Brasil 247 - 06/10/2017
Ontem, dia 04, foi aprovada na comissão de constituição e justiça do senado o fim da estabilidade do funcionário público.
Não cabe qualquer ilusão de que o projeto possa ser barrado num congresso movido a dinheiro de um governo que entrega todo o Estado brasileiro para se manter mais um mês.
Mesmo porque esta, ao contrário das outras reformas inconstitucionais aprovadas por esse governo ilegítimo, é uma mera regulamentação do artigo 41 de nossa constituição que estabelece que o servidor estável pode perder o cargo em caso de resultado insatisfatório "mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa".
E também porque ao contrário do congelamento da saúde e educação, do fim dos direitos trabalhistas e do fim da aposentadoria, esse projeto de lei conta com amplo apoio popular.
Quem pode ser contra a demissão de maus funcionários públicos? Contra a avaliação justa do desempenho de servidores? Só maus funcionários públicos.
O discurso da avaliação de desempenho é irresistível, quem poderia ser contra? Eu não sou. Embora eu, professor funcionário público, passe por avaliações de desempenho frequentes (a próxima será em seis meses), reconheço que elas são hoje ineficientes.
Mas eu peço a você leitor, mesmo que odeie os funcionários públicos, que faça uma reflexão.
Se os autores do projeto tivessem interesse na melhoria dos serviços públicos, porque não teriam proposto algo como a oficialização da remuneração variável?
Sim, algo que comprovadamente melhora o desempenho do servidor, com um salário base que caracterize a estabilidade, o resto da remuneração seria dependente de metas de desempenho publicamente estabelecidas.
Mas acima de tudo, se o projeto do DEM tivesse realmente como foco a melhoria dos serviços públicos, quem deveria julgar essas metas de desempenho, além de critérios objetivos, seria a população, seria você, usuário dos serviços, não políticos indicados.
Sim, porque o projeto atual introduz o subjetivo na avaliação e coloca esse poder na mão de chefes que, no topo da hierarquia, estarão subordinados a políticos indicados, geralmente corruptos e fisiológicos.
Ele foi aprovado pelos mesmos bandidos que roubaram seus direitos trabalhistas, sua saúde pública, sua aposentadoria e mesmo o dinheiro de seus impostos.
Ele não pode ser para seu bem, ele é mais um crime premeditado contra o Estado brasileiro.
Ele é o fim do que caracteriza a criação de um Estado independente de governos corruptos e seus sabores ideológicos: a estabilidade do funcionário público, da carreira de Estado.
Ele abrirá as portas para as demissões em massa que pretendem pagar a conta da crise destruindo os serviços públicos.
Ele marcará o fim da independência de órgãos públicos e servidores atemorizados com a ameaça da demissão pelos donos do poder e do dinheiro.
Ele calará o servidor em suas manifestações políticas, ampliando a repressão ideológica típica da iniciativa privada para as entranhas do Estado.
Ele com o tempo expulsará do serviço público os mais dignos e promoverá os mais canalhas, aqueles que estão sempre prontos a se curvar a qualquer chefe, direção política ou negociata.
Ele alimentará o fisiologismo e a contratação de terceirizados apaniguados de políticos na esfera federal, estadual e municipal instaurando no Brasil um nível inédito de desperdício de recursos públicos, incompetência e vagabundagem protegida.
Ele marcará o fim dos concursos públicos tão ardentemente esperados por nossos jovens mais estudiosos, que sonham ascender ao serviço público por mérito e dedicar seus talentos a realizar o bem público, não o lucro privado.
A Psicologia da felicidade revela um aspecto muito obscuro de nossa natureza, conhecido como princípio da privação relativa. Segundo ele, nosso nível de bem-estar subjetivo é comparativo, depende do nível de bem-estar atribuído a nossos semelhantes.
E a maioria dos trabalhadores privados brasileiros, esmagados por um cotidiano brutal e uma exploração sem limites, imagina no servidor público um marajá que ganha fortunas para não trabalhar e não sofrer da angústia do desemprego.
Intimamente, esses brasileiros experimentarão uma grande satisfação em ver essa angústia e essa perseguição política e moral, que eles conhecem tão bem no mercado, bater à porta dos servidores públicos.
E como todo comportamento movido pela inveja e o ódio, a destruição virá em resposta de médio prazo. A completa extinção dos serviços de educação e saúde dos quais ele e seus filhos dependem vitalmente.
E pior para ele, como os funcionários públicos geralmente o são por mérito, resultado de concursos extremamente difíceis, uma vez que desistam do Estado tendem a tomar os melhores empregos dos que hoje torcem por suas demissões.
E não está disponível a nós servidores o prêmio de consolação mórbido de escarnecer dos colegas traidores que apoiaram o golpe de estado. Porque eles estão, de forma geral, felizes, pelo mesmo princípio.
Geralmente estão entre eles os piores elementos do funcionalismo, gente que se alia a qualquer administração corrupta, que burla o requisito de dedicação exclusiva ou o horário de trabalho em negócios particulares, que se submete a qualquer governo.
Eles esperam ardentemente ver o resto do funcionalismo se tornar como eles.
E é claro, toda essa destruição moral e administrativa está sendo feita somente para pagar a conta da política econômica mais criminosa do mundo, que esse ano fará o governo federal gastar com juros o equivalente a 24% (R$339,1 previstos para 2017) de tudo o que arrecada em impostos e contribuições. Situação semelhante se repete por estados e municípios.
Enquanto isso, os gastos com pessoal, alvo do ressentimento que em parte motiva o apoio a esse projeto, chegarão no máximo a 306,86 bilhões, nisso incluído inativos, pensionistas da União e os supersalários inconstitucionais do judiciário.
E o país assim se destrói, cada um saboreando, debaixo dos escombros de sua antiga vida, um momento de felicidade torpe com a ruína de seu adversário político ou do primo que inveja profundamente.
Não chegamos ainda ao fundo do poço, na verdade, não existe fundo do poço para uma nação que não só destrói seu Estado, mas que perdeu, há muito, a condição moral de sobrevivência.
Por Gustavo Castañon
Gustavo Castañon é professor do departamento de Filosofia da Universidade Federal de Juiz de Fora
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