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domingo, 20 de outubro de 2013

Vaga no governo move desejo de trabalhado

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Diego Amorim
Correio Braziliense     -     20/10/2013

Em Brasília, duas em cada três pessoas empregadas na iniciativa privada se dizem cansadas do que fazem e gostariam de ser servidores

Nas salas lotadas dos cursinhos preparatórios, jovens que ainda nem concluíram o ensino médio ou acabaram de sair da faculdade devoram apostilas, decoram fórmulas, normas e leis ao lado de pais e mães de família com anos de experiência na iniciativa privada. Eles querem, a todo custo, a tal da estabilidade no emprego, acreditando que, por meio dela, terão uma vida considerada tranquila, com o direito de "trabalhar menos e ganhar mais".

Pesquisa inédita do Instituto FSB, obtida com exclusividade pelo Correio, traduz em números um fenômeno próprio da capital do país, que influencia a economia local e, mais do que isso, dita a dinâmica da cidade e mexe com o jeito de ser da população. Quase metade dos trabalhadores do Distrito Federal (47%) assume insatisfação com o que faz e não esconde o sonho de trocar de emprego. Foram ouvidos 1.109 moradores, em 23 regiões administrativas.

Na Brasília dos concursos, praticamente duas em cada três pessoas (63%) que cansaram da atividade atual gostariam de ser Servidor Público. O baixo risco de demissão, mencionado por 39% dos entrevistados, é o que mais encanta os concurseiros. Ganhar mais, em média, aparece em 37% das respostas, tornando os salários melhores o segundo ponto mais lembrado. Apenas 5% demonstram preocupação em crescer na carreira, quando se fala em mudar de trabalho.

Os números reforçam o peso que os brasilienses dão ao funcionalismo público. Para melhorar de vida, no entender de 70% da população, a melhor alternativa seria passar em algum concurso. "A cidade perde com essa ideia. Simplesmente, porque não há vaga para todo mundo que deseja ser servidor", comenta o economista-chefe da Federação das Indústrias do DF (Fibra), Diones Cerqueira. Abrir o próprio negócio foi apontado como solução por 26% dos entrevistados.

Aos 24 anos, Laís Konrad, é o resumo da parcela da população que vê, em um cargo público, a garantia de um futuro melhor. Publicitária, ela vinha atuando como estagiária no Tribunal de Contas da União (TCU). A convivência diária com os servidores mexeu com a forma de ver o mercado de trabalho. "Vi que era possível ganhar bem, sem estresse, ter estabilidade e ainda fazer o que gosta", diz. "Antes de me dedicar aos concursos, trabalhava muito e ganhava mal", conta. Hoje, ela dedicará todo o dia às provas do Banco Central. Lais disputará uma vaga técnica da autoridade monetária, com salário inicial de R$ 5,1 mil. "Estou muito confiante", destaca.

Brasília recebe concurseiros do Entorno e de todos os cantos do país. Não à toa, estima-se que a indústria dos cursinhos movimente por ano, direta e indiretamente, cerca de R$ 1 bilhão. Escolas da cidade chegam a oferecer, a partir do ensino fundamental, disciplinas cobradas em concursos. "É uma cidade movida pelo interesse das pessoas de entrar para o serviço público acreditando que, assim, melhorarão de vida", define Cerqueira.

Planejamento

Casado e pai de três filhos, o comerciário Ezequiel Moura, 41, perdeu as esperanças com a iniciativa privada desde a traumática demissão de uma empresa aérea, na década de 1990. Ele tem consciência de que os maiores salários do mercado jamais serão pagos a técnicos ou mesmo analistas. Foi a estabilidade, conta ele, que determinou o retorno à sala de aula depois de tanto tempo. "O Servidor Público vive melhor, mais tranquilo", defende.

