A Vez da Malária Mania
A nova onda entre celebridades engajadas, como Sharon Stone, Oprah, Ashton Kutcher e David Beckham, é comprar mosquiteiros para as vítimas da doença que mata uma criança a cada 30 segundos. A ação reduz o número de mortes, mas não acaba com o mal. E pode até prejudicar a economia local
Fausto Salvadori
Imagens: Gian La Barbera
A largada foi dada em janeiro de 2005, na gélida cidadezinha suíça de Davos. A atriz Sharon Stone, transformada em celebridade hollywoodiana por um cruzar de pernas sem calcinha no filme "Instinto Selvagem" (1993), nem precisou tirar a roupa para quebrar o gelo de uma das reuniões do Fórum Econômico Mundial. Ela assistia a uma fala de Bill Gates, que, na tentativa de trocar a imagem de empresário monopolista pela de filantropo, discursava sobre a malária , descrevendo como a doença que matava 1 milhão de pessoas por ano poderia ser detida com a distribuição de mosquiteiros impregnados de inseticida . Foi quando a atriz pediu a palavra. Ali mesmo, Sharon Stone anunciou a doação de US$ 10 mil para a causa e perguntou aos ricaços presentes quem mais estava disposto a contribuir. Os senhores engravatados não fizeram feio diante da loura e, em dez minutos, uma vaquinha improvisada entre os presentes arrecadou US$ 1 milhão para as vítimas da malária na Tanzânia.
A doença havia entrado para a agenda do showbiz humanitário. Comprar mosquiteiros para as famílias da África virou mania entre as celebridades engajadas, tanto quanto adotar crianças em orfanatos do Terceiro Mundo ou fazer shows beneficentes por um mundo melhor. Até Jack Bauer deu um tempo na guerra contra o terror para enfrentar os mosquitos: durante o lançamento do longa 24 Horas - Redenção, em novembro do ano passado, o protagonista Kiefer Sutherland aproveitou que o filme se passava na África e lançou a campanha "Enfrente a malária com Jack Bauer", com vídeos e leilões de ingressos.
Na Flórida, a luta contra o pequeno e letal inseto virou balada. Estudantes do ensino médio inventaram a festa "Staying alive", com entradas a US$ 10 - o custo calculado para comprar um mosquiteiro e enviá-lo até uma família africana.
TWITTER X MOSQUITO
O time de futebol Barcelona, da Espanha, participou de partidas beneficentes e vestiu a camisa da campanha "Mais do que um clube: um chute na malária". A inscrição "Malaria No More" apareceu nos carros de corrida da equipe Patrón Highcroft Racing, que doou US$ 10 para cada uma das 4.500 milhas da prova American Le Mans Series. Em abril, o jogador David Beckham e o campeão de tênis Andy Murray, entre outros, posaram para fotos após colocarem um mosquiteiro na porta do escritório do premiê britânico Gordon Brown.
E a malária virou hit também na web. Para se tornar o perfil mais popular do microblog Twitter, o ator Ashton Kutcher prometeu que compraria 10 mil mosquiteiros para a África caso atingisse a marca de um milhão de seguidores antes da rede de notícias CNN. Não deu outra. Kutcher bateu o recorde do site e fez a doação de US$ 100 mil em abril, gesto repetido pela CNN. A apresentadora Oprah Winfrey não quis ficar para trás e estreou no Twitter doando 20 mil mosquiteiros.
Nada mal para aquela que costumava ser vista como o patinho feio das enfermidades, considerada doença de pobre. "Por ser um mal que atinge as populações menos abastadas, a malária não desperta a mesma preocupação de outras doenças", afirma Claudio Ribeiro, chefe do Laboratório de Pesquisas em Malária da Fiocruz. Ele lembra que, nos anos 90, um estudo da Wellcome Trust Foundation apontou que os investimentos em pesquisas médicas com malária consumiam US$ 60 por paciente, enquanto os gastos com Aids chegavam a US$ 3.000, embora atingissem um número semelhante de pessoas. "Vejo com bons olhos que gente que ganha mais que o PIB de alguns países africanos esteja se interessando por esse problema."
Boas intenções à parte, a adoção de bandeiras humanitárias tornou-se uma necessidade da indústria de celebridades, segundo Paulo Nassar, coordenador do curso de relações públicas da Universidade de São Paulo (USP). Para o professor, os famosos tornaram-se empresas - "celebridades S/A" - que precisam se mostrar tão úteis como qualquer produto. Mais do que isso: elas devem ser vistas como transcendentes, capazes de fazer a diferença diante dos problemas sociais. "Para isso, essas superestrelas podem escolher uma 'causa bacana' entre as várias que o mercado oferece", diz.
Na gôndola dessas causas, a malária conseguiu se destacar por oferecer uma boa relação custo/benefício. "Eliminar a malária na África é o melhor investimento humanitário que podemos fazer no mundo hoje. Nada mais pode ter o mesmo impacto em tantas vidas de um modo tão rápido e barato", afirma, em tom propagandístico, o site da Malaria No More (www.malarianomore.org) - ONG com sede em Nova York responsável por boa parte das ações envolvendo celebridades e malária.
