Jornal do Senado - 30/05/2017
Especialistas em direito previdenciário ouvidos em debate da CPI disseram que a proposta do governo em análise no Congresso parte de diagnósticos equivocados e de premissas seletivas
Advogados especialistas em direito previdenciário ouvidos ontem pela Comissão Parlamentar de Inquérito da Previdência (CPI) foram unânimes em afirmar que a reforma proposta pelo Executivo para o setor parte de “diagnósticos equivocados” e “premissas seletivas”. Segundo uma das convidadas da audiência, Thais Riedel, os cálculos que apontam deficit no setor deliberadamente excluem receitas que, enquanto não têm caráter diretamente previdenciário, existem para minimizar riscos do sistema como um todo. — Quando se desconsidera o conjunto das contribuições, desconfigura-se o que foi pensado na Constituição em termos de custeio. O regime de repartição consegue pagar uma maior quantidade de riscos porque no grupo eles se diluem.
A advogada disse que o problema do envelhecimento populacional, que reduz a proporção entre população ativa e inativa ao longo do tempo, já foi considerado na elaboração do sistema. A Previdência é abastecida com cobranças sobre lucros das empresas, importações e loterias, por exemplo, porque essas bases de cálculo, segundo ela, estão mais imunes a mudanças na pirâmide etária. Para Thais, o regime atual, em que a Previdência é integrada a áreas como saúde e assistência social, é o mais eficiente para proteger a população de forma sustentável, pois usa as contribuições para garantir a qualidade de vida, que, por sua vez, vai garantir que a população economicamente ativa continue produtiva e contribuindo. — O Estado percebeu que não somos previdentes. É da nossa natureza. Não pensamos que há riscos inerentes à existência humana. Não temos, normalmente, disciplina de fazer uma poupança para uma eventual situação de risco.
Irresponsabilidade
O advogado Diego Cherulli observou que o cálculo que aponta deficit mistura os servidores públicos federais e os militares ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS), “o que é incorreto, porque eles possuem regimes próprios, com custeio à parte, e não integram a seguridade social”. Para Cherulli, o Executivo tem usado mal o “fundo poupador” da Previdência. Criado pela Emenda Constitucional 20/1998, com o objetivo de guardar e investir eventuais superavits previdenciários para o futuro, o fundo tem sido usado por sucessivos governos como caixa para despesas correntes. — Quando o legislador diversificou a base de financiamento, sabia que iria sobrar e que precisaria poupar para garantir o pagamento dos benefícios no futuro. Os técnicos não se adaptaram às novas disposições e mantiveram a aplicabilidade da regra antiga: só folha de pagamento custeia a Previdência.
Essa prática se enquadra como violação da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Adriane Bramante apresentou dados dos portais da Previdência Social que, para ela, indicam erros na elaboração e no direcionamento da reforma. Ela destacou que mais de 80% dos benefícios do RGPS são de até dois salários mínimos. A advogada afirmou que o grande problema da Previdência hoje não é de estrutura, mas de gestão da seguridade social. —Há ineficiência administrativa que leva à judicialização, fiscalização ineficiente que não consegue prevenir acidentes de trabalho e problemas no sistema de saúde que sobrecarregam os benefícios assistenciais. Além disso, o próprio RGPS contém distorções, como desequilíbrios para a concessão de alguns benefícios.
Funcionalismo
Ainda de acordo com a advogada, a Previdência é falha no trabalho de estimular os cidadãos a contribuírem. Segundo ela, há cerca de 10 milhões de pessoas na “informalidade previdenciária”. — Apesar de termos uma Previdência que tem a função de distribuição de renda, a propaganda é invertida. Falta educação previdenciária, o que afasta as pessoas do sistema. Segundo Theodoro Agostinho, há desconhecimento, entre os proponentes da reforma, de aspectos como a previdência do setor público. O advogado disse que o regime próprio do funcionalismo passou por alterações recentes que corrigiram desigualdades e permitirão a equalização do sistema nos próximos anos. Além disso, observou que, diferentemente dos trabalhadores do setor privado, os servidores públicos precisam contribuir para a Previdência mesmo quando aposentados.
Setor rural
Jane Berwanger alertou sobre o risco social de se alterar o regime especial que beneficia os trabalhadores rurais. Ela afirmou que, caso passe a vigorar um sistema de contribuições individuais voluntárias, a tendência é que as mulheres fiquem desprotegidas, pois não terão como efetuar as suas próprias contribuições. Além disso, segundo ela, essa mudança subverteria um dos principais objetivos da aposentadoria rural, que é a redução de desigualdades regionais. Atualmente, o sistema é desenhado para que regiões menos produtivas não fiquem descobertas. A coordenadora da associação Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lucia Fattorelli, pediu à CPI que trabalhe para identificar as causas do rombo em todas contas públicas do país, e não apenas nas da Previdência. Para isso, sugeriu o estudo das conclusões da CPI da Dívida Pública, realizada pela Câmara de 2009 a 2010.
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