pagando pela crise
No dia 9 de outubro, o economista Roberto Luis Troster, consultor e ex-professor da Universidade de São Paulo, publicou artigo na Folha de S.Paulo sob o título “Uma proposta para a solvência do Estado”, no qual aborda uma importante questão. Ele parte do desequilíbrio nas contas do setor público previsto para 2016 para sugerir que o sacrifício destinado a reduzir o déficit no orçamento federal seja partilhado entre os trabalhadores do setor privado e os funcionários públicos. Embora as análises e as propostas formuladas pelo autor sejam direcionadas ao governo federal, elas se aplicam integralmente aos governos municipais e estaduais, que também estão com as contas estouradas.
Os déficits para 2016 nas três esferas da federação resultam de vários fatores: estagnação econômica, queda no Produto Interno Bruto (PIB), redução na arrecadação tributária, aumento dos gastos públicos e a eterna incapacidade do governo para cortar despesas da máquina estatal. A situação é tão grave que a presidente Dilma enviou proposta orçamentária ao Congresso Nacional com previsão de déficit primário (receitas menos gastos com pessoal, custeio e investimento, antes do pagamento de juros da dívida) de R$ 30,5 bilhões. Esse déficit é gravíssimo pelo fato de a dívida pública ser muito elevada, já beirando os 65% do PIB, e o governo deve pagar ao menos uma parte dos juros devidos no ano, sem o que o endividamento explode e a crise fica incontrolável.
Como regra, a proposta orçamentária não deve ser enviada ao Congresso com déficit primário, pois o orçamento não pode ser aprovado dessa forma. Apesar de queda do PIB, inflação em alta, aumento do desemprego, redução da renda dos trabalhadores e com vários tributos já aumentados nos municípios, nos estados e na União, o governo não tem disposição para reduzir gastos. O que a presidente Dilma quer mesmo é recriar a CPMF e elevar outros tributos, ou seja, o governo quer jogar o peso da conta sobre o setor produtivo e sobre os trabalhadores privados.
Troster lembra que os trabalhadores privados já estão pagando pela crise com aumento do desemprego e redução de salários no caso das empresas que aderiram ao Programa de Proteção ao Emprego (PPE). O PPE é um instrumento legal que permite às empresas reduzirem a jornada de trabalho dos empregados com corte de até 30% dos salários. Metade dessa redução – portanto, 15% – é coberta com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador, resultando em redução final de 15% na renda recebida pelo empregado. A essência da proposta do autor do artigo é que os funcionários públicos, não submetidos ao risco de desemprego, também entrem com sua cota de sacrifício para diminuir o déficit de seu patrão, o governo.
Se parte dos trabalhadores privados já perdeu ou vai perder seu emprego e outra parte verá seus salários reduzidos, seria lícito pedir aos servidores públicos que, beneficiados com estabilidade no emprego e aposentadoria com o mesmo salário da ativa, participem no combate ao déficit? Troster propõe que em 2016 os servidores públicos dos três poderes com salário acima de R$ 2.364 fiquem sem reajuste salarial. A economia de gastos, considerando inflação de 10%, seria maior que o déficit primário do governo federal. Os servidores com salário de até R$ 2.364 receberiam o reajuste normal. Como o salário do funcionalismo é na média 85% superior ao de empregados do setor privado, argumenta-se que o sacrifício seria menos pesado para eles, pois são os que têm mais para oferecer.
Compreensivelmente, os funcionários do governo protestariam contra qualquer proposta desse tipo; da mesma forma, os vereadores, os deputados e os senadores não têm disposição para dar sua cota de sacrifício. Pelo contrário, vários reajustes em câmaras e assembleias vêm sendo aprovados ou propostos, e a classe política seguirá tentando jogar mais carga sobre as costas da população, como bem demonstram as elevações de tributos já feitas e as propostas de novos aumentos.
Se o país diminuiu o tamanho de sua economia – o PIB de 2014 foi igual ao de 2013 e o PIB de 2015 será entre 2,5% e 3% menor que o de 2014 –, e se o governo entrou em colapso financeiro pela incompetência dos gestores públicos, no mínimo o sacrifício tem de ser melhor repartido. O Brasil ficou mais pobre e, até o momento, praticamente só os trabalhadores privados vêm pagando pela crise. A proposta de Troster pode até mesmo não ser viável, ou não ser a melhor, mas tem o mérito de iniciar o debate e mostrar que os salários no setor público não são uma questão intocável; a discussão a seu respeito é legítima.
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