De fato, a mera distribuição de mosquiteiros já é suficiente para salvar milhares de vidas, principalmente de crianças. Relatório da Unicef apontou que o aumento no uso de mosquiteiros evitou a morte de 125 mil pessoas em dez países africanos entre 2001 e 2007. No mesmo período, a quantidade de crianças protegidas por mosquiteiros saltou de 2% para 20% em 19 países.
DOENTES POR ENGAJAMENTO
Fitinha contra Aids, camiseta contra o câncer de mama. Veja histórias de doenças que viraram moda entre as celebridades
AIDS
Nos anos 80, a Aids era considerada doença de homossexuais e viciados. Combatê-la, portanto, era uma bandeira multifuncional, pois significava enfrentar o preconceito e as drogas. E até hoje estrelas como Kate Perry aderem à luta.
CÂNCER DE MAMA
Essa luta virou fashion depois que Ralph Lauren lançou a campanha Fashion Targets Breast Cancer, em 1994. Supermodelos como Gisele Bündchen vestiram a camiseta com o alvo criada pelo estilista.
MORTALIDADE INFANTIL
Duas pitadas de sal, um punhado de açúcar. A dupla Sandy & Junior e a ex-estrela infantil Simony foram alguns dos ídolos que, nos anos 90, ensinaram a receita do soro caseiro para combater a diarreia infantil.
CÂNCER INFANTIL
Essa é uma realidade tão cruel que, para os ateus, é uma das provas da inexistência de Deus. De lanchonetes a celebridades, de McDonald's a Britney Spears, é difícil encontrar quem resista a posar ao lado de sorridentes crianças hospitalizadas.
E OS AFRICANOS COM ISSO?
Mas não espere para ver tão cedo na CNN imagens de Ashton Kutcher e David Beckham passeando de mãos dadas com crianças por uma África livre da doença. Os especialistas advertem que os mosquiteiros sozinhos não vão eliminar o mal. "Erradicar a malária passa por solucionar os problemas sociais que atingem a África negra. A malária está ligada à fome e à ausência de moradias adequadas e saneamento básico", afirma o infectologista Marcos Boulos, diretor da Faculdade de Medicina da USP. "Quando ocorre o desenvolvimento social de uma região, a solução da malária é um subproduto."
Curiosamente, uma das raras vozes dissonantes que se recusa a participar da festa pela malária pop vem justamente da África - uma novidade para a opinião pública mundial, acostumada a ver apenas celebridades de olhos azuis falarem pelo continente. Nascida na Zâmbia, a economista Dambisa Moyo, eleita uma das 100 pessoas mais influentes de 2009 pela revista Time, defende que as doações arregimentadas pelas celebridades só prejudicaram a economia africana e que o continente precisa não de esmolas, mas de investimentos que façam sua economia andar com as próprias pernas.
PARA ECONOMISTA AFRICANA, O CONTINENTE NÃO PRECISA DE ESMOLAS, MAS, SIM, DE INVESTIMENTOS PRODUTIVOS PARA QUE A ECONOMIA LOCAL PASSE A ANDAR COM AS PRÓPRIAS PERNAS
No seu livro Dead Aid, Dambisa ataca os estrangeiros que doam mosquiteiros fabricados no exterior em vez de estimular a indústria local comprando produtos africanos. "Há um fabricante de mosquiteiros na África. Ele produz 500 mosquiteiros por semana. Aí entram um monte de estrelas barulhentas de Hollywood que lideram as massas e levam os governos ocidentais a comprarem 100 mil mosquiteiros para a região afetada, a um custo de milhões de dólares. Com o mercado inundado por mosquiteiros estrangeiros, nosso fabricante está automaticamente fora do negócio", afirma.
Faz mais de duas décadas, em 1985, que Michael Jackson, Lionel Richie, Cindy Lauper e mais um grupo de celebridades se deu as mãos para cantar "We are the world" e tentar salvar a África da fome. A festa bombou, mas depois disso a luz se apagou e nada no continente mudou. Resta saber se a maláriamania seguirá pelo mesmo caminho ou se conseguirá um ponto de virada na triste história das "causas bacanas" africanas.
O MOSQUITO EM NÚMEROS
As crianças são as principais vítimas
• 85% dos mortos são crianças menores de 5 anos
• 250 milhões de pessoas pegam malária a cada ano
• 91% das mortes ocorrem na África
• 1 milhão de vítimas morre por ano
• Uma criança morre a cada 30 segundos vítima de malária
• 3,3 bilhões de pessoas em 109 países vivem em áreas com risco de infecção
NO BRASIL
2007 >>> 458.634 casos >>> 94 mortes
2008 >>> 306.347 casos >>> Número de mortes não disponível
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