Antes de se mudar para Rondônia, Adanil Oliveira Rodrigues, mineiro de Ipanema, passou por Grandes Rios e Barbosa Ferraz (ambas no Paraná). Perguntei-lhe do sanitarista Raul Diniz, lembrando-o pelo teste com a mefloquina no extinto Território Federal. Adanil não apenas recordou a luta da Sucam nos tempos de Diniz, mas o sacrifício de maridos e mulheres para salvar os filhos do ataque da malária.
Diniz era o responsável pela Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam) no velho Território. Adanil depõe: “Mais de 28 anos de labuta que não desejo a ninguém! No inicio o bicho pegava, a malária estava em alta e os guerreiros, digo, soldados do combate, tinham de encarar as áreas endêmicas e o dito cujo adentrava em locais onde o filho chorava e a mãe não ouvia! Geralmente ficávamos fora de casa até 15 dias! E se almoçávamos, muitas vezes dormíamos sem janta. Não que os moradores regulassem o que comer, é que a situação era precária, os migrantes vinham de rincões distantes e com pouco recurso. Dormiam em escolas e até em tulhas ou em redes, debaixo de árvores”.
Emociona-se: “Cobras e onças rondavam o ambiente, mas a luta valeu, porque derrotamos a malária, combatendo-a com o famoso DDT, que para o Ministério da Saúde não apresentava efeitos colaterais. Hoje (ainda em 2012), vários colegas estão com sequelas! Eu, com cinco e meio por cento de contaminação! Movemos ação contra o governo, porque o DDT é biodegradável, isto é, não sai do sangue e causa vários sintomas. No governo FHC perdemos o direito de aposentarmos aos 25 anos de serviço, por insalubridade. Continuo na ativa no combate à dengue, agora com trabalho mais leve, e mesmo assim ainda nos entristecemos ao ouvir pessoas dizerem que não fazemos nada! Pimenta no olho alheio é refresco! Com fé em Deus, vamos tentar controlar a dengue, o que depende do apoio da população: o trabalho é conscientização e tratamento químico. Vamos pedir a Deus que afaste uma epidemia, pois não se brinca com essa doença que mata e deixa pessoas deficientes!”Dizia-se em meados dos 1970 que um parente poderia ficar sem o endereço do outro que se mudou para Rondônia, entretanto, se recorresse aos trabalhadores da Sucam iria encontrá-lo com facilidade. Mais rapidamente que os Correios. Os heróis da floresta, esses agentes de saúde sabiam onde localizá-los. Com precisão impressionante.
Até o final dos anos 1970 a fama pertencia a Ariquemes, pejorativamente conhecida por Aritremis, mas em 1984 Jaru passava à frente nas lamentáveis estatísticas da malária. Alcançava a triste classificação de “campeão mundial da malária”.
Publiquei na edição de 6/2/1984 no Jornal do Brasil a informação do médico Olivar Emmanoel Coutinho da Fonseca, então diretor da Unidade Mista de Saúde daquele município da BR-364, a 280 quilômetros de Porto Velho: de cada quinhentos internamentos, pelo menos trezentos eram motivados por essa doença, campeã das endemias no mundo.
“É impossível acabar com ela”, desabafava o médico Emannoel Fonseca. Em trabalho conjunto com a Sucam, ele destacava 15 agentes de saúde para conscientizar a população rural – especialmente nos projetos de colonização – sobre os efeitos de drogas à base de quinino e as maneiras de evitar a malária. Quinze por cento dos casos ocorridos em Jaru haviam sido detectados na zona urbana, principalmente entre homens. A situação piorava com a chegada de garimpeiros à Serra Sem Calças, constatava o então secretário de saúde, José Adelino da Silva.
A equipe dos professores Cláudio Ribeiro e Leônidas Deane, pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz, voltava para o Rio de Janeiro em julho de 1986. No relatório, escreveram que a incidência de malária em Rondônia assustava “o sanitarista mais imunizado.” Uma menina de apenas seis anos de idade havia sido vítima de dez surtos da doença.
A angústia dos colonos crescia, na medida em que visitavam a cidade, onde já preocupava a ocorrência de tifo, leishmaniose e hanseníase. A 30 quilômetros dali, a malária matava quatro pessoas em Ouro Preto do Oeste. Atacados pelo mosquito anofelino (transmissor da doença) no Distrito de Abunã, um geólogo, um administrador, um motorista e 20 trabalhadores braçais tiveram que paralisar a pesquisa de ouro e cassiterita. Os maiores focos nessa região alastravam-se nos garimpos de Mutumparaná e Paredão.
A partir de Jaru, a doença era reconhecida não apenas nos relatórios da Saúde Pública, mas despertava o Banco Mundial. Oscar Echeverría, economista dessa instituição, informava a respeito do interesse do banco em apoiar o combate aos focos da doença. Prometia aumentar para 55% a parcela de recursos ao setor de saúde em Rondônia. Explica-se: o banco financiava o Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil (Polonoroeste), que custeava a ferro e a fogo a colonização rondoniense, investindo só em 1984 o montante de 80 bilhões de cruzeiros no mais novo estado brasileiro.
Para controlar a malária, o banco buscava o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da extinta (e ressuscitada em 2010) Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco). Mas essa doença, que não atacava apenas em Jaru, estava por todos os cantos de Rondônia.
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*Montezuma Cruz é editor de Amazônias. Colabora com Gente de Opinião, CaféHistória, Revista Momento, Supersitegood e Revista Sina (ambos de Cuiabá).
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