Um novo ciclo na relação com os servidores
Folha de S. Paulo - 10/09/2012
Miriam Belchior
O governo cortou espaço para aumentos acima da inflação, os trabalhadores do setor privado são mais vulneráveis. É preciso regular as greves dos servidores
O final de agosto marcou o término de um dos maiores ciclos de negociação salarial do mundo. Algo comparado ao "Spring Offensive", fenômeno do modelo japonês de relações de trabalho. O processo brasileiro envolveu, de uma só vez, mais de 1,9 milhão de trabalhadores do executivo federal, organizados em cerca de 50 carreiras e representados por 30 entidades sindicais.
Essa negociação foi vitoriosa para todos. Os trabalhadores conquistaram, em sua maioria, reajustes de 15,8% da despesa de pessoal, parcelados até 2015. E o governo garantiu previsibilidade com a segunda maior despesa da União, a sua folha de pagamento. Antevendo o que ocorrerá com essa despesa, o governo poderá redefinir prioridades e intensificar ações que mantenham o Brasil protegido dos efeitos da crise econômica internacional.
Reflexões sobre esse processo ainda recente são indispensáveis.
Todas as reivindicações do funcionalismo somadas alcançaram R$ 92,2 bilhões, o que representa metade da atual folha de pagamento ou o dobro dos recursos disponíveis para investimentos do PAC em 2012.
Diante disso, o governo analisou o que ocorreu nos últimos nove anos e elegeu prioridades.
O primeiro movimento revelou que todas as categorias tiveram reajustes acima da inflação nos últimos nove anos, ou seja, aumentos reais. Isso ocorreu a partir de 2003, quando os salários haviam atingido limites críticos de perdas, as carreiras estavam desestruturadas e o Estado com baixa capacidade de responder às suas primárias atribuições.
Os aumentos salariais e as reestruturações de carreiras ocorridas desde então foram fundamentais para atrair e manter profissionais qualificados e serviços à população. Os maiores ingressos realizados, nesse mesmo período, foram voltados para a melhoria do atendimento direto à população, principalmente na educação (61%) e previdência (15%).
Nesse aspecto, o governo considera que o dever de casa foi cumprido, diminuindo a margem para grandes reestruturações de carreiras e elevações salariais acima da inflação. Hoje, esses ganhos precisam ser mantidos com responsabilidade fiscal e atenção à realidade dos trabalhadores do setor privado, mais vulneráveis às instabilidades econômicas.
A consequência do segundo movimento foi a definição das áreas prioritárias, para as quais o governo ofereceu reajustes diferenciados, entre elas educação, meio ambiente e militares. Ao final do processo de negociações, o governo federal fechou acordo com 93% dos servidores públicos, que aceitaram a proposta de reajuste, em parcelas até 2015.
Ao longo dos últimos três meses, o respeito mútuo e o diálogo permanente prevaleceram na mesa de negociação. Excessos, contudo, ocorreram. Em alguns casos, a greve, considerada último recurso a ser utilizado após o encerramento do diálogo, tornou-se o primeiro instrumento de pressão de algumas categorias. Paralisações privaram a população de acesso a direitos básicos e expuseram feridas éticas impingidas ao próprio ofício.
Como fez neste ano, o governo continuará agindo de maneira firme para manter a prestação de serviço à população e proteger a economia brasileira.
Muitos excessos ocorreram pela falta de regras específicas que regulem a negociação coletiva e as greves no setor público. Essa lacuna está causando um desequilíbrio entre o direito de greve e os direitos dos demais cidadãos. É preciso abrir e ampliar o debate em toda a sociedade para que regras sejam discutidas e estabelecidas, abrindo assim um novo ciclo de relações entre servidores, governo e sociedade.
(MIRIAM BELCHIOR, 54, engenheira, é ministra do Planejamento, Orçamento e Gestão)
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