Depender da situação econômica do país e, consequentemente, do planejamento financeiro das companhias para as quais trabalha amedronta Ezequiel. Sem a garantia absoluta do emprego, ele teme não conseguir sustentar a qualidade de vida da família. "A gente nunca sabe o que pode acontecer. Quando precisam cortar gastos, a primeira coisa que as empresas fazem é demitir. E aí? E o futuro? E se eu não pagar as contas?", desabafa o comerciário e concurseiro.

O policial militar Erickson Martines, 40, é da turma que tem como meta menos trabalho e mais salário. "É só o serviço público que lhe permite dormir e acordar despreocupado", acredita ele, que estuda para passar em "concurso melhor". A mulher, a pedagoga Patrícia Alves, 27, também ajustou o foco no funcionalismo e não pensa em outra alternativa. "Estou me esforçando para ter tranquilidade. E todo mundo tem esse direito", diz.

Com quatro meses de vida, o segundo filho do casal acompanha os pais no cursinho. Erickson cuida do bebê, enquanto folheia livros e apostilas e Patrícia participa das aulas preparando-se para a prova da Secretaria de Educação. O sacrifício, alegam eles, valerá a pena. "Como servidor, posso dar mais segurança para minha família. A gente nunca tem controle sobre o dia de amanhã", argumenta o policial, que pretende mudar de corporação.

Mão de obra escassa

A fissura pelo serviço público torna mais difícil para as empresas privadas encontrar mão de obra especializada no Distrito Federal. A maior parte dos empregados qualificados, sublinha o economista-chefe da Federação das Indústrias do DF (Fibra), Diones Cerqueira, trabalha para o Estado ou virou concurseiro. "Ainda prevalece uma cultura dos anos de 1980, quando o serviço público era considerado o único porto seguro possível. A cidade avançou, mas ainda não quebrou esse paradigma", diz.

Esse quadro confirma, no entender de Cerqueira, a necessidade de a cidade criar alternativas, sobretudo na indústria, para absorver os trabalhadores qualificados que só pensam em concurso. Na opinião de Cerqueira, ainda que seja uma capital administrativa, o centro do poder, Brasília precisa urgentemente diversificar o setor produtivo, sob o risco de manter níveis de desemprego superiores à média nacional. "Essa curva terá de ser invertida. O setor público está cada vez mais restrito. Em algum momento, essas pessoas recorrerão à iniciativa privada", prevê.

O levantamento do Instituto FSB, mostrando que dois em cada três trabalhadores da iniciativa privada trocaria o que faz hoje por uma vaga no serviço público, leva em conta somente a realidade do DF. Especialistas deixam claro que em outros centros urbanos brasileiros - e mesmo em capitais federais pelo mundo -, a situação é bem diferente. "É uma cultura muito típica de Brasília", insiste Rita Brum, sócia-proprietaria da Rhaiz consultoria em recursos humanos.

Os altos salários ofertados pelo serviço público, reforça o professor da Universidade de Brasília (UnB) Carlos Alberto Ramos, podem representar uma ameaça ao setor privado. "Como os concursos são muito exigentes, o mercado acaba perdendo mão de obra qualificada. Para não ficar sem esses profissionais, as empresas se veem obrigadas a aumentar salários e a pagar tão bem quanto", pontua.

Para Ramos, especialista em mercado de trabalho, o fato de Brasília oferecer salários maiores para servidores justifica um contigente tão grande de candidatos que sonham com um espaço na administração pública. "Além disso, as oportunidades no mercado privado no DF são muito limitadas", completa.

O batalhão de pessoas insatisfeitas com o trabalho apontado pela pesquisa (63%), conclui ele, não surpreende. "Menores níveis de desemprego, principalmente no centro-sul do país, estimulam no trabalhador uma vontade de procurar algo melhor, com salário mais alto", sublinha Ramos. (Colaborou Bárbara Nascimento)

Contraste

A mesma pesquisa sobre a força do serviço público no DF indica que para a metade da população brasiliense, as contas se ajustaram e a vida ficou mais fácil nos últimos anos. Desses, 37% atribuem a melhora a um mix de aumento de salário, acesso facilitado ao crédito e maior poder de compra.

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